"Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades"





Já Luís Vaz de Camões proferia num dos seus sonetos que “ todo o mundo é composto de mudança” e o que é certo é que o tempo não pára e as mudanças são cada vez mais visíveis e inexoráveis a vários níveis.

A sociedade está agora mais informada, graças às constantes evoluções, com a proliferação dos meios de comunicação, com a consciência, cada vez mais acesa, de que o Homem depende da colectividade, quer a nível social, cultural, político e económico. A comunicação é realmente um ”fourre-tout”, porque extensível a tudo - ao desenvolvimento dos meios de transporte, das estradas, da imprensa, da televisão e rádio, publicidade, grupos de encontro, entre outros. É a partir da evolução da comunicação que chegamos à ideia de “Aldeia Global”, no entanto esta aproximação entre os homens não significa, só por si, uma maior qualidade comunicacional, dado que o Homem afasta-se cada vez mais de si mesmo, rompe laços com a sabedoria popular, torna-se anónimo. Assim, o ser forma-se e deforma-se, já que a evolução incutiu no ser humano a ideia de um consumismo insaciável; a ilusão de bens fáceis de adquirir; o fascínio pelas marcas, pelas colecções de um valor incalculável e sem qualquer proveito a não ser a auto-estima ou arrogância; conduzindo a puras manifestações de exibicionismo e, essencialmente, ao cansaço da monotonia e a um vazio interior constante. Porquê, se está tudo mais facilitado? Porque começam a faltar metas, porque os objectivos são demasiadamente fáceis de alcançar, porque o ritmo interior muitas vezes não seguiu, ou não se adaptou, ao alucinante ritmo exterior.

Restringindo-me agora ao Fundão, cidade onde vivo, verificamos que as mudanças parecem não ter passado por aqui. Falso. Quanto a mim, são abismais. A ver pela quantidade de vivendas, prédios, hipermercados, rotundas... E, sobretudo, a ver pelas mentalidades, sobejamente despreocupadas. O que é certo é que rara é a pessoa que, sem heranças familiares abastadas, não contrai um ou mais empréstimos - para a casa, o carro, obras em casa, a firma, entre tantos outros. O lema é ter. Evidentemente, é difícil, nas circunstâncias actuais, comprar casa sem contrair um empréstimo. Mas não é preciso abusar. Atenção, fundanenses, não quero com isto apenas criticar, mas antes alertar: a ilusão conduz muitas vezes a becos sem saída. Sonhos sim, mas com a ponderação e moderação adequadas. Há que pensar no futuro, há que pensar na actual situação do país. Podemos, a qualquer momento, desmoronar, cair da nossa “torre de marfim”, e compreender, mais uma vez, que nada é eterno, tudo se transforma. É preciso encarar a vida com uma certa lucidez, conciliar sonhos com a realidade, estar mais atento às mudanças, pois “qualquer grande esperança é grande engano”.

Quando falo de mudanças, refiro-me essencialmente ao património humano. Olhando à minha volta,  penso que, desde os meus cinco anos até agora, já passou uma eternidade. Desde os cinco anos, porque com cinco anos vim de Angola. O facto de ser retornada permitiu-me perceber que a vida é uma constante luta. Desde cedo percebi que o trabalho dignifica as pessoas, quando é feito com alma. Só este nos permite continuar a sonhar por quanto dure a vida. Mesmo que alguém, a nível pessoal ou social o tente impedir, é a nossa entrega e o perfeccionismo que nos permitem aguentar novas derrocadas. É necessária a persistência para enfrentar a vida tal como se nos apresenta.

Quando caminho pelo Fundão, revejo-me nas escolas que frequentei, nos caminhos que percorri. Inclusive, a própria padaria onde comprava o pão com centavos faz parte desta memória. Mas, acima de tudo, revejo constantemente um pai e uma mãe formidáveis, que sempre me apoiaram e me incutiram a luta contra as dificuldades da vida. Vejo como tudo mudou, como desapareceram já tantas pessoas (pela idade, doença, tragédia...). E todas estas mudanças me levam a colocar a questão: valerá a pena continuar a lutar? Claro! Só assim a vida tem sentido, só assim enfrentaremos sempre as inevitáveis mudanças, os terramotos da vida, sem nos deixarmos cair no abismo da perversão, do suicídio, das drogas, da depressão, da marginalização...

Por isso, pensemos na mudança como um fenómeno natural, mas mantenhamos a nossa sanidade mental, os nossos valores e bases espirituais que nos permitam encarar a vida de forma realista, sem perder os sonhos e, ao mesmo tempo, sem nos deixarmos cair no abismo estrepitoso da desumanidade.
                                Célia Gil

3 Comentarios

  1. Célia lindísimo texto que fala de mudanças, mas preservando a importância de cultivarmos nosso património humano em forma de sentimentos, valores, respeito, amizade.... Dou valor amiga!
    Lindo!!
    Vc veio de Angola?
    Beijos e boa noite!
    Carla

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  2. Obrigada pelo gentil comentário. Eu realmente nasci em Angola e vim de lá com 5 anos, porque os meus pais se conheceram lá, sendo os dois da mesma aldeiazinha de Portugal! Bjs

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  3. Obrigada pelo gentil comentário. Realmente vim de Angola com 5 anos. Os meus pais eram da mesma aldeiazinha de Portugal e conheceram-se lá. Bjs

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