(imagem do Google)
Um conto que é uma reflexão sobre a efemeridade da vida,
motivo por que devemos cuidar ainda mais e melhor os que nos são mais queridos.
Pai, um amor para sempre
Cresceu. Como era suposto. Porque o tempo não perdoa e passa inexoravelmente sem questionar ninguém, sem deixar ninguém a beber memórias no passado. Passa, mas não o faz inocentemente, e vai deixando um lastro de dor que teima em acompanhar até ao presente. Quando teima...
Agora caminha ao lado do pai que, de perfil, lhe parece a sua imagem quando se olha de lado no espelho para se barbear com perfeição. Dá-lhe conselhos. Ao longo dos tempos, inverteram-se os papéis. Inverteu-se tudo, até a vida, que lhe parece estar de cabeça para baixo.
O olhar do pai foi sugado pelo tempo, que lhe levou o pensamento. O seu cérebro parece hoje uma caixa branca imaculada, tão branca, vazia e espaçosa que dói...
E o filho, ante uma ou outra palmadinha nas costas, continua a contar-lhe histórias, histórias que não foram suas. Histórias do pai que recria como se fossem suas, à espera de despertar através delas um sorriso, um esgar de emoção nos lábios contraídos, uma lágrima, uma comoção no rosto tão sem expressão!
Mas o que vê é o silêncio, é um mover como que comandado de membros um pouco desarticulados, antes tão ágeis, agora tão frágeis. Deixou de ser. Limita-se a um existir que já não domina.
Sem saber quem o leva pela mão, a um passeio onde não escolheu ir, que força as pernas que apenas querem descansar das histórias... Tem os ouvidos a rebentar de cansaço, apesar de as sensações auditivas já pouco ou nada o incomodarem.
Instintivamente senta-se numa pedra, firma a bengala e recusa-se a prosseguir por histórias tão sinuosas, que já nada lhe dizem e que soam ao vazio do seu novo quarto de paredes brancas. São histórias que cansam, que maçam, que o levam a bater vezes sem conta com a bengala na terra árida. E cospe, cospe no chão que foi seu, mas que já nada lhe diz.
E a lágrima que o filho ansiou ver o pai verter, é na sua face que cai e que deixa correr, sem se preocupar, pois o pai não a verá, não a sentirá, não voltará a apiedar-se dos sentimentos que o filho lhe possa confessar ou transmitir, nem sequer com os estados de alma que antes tão bem conseguia inferir. E é o filho que tem um esgar de emoção, quando relembra na bengala a enxada que tantas vezes batalhou aqueles solos áridos. Terrenos a perder de vista, sempre limpos de mato e repletos de vinhas que cuidava de forma extremosa.
E é o filho que sorri de complacência e de resignação, porque sabe que nada mais pode fazer.
Com toda a calma a que se habituou com o tempo, volta a pegar no pai pela mão, a mão daquele que já sem ser é e será sempre o seu pai. Beija-a e sussurra-lhe ao ouvido “voltemos para casa!”
E regressam, num silêncio que se impõe e que é a única cumplicidade que lhes resta.
Célia Gil
Pai, um amor para sempre
Cresceu. Como era suposto. Porque o tempo não perdoa e passa inexoravelmente sem questionar ninguém, sem deixar ninguém a beber memórias no passado. Passa, mas não o faz inocentemente, e vai deixando um lastro de dor que teima em acompanhar até ao presente. Quando teima...
Agora caminha ao lado do pai que, de perfil, lhe parece a sua imagem quando se olha de lado no espelho para se barbear com perfeição. Dá-lhe conselhos. Ao longo dos tempos, inverteram-se os papéis. Inverteu-se tudo, até a vida, que lhe parece estar de cabeça para baixo.
O olhar do pai foi sugado pelo tempo, que lhe levou o pensamento. O seu cérebro parece hoje uma caixa branca imaculada, tão branca, vazia e espaçosa que dói...
E o filho, ante uma ou outra palmadinha nas costas, continua a contar-lhe histórias, histórias que não foram suas. Histórias do pai que recria como se fossem suas, à espera de despertar através delas um sorriso, um esgar de emoção nos lábios contraídos, uma lágrima, uma comoção no rosto tão sem expressão!
Mas o que vê é o silêncio, é um mover como que comandado de membros um pouco desarticulados, antes tão ágeis, agora tão frágeis. Deixou de ser. Limita-se a um existir que já não domina.
Sem saber quem o leva pela mão, a um passeio onde não escolheu ir, que força as pernas que apenas querem descansar das histórias... Tem os ouvidos a rebentar de cansaço, apesar de as sensações auditivas já pouco ou nada o incomodarem.
Instintivamente senta-se numa pedra, firma a bengala e recusa-se a prosseguir por histórias tão sinuosas, que já nada lhe dizem e que soam ao vazio do seu novo quarto de paredes brancas. São histórias que cansam, que maçam, que o levam a bater vezes sem conta com a bengala na terra árida. E cospe, cospe no chão que foi seu, mas que já nada lhe diz.
E a lágrima que o filho ansiou ver o pai verter, é na sua face que cai e que deixa correr, sem se preocupar, pois o pai não a verá, não a sentirá, não voltará a apiedar-se dos sentimentos que o filho lhe possa confessar ou transmitir, nem sequer com os estados de alma que antes tão bem conseguia inferir. E é o filho que tem um esgar de emoção, quando relembra na bengala a enxada que tantas vezes batalhou aqueles solos áridos. Terrenos a perder de vista, sempre limpos de mato e repletos de vinhas que cuidava de forma extremosa.
E é o filho que sorri de complacência e de resignação, porque sabe que nada mais pode fazer.
Com toda a calma a que se habituou com o tempo, volta a pegar no pai pela mão, a mão daquele que já sem ser é e será sempre o seu pai. Beija-a e sussurra-lhe ao ouvido “voltemos para casa!”
E regressam, num silêncio que se impõe e que é a única cumplicidade que lhes resta.
Célia Gil
6 Comentarios
Quase nem chego ao fim de tanta emoção...LINDA demais! Comovente! bjs, chica
ResponderEliminarObrigada, é sempre gratificante quando as palavras nos permitem falatr de atos nobres! Bjs
EliminarCélia!
ResponderEliminarEstá de volta?
às vezes lembro-me de si e lamento o seu desaparecimento!
Adorei, do fundo do fundo do meu coração, a sua visita.
Beijo
A meio gás mas sim, de volta sempre que for possível. Tem-me sido muito difícil conciliar tudo, mas espero conseguir. Obrigada por estar sempre presente. Beijos
EliminarQuerida Amiga..
ResponderEliminarVenho agradecer o carinho da sua visita ,
estou muito feliz em ver vc no meu blog.
Eu estive aqui varias vezes fazia tempo que,
não vinha por estar fazendo muito pouco visitas.
Eu jamais te esqueci tenho nos comentários
do meu blog todos as suas visitas..
Sentia me triste por não saber
nada de ti minha querida.
Eu postei tantas coisas suas
com carinho e acima de tudo respeito a seu nome.
Te agradeço minha querida pelo carinho.
Deus abençoe você e sua família
tomara que conseguistes estar em Fatima.
Um abraço carinhoso.
Sempre sua amiga.
Evanir.
Obrigada Evanir. Os compromissos profissionais, um mestrado e alguns problemas de saúde da família impossibilitaram-me de estar tão presente. Mesmo assim estou menos tempo, mas virei sempre que me for possível. Agradeço imenso toda a amizade e carinho demonstrado com a publicação de coisas minhas. Não fui a Fátima, mas segui pela Televisão. Foi um momento único. Beijo
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