Cruz, Afonso (2015). Flores. Lisboa: Companhia das Letras.
Este livro
chama-nos de imediato a atenção pela própria capa – as flores azuis, símbolo da
eternidade, captou-me e motivou-me para a sua leitura.
Depois de ler Os Livros que Devoraram o meu Pai,
fiquei curiosa em ler mais livros deste escritor. E foi assim que, e
aproveitando uma das frases mais proferidas no livro, entrei “mais dentro na
espessura”.
Numa linguagem
poética e fluída, somos conduzidos à história de um homem, que se encontra numa
fase difícil da sua vida – divórcio, distanciamento da filha – resultante,
também, da sua própria maneira de ser, ao alhear-se de algumas situações que o
rodeiam e da sua própria vida. Acaba por constatar que a relação com a mulher
falhou, porque já só se beijam “como quem faz a cama” e os beijos “sabem à
rotina, às finanças, ao barulho da máquina de lavar a loiça”.
Sem conseguir
resolver os seus problemas e talvez até para fugir deles, decide ajudar um
vizinho, o Sr. Ulme, a recuperar as memórias perdidas, em virtude de uma doença
degenerativa, após ter sido operado a um aneurisma.
Enquanto se
embrenha na recuperação das memórias de Ulme, junto de pessoas que o conheciam,
com a ajuda da filha, que sente uma grande amizade por Ulme, faz por esquecer e
ultrapassar os seus próprios problemas. No fundo, ele e Ulme são duas pessoas
perdidas no mundo e a precisar de companhia.
Acaba por
perceber que a vida é efémera e que, à medida que passa, se vai perdendo a
própria razão de existir e até mesmo a existência. Urge, por isso, recuperar a
capacidade de acreditar no futuro e de lutar pelos próprios sonhos. O futuro
não é uma construção do passado, não há “armas capazes de disparar um futuro”.
O que se perde, custa a recuperar, até porque a pessoa que viveu essas perdas,
se vai transformando e tem de enfrentar as mudanças para poder habituar-se a viver
com elas, a ser feliz para além delas.
São personagens
muito atuais e é tecida uma crítica a esta realidade presente, em que as
pessoas se perdem nas teias da rotina (que acaba por funcionar como um ladrão
de amor), nas relações conjugais, familiares e, até, no amor-próprio.
Acabam por
recordar apenas os momentos especiais, os que não foram consumidos pela rotina.
A morte iminente
tem o poder de conferir sentido à vida, tornando as vivências mais intensas,
criando a vontade de mudar, de lutar diariamente.
Vale a pena
viajar “mais dentro na espessura” e conhecer estas personagens, que têm sempre
algo para nos ensinar.
Deixo uma passagem
do livro, sem dúvida aliciante:
“As mães são as fiéis
depositárias da nossa infância, dos primeiros anos. As tuas memórias mais
importantes, mais formadoras, não são tuas, são dela. E quando a tua mãe
morrer, levará consigo a tua infância, perderás os primeiros anos da tua vida.
Por isso trata-a bem” (pág. 80).
Vale a pena!
Penetrem “mais fundo na espessura”!
Célia Gil
Oi Célia,
ResponderEliminarO livro parece ser interessante, mas nunca vi nada deste autor no Brasil, acho que ainda não foi lançado por aqui.
Bjs