quinta-feira, 31 de julho de 2025

Os Apanhadores de Bagas, Amanda Peters

Peters, Amanda (2024). Os Apanhadores de Bagas. Lisboa: TopSeller.


Tradução: Fernanda Semedo
N.º de páginas: 280
Início da leitura: 30/07/2025
Fim da leitura: 31/07/2025

**SINOPSE**
"Julho de 1962. Uma família mi'kmaw da Nova Escócia chega ao Maine para apanhar mirtilos durante o verão. Semanas mais tarde, Ruthie, de 4 anos, filha mais nova da família, desaparece. É vista pela última vez na companhia do irmão, Joe, de 6 anos, sentada na sua pedra favorita no limiar do campo de mirtilos. Joe nunca será capaz de ultrapassar o desaparecimento da irmã.

Norma, filha única de uma família abastada, cresce no Maine. O seu pai é uma figura fria e distante; a mãe, exasperantemente superprotetora. Norma tem sonhos recorrentes e visões perturbadoras, as quais se assemelham mais a memórias do que a imaginação, e, à medida que cresce, apercebe-se de que há algo que os pais não lhe estão a contar. Decidida a não desistir da sua intuição, passará décadas a tentar desvendar esse segredo de família."
Amanda Peters, neste seu romance de estreia, brinda-nos com uma narrativa profundamente comovente e envolvente. É um romance que cruza as linhas da perda, identidade e pertença. O enredo poderoso, desde as primeiras páginas, prende a atenção do leitor, não só pela intriga cuidadosamente desenhada, mas sobretudo pela intensidade emocional com que as personagens e os acontecimentos são apresentados.

As personagens são um dos pontos altos do romance: complexas, humanas e profundamente verosímeis. A protagonista, com a sua procura constante por respostas, representa um percurso de dor e descoberta que capta o leitor que valoriza histórias de resiliência e ligação familiar. Amanda Peters revela um domínio notável na construção psicológica das suas personagens, conferindo-lhes profundidade e autenticidade.

A escrita é simples, mas carregada de emoção – nunca excessiva, mas sempre comovente. A autora demonstra um talento raro para captar os silêncios, as ausências e os pequenos gestos que dizem tanto quanto as palavras. A paisagem, as referências culturais e a ligação à terra desempenham também um papel simbólico importante, enriquecendo o pano de fundo da história.

Este é um romance que se lê com o coração apertado, mas também com esperança. É uma homenagem àqueles que procuram respostas no passado para poderem seguir em frente, e um retrato íntimo das feridas deixadas por perdas e silêncios.

Recomendo vivamente!

quarta-feira, 30 de julho de 2025

As Perfeições, Vincenzo Latronico

Latronico, Vincenzo (2024). As Perfeições. Lisboa: Elsinore.

Tradução: Vasco Gato
N.º de páginas:136
Início da leitura: 29/07/2025
Fim da leitura: 30/07/2025

**SINOPSE**
"Anna e Tom, jovem casal de nómadas digitais, recém-chegados a Berlim, acreditam levar uma vida invejável: um trabalho criativo de que gostam, um apartamento cuidadosamente decorado com objetos de design, amigos interessantes, uma relação sexual aberta e serões que terminam na manhã seguinte. Tudo aquilo com que sonharam. No entanto, por detrás desta imagem de «perfeição» nasce uma insatisfação tão profunda quanto difícil de compreender. Os anos passam. O trabalho torna-se repetitivo, a vida social monótona. A cidade já nada tem de novo para lhes oferecer. Anna e Tom sentem-se presos e atormentados por encontrar algo mais real e genuíno. Resta-lhes perseguir noutro lugar esse sonho de autenticidade que lhes parece fugir.

Um dos romances mais aclamados da literatura italiana contemporânea, As Perfeições é o retrato magistral, fiel e desencantado de uma inteira geração, uma parábola das nossas vidas assediadas pelas imagens das redes sociais e da procura por uma autenticidade cada vez mais frágil e rara."
Este é um daqueles livros que, apesar de curtos, ficam a ecoar na cabeça por bastante tempo. As Perfeições podia ser só mais uma história sobre um casal jovem a viver em Berlim — Anna e Tom, dois freelancers criativos a tentar "viver a vida" — mas o que Latronico faz aqui é muito mais do que isso. O escritor pega nesse cenário aparentemente moderno e cosmopolita e desmonta, com uma calma quase cirúrgica, o que se esconde por detrás da imagem: o vazio.

O livro é como um espelho do nosso tempo, especialmente para quem cresceu com redes sociais e vive numa bolha onde tudo precisa de parecer bonito, interessante e bem-sucedido. Anna e Tom estão constantemente a tentar construir uma vida perfeita — mas não para viverem nela, e sim para a mostrarem aos outros. E quanto mais tentam que tudo esteja "no lugar certo", mais se vão afastando daquilo que é real: emoções verdadeiras, conexões profundas, imperfeições humanas.

Há uma frieza propositada na forma como a história é contada — sem grandes dramas, quase tudo contido — e isso acaba por intensificar ainda mais o sentimento de desconexão. Como se a vida deles fosse uma sequência de fotos com filtro: esteticamente belas, mas vazias de sentido. E o mais interessante (e desconcertante) é que nunca sentimos que eles estão propriamente infelizes… mas também nunca parecem verdadeiramente vivos.

Latronico não acusa nem moraliza. Apenas observa — e convida-nos a fazer o mesmo. Ao fim da leitura, fica a sensação de que muitos de nós estamos (ou já estivemos) presos nesta lógica: a de viver para parecer. E a perfeição, afinal, é só mais uma ilusão que nos afasta daquilo que realmente importa.

terça-feira, 29 de julho de 2025

O Sonho do Jaguar, Miguel Bonnefoy

 Bonnefoy, Miguel (2025). O Sonho do Jaguar. Lisboa: Publicações Dom Quixote.

Tradução: Luísa Benvinda Alves
N.º de páginas: 248
Início da leitura: 28/07/2025
Fim da leitura: 29/07/2025

**SINOPSE**
"Grande Prémio de Romance da Academia Francesa 2024
Prémio Femina 2024
Finalista do Prémio Médicis 2024
Finalista do Prémio Renaudot 2024
Finalista do Prémio Jean Giono 2024

Quando uma pedinte muda de Maracaíbo, na Venezuela, encontra um recém-nascido abandonado nos degraus de uma igreja, nem imagina o destino invulgar que o pequeno órfão virá a ter. Criado na miséria, Antonio será sucessivamente vendedor de cigarros, carregador nos cais, empregado num bordel, até se tornar, graças à sua fervilhante energia, um dos mais ilustres cirurgiões do seu país. Uma companheira excecional será a sua inspiração. Ana Maria irá ficar conhecida como a primeira médica da região. Terão uma filha, a quem darão o nome do próprio país: Venezuela. Ligada tanto pelo nome como pelas suas origens à América do Sul, só pensa, porém, em ir para Paris. Mas ninguém consegue alguma vez deixar verdadeiramente os seus. E será nos cadernos de Cristóbal, o último elo da corrente familiar, que as mil histórias desta espantosa linhagem poderão finalmente ancorar.

Nesta vibrante saga de personagens inesquecíveis, com um estilo flamejante, Miguel Bonnefoy pinta o retrato, inspirado nos seus próprios antepassados, de uma família extraordinária cuja história se entrelaça com a da Venezuela."
Há livros que nos arrebatam desde a primeira página — foi o que me aconteceu com este livro. Miguel Bonnefoy constrói um romance fascinante, com uma prosa rica e personagens que nos agarram pela mão e não largam até à última linha.

A história tem ritmo, mistério e emoção, mas é sobretudo na forma como se desenham as personagens que o autor brilha. Cada uma delas tem densidade, contradições e um percurso próprio que se entrelaça na trama com naturalidade. São figuras que sentimos, que compreendemos — mesmo nas suas falhas.

A escrita é envolvente, com uma linguagem que combina lirismo e tensão narrativa. Bonnefoy não se limita a contar uma história: ele mergulha-nos num universo onde o cenário é quase uma personagem. A selva, os sonhos, os silêncios... tudo vibra com simbolismo e emoção. O jaguar, figura mítica e inquietante, acompanha todo o enredo como uma presença quase espiritual — livre, poderosa, misteriosa.

Claro que a leitura exige atenção. Há passagens mais introspetivas, momentos de pausa que obrigam à reflexão. Nem tudo se resolve de forma clara — e isso, longe de ser um defeito, acaba por ser uma das qualidades do livro: respeita a complexidade da humanidade.

segunda-feira, 28 de julho de 2025

Viradas do Avesso, Joana Kabuki

 Kabuki, Joana (2023). Viradas do Avesso. Lisboa: Clube do Autor.

N.º de páginas: 272
Início da leitura: 26/07/2025
Fim da leitura: 27/07/2025

**SINOPSE**

"Fascinada pelo comportamento e pelas relações humanas, Joana Kabuki escreve sobre sentimentos universais e leva-nos a refletir sobre como, muitas vezes, vivemos aprisionados no tempo. Um romance sobre a relatividade das memórias, o peso do passado e a derradeira escolha sobre quem queremos ser quando a vida nos vira do avesso.

Berta, Alice e Carlota são inseparáveis. Jovens e inocentes, desconhecem que a força do passado não encontra limites. Na sequência de um trágico acontecimento, Berta desaparece. A brutalidade dos eventos muda irremediavelmente as suas vidas, condicionando as suas escolhas e os seus caminhos.

Vinte anos depois, Berta reaparece de forma tão enigmática como desaparecera. O reencontro das três mulheres origina o desfiar de memórias difusas e revela segredos e traumas há muito encarcerados. Ao invés de verem sarar as feridas, confrontam-se, uma vez mais, com novos e profundos golpes.

Qual o verdadeiro motivo que levou ao desaparecimento?
Passados tantos anos, serão capazes de desenlear o nó das suas vidas e reconciliar-se com o passado e consigo próprias?"
Esta obra, romance de estreia de Joana Kabuki, distingue-se pela sensibilidade emocional, pela estrutura narrativa cuidada e pela construção de personagens femininas complexas. A história desenvolve-se a partir do reencontro de três mulheres — Alice, Berta e Carlota — cuja amizade foi marcada por um acontecimento traumático na juventude, há vinte anos. A súbita reaparição de Berta, após anos de ausência, é o ponto de partida para uma narrativa que alterna entre o presente e o passado, explorando o peso das escolhas, a memória e as diferentes formas de lidar com a dor.

Um dos aspetos mais conseguidos do livro é a estrutura em três vozes narrativas, que nos permite, a nós leitores, aceder ao universo interior de cada protagonista. Esta escolha narrativa, além de dar profundidade à história, permite múltiplas perspetivas sobre os mesmos acontecimentos, o que enriquece a compreensão dos conflitos, das mágoas e dos afetos que as unem e afastam.

Joana Kabuki revela-se também uma autora com sensibilidade para os detalhes emocionais. A sua escrita é fluida, intimista e pontuada por imagens poéticas que contribuem para a criação de uma atmosfera nostálgica e, por vezes, melancólica. O tema da amizade, o silêncio das feridas antigas e o desejo de reconciliação atravessam o romance com uma força contida, mas persistente.

Outro ponto forte da narrativa é o suspense emocional que se vai construindo à medida que o leitor descobre, a par das personagens, o que levou Berta a desaparecer. Não se trata de um thriller, mas há uma tensão constante — um fio invisível de mistério que prende o leitor até ao fim.

Ainda assim, nem tudo é irrepreensível. A opção por dar voz a três personagens conduz, por vezes, a repetições desnecessárias, com descrições semelhantes de episódios já conhecidos, o que pode quebrar o ritmo da leitura. Além disso, as protagonistas, apesar de marcantes, por vezes aproximam-se de arquétipos previsíveis — a sonhadora, a intensa, a contida — o que limita ligeiramente a riqueza psicológica esperada.

O final do romance, embora coerente dentro da lógica emocional da obra, deixou-me com a sensação de ligeira artificialidade ou de excesso de dramatismo. Depois de uma construção tão cuidadosa, esperava um desfecho mais contido, que mantivesse o tom introspetivo do início.

domingo, 27 de julho de 2025

Mademoiselle Chanel e o Perfume do Amor, Michelle Marly

Marly, Michelle (2021).  Mademoiselle Chanel e o Perfume do Amor. Lisboa: Planeta.

Tradução: Ana Maria Pinto da Silva
N.º de páginas: 338
Início da leitura: 21/07/2025
Fim da leitura: 27/07/2025

**SINOPSE**
"«Uma mulher sem perfume é uma mulher sem futuro.»

Paris, 1919. A cidade vive rendida ao estilo de Gabrielle Coco Chanel. A sua moda revolucionária tornou a sua criadora num verdadeiro símbolo da elegância. Mas, quando Coco perde o grande amor da sua vida num acidente de viação sucumbe à tristeza.
Muitos temem que seja o fim da sua carreira.

No entanto, um novo e ambicioso projeto arranca-a do profundo estado de depressão e angústia em que vivia: a ideia de criar um perfume que junte uma fragrância misteriosa, moderna e o cheiro do amor.

Gabrielle parte, então, numa verdadeira aventura em busca do perfume perfeito, capaz de imortalizar o amor que vivera. Enquanto procura a essência certa, Gabrielle visita Veneza, onde encontra Dimitri Romanov, um grão-duque russo exilado, e fica a conhecer a história do perfume criado em honra de Catarina, a Grande. E estas serão duas das inspirações que marcarão o antes e o depois da vida de Coco e o aroma do seu perfume: o icónico Chanel N.º 5, que se tornará o perfume mais famoso do mundo até aos dias de hoje.

Baseado em factos reais, este romance apaixonante conta-nos a história do mítico Chanel N.º 5 e mostra-nos a mulher por trás da criadora. O seu lado sensível, apaixonado e generoso num período fascinante e ainda misterioso da vida de Coco Chanel."
Esta é uma obra que se insere no género de romance histórico, com uma proposta clara: apresentar ao leitor uma narrativa envolvente da vida de Gabrielle "Coco" Chanel, tendo como ponto central a criação do lendário perfume Chanel Nº 5.

A autora parte de fatos históricos reais — como os amores de Chanel, as suas ambições e o contexto pós-Primeira Guerra Mundial — e os entrelaça com uma escrita ficcional que tem como objetivo humanizar a figura icónica da estilista. A narrativa destaca especialmente o luto de Chanel após a morte de Boy Capel e a forma como ela canalizou a sua dor para transformar o mundo da moda e da perfumaria.

Na minha opinião, a vida de Chanel poderia ter sido menos romantizada, focando-se mais em aspetos históricos que, nesta obra, são abordados um pouco pela rama.

A escrita de Marly é fluida, com ritmo equilibrado entre descrição, ação e introspeção, o que torna a leitura leve e envolvente, mesmo ao tratar de temas densos.

Ainda assim, foi uma leitura agradável.

domingo, 20 de julho de 2025

A Governanta, Samantha Hayes

 Hayes, Samantha (2025). A Governanta. Lisboa: Alma dos Livros.

Tradução: Sónia Lopes
N.º de páginas: 328
Início da leitura: 19/07/2025
Fim da leitura: 20/07/2025

**SINOPSE**
"Misterioso, viciante e intenso, como um grande thriller deve ser!

«Sou a Mary», diz, olhando para mim como se eu devesse saber exatamente quem é.
Está a usar um vestido estilo túnica, com um colarinho branco engomado e mangas curtas.
Mas são os seus olhos penetrantes, que parecem esconder algo perigoso, que me arrepiam.
Diz-me que é a governanta e quem sou eu para a questionar?

A nossa estadia nesta casa é por favor de uma antiga colega de escola, enquanto os estragos provocados pelo incêndio na nossa querida casa são reparados.
A casa não é minha e não sou eu quem dita as regras.
Por isso, afasto-me e deixo-a entrar.

Um dia chego a casa e descubro que se quer mudar para o quarto de hóspedes com o filho, devo acreditar quando diz que não tem outro lugar para onde ir?
Será normal ela encostar a cabeça no ombro do meu marido, com um brilho no olhar que só eu consigo ver?
Estou a ficar paranoica ao pensar que ela observa todos os meus movimentos?
Deveria ter feito imediatamente as malas e saído de casa quando a apanhei a remexer nas minhas coisas?
Será razoável confiar nela e deixá-la sozinha com os meus dois filhos?

Todas as noites, fico acordada a pensar em quem será esta mulher estranha e o que pretende.
Quando finalmente descubro, percebo que corro muito mais perigo do que alguma vez poderia imaginar...

Um thriller psicológico absolutamente viciante, contado sob as perspetivas de Gina e de Mary, alternando entre o passado e o presente, e mantendo o leitor em suspense até a última página."
Este é um thriller psicológico contemporâneo, que se insere confortavelmente dentro do género, com todos os elementos típicos: uma protagonista com um passado misterioso, reviravoltas estratégicas e uma atmosfera de desconfiança crescente. Hayes entrega uma narrativa que, à partida, prometendo prender o leitor com capítulos curtos e ritmo ágil.

A construção da tensão psicológica é competente, embora não particularmente inovadora. A autora usa recursos já bem estabelecidos no género — identidades falsas, traumas não resolvidos, relações familiares perturbadoras — para criar uma história que, apesar de previsível em certos momentos, mantém o interesse do leitor até o fim. Para quem procura entretenimento imediato, o livro cumpre bem esse papel.

No entanto, o romance não vai muito além disso. A profundidade psicológica das personagens é relativamente superficial, e há uma certa falta de “nuance” nos temas abordados. A moralidade das ações, por exemplo, é tratada de forma superficial, e as motivações de algumas personagens soam convenientes demais para o enredo. Isso tira força do impacto emocional que a história poderia ter.

Estilisticamente, a escrita de Hayes é funcional, direta e acessível, o que colabora para a fluidez da leitura, mas não oferece grandes momentos de virtuosismo literário. É uma narrativa mais voltada para o consumo rápido do que para a reflexão posterior.

quinta-feira, 17 de julho de 2025

As Terças com Morrie, Mitch Albom

Albom, Mitch (2025). As Terças com Morrie. Porto: Albatroz.

Tradução: Alexandra Guimarães
N.º de páginas: 168
Início da leitura: 16/07/2025
Fim da leitura: 17/07/2025

**SINOPSE**
"A noção da própria mortalidade é uma grande professora e uma fonte de sabedoria.
Quando Mitch Albom reencontra Morrie Schwartz, o seu antigo professor universitário, não imagina que esse momento se tornaria numa jornada de profunda reflexão e transformação. Morrie, que enfrenta os últimos meses de vida devido à Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), torna-se, mais uma vez, o mentor de que Mitch precisa – não apenas para entender a vida, mas para aprender a viver. As Terças com Morrie é um relato emocionante de encontros semanais que vão além de simples conversas. A cada lição de Morrie, há um convite para refletirmos sobre as nossas escolhas, repensarmos as nossas prioridades e aproveitarmos da melhor forma o tempo que temos. Uma obra imprescindível para quem deseja redescobrir o que realmente importa e viver com mais significado, propósito e amor.
Uma inesquecível história de amizade, sabedoria e busca pelo verdadeiro sentido da vida."

As Terças com Morrie é uma obra comovente e profundamente humana, que transcende o relato biográfico para se tornar uma verdadeira lição de vida. Mitch Albom reconstrói, com sensibilidade, os últimos meses de vida do seu antigo professor, Morrie Schwartz, diagnosticado com ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica), e transforma esse reencontro tardio numa série de conversas transformadoras sobre os grandes temas da existência.

Apesar de não ser uma leitura de estrutura linear fácil – com alternâncias entre passado e presente que exigem atenção do leitor – essa fragmentação acaba por espelhar a própria complexidade da memória, da reflexão e da condição humana. A narrativa é entrecortada por memórias, trechos de entrevistas e episódios da juventude, compondo uma teia rica que aprofunda o impacto emocional da história.

O mais impressionante, contudo, é a forma serena, quase luminosa, com que Morrie encara a sua doença terminal. Ao contrário da expectativa comum diante da morte – sofrimento, revolta, resignação amarga – Morrie transforma o processo de morrer num exercício de sabedoria e amor. A dor inicial dá lugar a uma aceitação madura, onde o medo é superado pela rotina, e o foco se desloca para aquilo que realmente importa: os afetos, os vínculos, a entrega genuína ao outro.

A lição maior que o livro nos oferece é essa: o que nos mantém vivos é o amor. Não o amor romântico ou idealizado, mas o amor que se manifesta no cuidado com o outro, na escuta, no toque, no tempo que se doa. Em meio à desgraça física, há uma grandeza moral e espiritual que emerge com força: a de que a vida ganha sentido apenas quando nos dedicamos aos outros, não com posses, mas com presença e compaixão.

Este livro não é apenas sobre a morte, mas sobretudo sobre a vida – vivida com propósito, empatia e verdade. É uma obra que, embora dolorosa, conforta. Embora triste, inspira. E, acima de tudo, ensina que mesmo nas circunstâncias mais difíceis, é possível escolher o amor como resposta. Aconselho vivamente.

O Aniversário, Andrea Bajani

Bajani, Andrea (2025). O Aniversário. Lisboa: Alfaguara.

Tradução: Sofia Ribeiro
N.º de páginas: 144
Início da leitura: 16/07/2025
Fim da leitura: 16/07/2025

**SINOPSE**
"Será um filho capaz de abandonar impiedosamente os pais? Virar costas, fechar a porta e não voltar? O que resta dos estilhaços de uma memória familiar? «Faz dez anos que, nesse dia, vi os meus pais pela última vez. Desde então, mudei de número de telefone, de casa, de continente, construí um muro inexpugnável, coloquei um oceano entre nós. Foram os melhores dez anos da minha vida.»

Algumas famílias sobrevivem — miseravelmente — a um quotidiano de violência, à tensão sempre latente, aos gestos de anulação do outro, à ausência de laços de amor. Outras famílias desfazem-se para sempre. O aniversário conta a história de um filho que, para viver a sua própria vida, renuncia à casa dos pais, condena-os ao isolamento e arranca pela raiz quaisquer possibilidades de reencontro ou comunicação. O filho procura na fuga uma hipótese de felicidade: escapa de um pai autoritário e irascível, distancia-se de uma mãe que de tudo abdicou em favor do marido. Este corte profundo deixa um lastro de recordações, falhas e solidão, mas desperta uma sede vital de redescoberta interior.

Andrea Bajani, um dos grandes romancistas europeus da atualidade, constrói uma narrativa inquietante: desoladora na sua aridez, sublime na minúcia com que analisa as feridas que não se curam."

Gostei muito deste livro! O Aniversário é daqueles romances raros em que a aparente simplicidade da história encobre uma densidade emocional e psicológica avassaladoras. O enredo parece, à primeira vista, despojado de grandes eventos: um filho que escolhe cortar completamente os laços com os pais e, durante dez anos, reconstrói uma vida à margem do passado. Mas essa decisão radical, que poderia ser apenas um gesto de revolta ou egoísmo, é, neste livro, o centro de um processo interior quase insuportável — de memória, perda, culpa e sobrevivência. Bajani não oferece ao leitor o consolo da reconciliação nem a catarse fácil do perdão. O que há é a nudez de uma experiência íntima levada ao limite, narrada com uma contenção estilística que só amplifica a dor que nela habita.

O que impressiona na escrita de Bajani é a sua precisão quase cirúrgica: ele escreve com o mínimo, mas cada palavra parece colocada com um peso específico, como se carregasse dentro dela a memória de uma ausência ou de uma ferida. A economia da linguagem não resulta em frieza, pelo contrário — há uma pulsação viva em cada frase, como se o texto todo fosse o corpo do narrador, ferido e em constante tensão. A ausência de grandes cenas dramáticas é compensada por um fluxo emocional subterrâneo que vai crescendo, imperceptivelmente, até atingir o leitor em cheio. O autor confia na inteligência e na sensibilidade de quem lê, e isso é cada vez mais raro.

Recomendo vivamente!

terça-feira, 15 de julho de 2025

Uma Questão de Conveniência, Sayaka Muraka

Muraka, Sayaka (2019). Uma Questão de Conveniência. Alfragide: Publicações Dom Quixote.

Tradução: Rita Kohl
N.º de páginas: 168
Início da leitura: 10/07/2025
Fim da leitura: 15/07/2025

**SINOPSE**
"Keiko foi sempre estranha - e os pais perguntam-se onde encaixará ela no mundo real. Por isso, quando a rapariga resolve ir trabalhar para uma loja de conveniência, a notícia é recebida com entusiasmo, até porque na loja ela encontra um mundo bastante previsível, que domina com a ajuda de um manual e copiando os colegas até na forma de falar.

Mas aos 36 anos é ainda na mesma loja de conveniência que trabalha, e além disso nunca teve um namorado, frustrando as expectativas da sociedade… Embora Keiko não se importe com isso, sabe que a família e os amigos estão mais ou menos desesperados. Um dia, porém, é contratado para a loja um rapaz com o qual Keiko tem algumas afinidades. Não será então aconselhável para ambos um relacionamento?

Sayaka Murata, uma das vozes mais originais e talentosas da ficção contemporânea japonesa, capta brilhantemente a atmosfera de uma loja de conveniência e satiriza as obsessões que regem a sociedade contemporânea e a pressão exercida sobre as mulheres no sentido de cumprirem expectativas alheias, com o pretexto de terem uma vida normal.

Uma Questão de Conveniência, que venceu o prémio Akutagawa e foi traduzido em mais de vinte países, é o retrato de uma heroína deliciosa que promete ser tão memorável como Amélie Poulain."

Sayaka Murata oferece-nos, em Uma Questão de Conveniência, um retrato incomum e provocador da sociedade japonesa contemporânea, visto através dos olhos de uma protagonista que recusa seguir os padrões sociais estabelecidos. Este breve romance, apesar da sua aparente simplicidade, revela-se profundamente crítico e inquietante, levantando questões sobre identidade, normalidade e conformismo social.

A protagonista, Keiko Furukura, é uma mulher de 36 anos que trabalha há dezoito anos numa konbini (loja de conveniência). A escolha deste ambiente como palco central da narrativa não é casual: a loja é uma metáfora do funcionamento padronizado da sociedade japonesa — rotineiro, impessoal, mas funcional. A monotonia inicial da narrativa reflete deliberadamente a rotina obsessiva de Keiko, cujo mundo está meticulosamente estruturado em torno das regras e ritmos da loja. Esta secção do livro pode parecer estagnada a nós, leitores ocidentais, pouco habituados à valorização da repetição e da contenção emocional que caracterizam certos aspetos da cultura japonesa.

Contudo, o verdadeiro impacto da obra emerge quando Shiraha, um ex-colega socialmente marginalizado, entra em cena. A decisão de Keiko de o acolher em sua casa marca uma rutura na aparente estagnação da narrativa. Não por uma súbita transformação da protagonista, mas porque esta mudança revela com clareza a hipocrisia e a violência simbólica das expetativas sociais. A relação entre Keiko e Shiraha, longe de ser romântica ou mesmo amistosa, é uma aliança estratégica que ironiza as pressões exercidas sobre o indivíduo para se “normalizar” — casar, ter um emprego “aceitável”, e conformar-se com o que a sociedade considera sucesso ou maturidade.

A partir deste ponto, o livro ganha em intensidade e complexidade. O leitor passa a perceber que o verdadeiro conflito não é entre Keiko e o mundo exterior, mas entre a sua autenticidade e a necessidade de parecer “funcional” aos olhos dos outros. A prosa contida de Murata, quase minimalista, reforça esse contraste entre o absurdo social e a lógica interna da personagem, que, embora vista como “anormal”, vive em coerência com os seus próprios valores.

No final, Murata não oferece uma solução ou redenção tradicional. Em vez disso, reafirma a singularidade da protagonista e desafia-nos a reconsiderar o que significa “viver bem”. A aparente simplicidade da história mascara uma crítica feroz ao conformismo e à opressão das normas sociais, que se fazem sentir tanto no Japão como em muitas outras culturas.

segunda-feira, 14 de julho de 2025

A Bibliotecária de Auschwitz, novela gráfica - Salva Rubio e Loreto Aroca

Rubio, Salva (2024). A Bibliotecária de Auschwitz. Lisboa: Penguin Random House.

Tradução: Salomé Castro
Nº de páginas: 144
Início da leitura:14/07/2025
Fim da leitura: 14/07/2025

**SINOPSE**
"Estamos na Europa, em plena Segunda Guerra Mundial. Dita Adlerova é uma adolescente que, juntamente com a sua família e tantos outros judeus, é levada para o campo de concentração mais mortífero deste conflito: Auschwitz.

Quando Dita reúne um punhado de livros e se torna a bibliotecária de Auschwitz, ela arrisca a vida para que crianças e adultos possam escapar, nem que seja por breves instantes e somente com a imaginação, à terrível vida no campo de extermínio. Os livros estão proibidos e tê-los é uma sentença de morte. Dita precisa de ter muito cuidado: o temível Dr. Mengele, famoso pelas suas experiências horríveis, está a vigiá-la de perto.

A Bibliotecária de Auschwitz é uma adaptação para novela gráfica, por Salva Rubio e Loreto Aroca, do romance bestseller de Antonio Iturbe, que conta esta incrível, inspiradora e comovente história verídica."
Esta novela gráfica baseia-se no romance de António Iturbe, inspirado numa história verídica de Dita Adlerova. A protagonista, apesar de todas as adversidades sofridas, é dotada de uma grande resiliência, é alegre e muito corajosa, pois, mesmo sabendo que corre perigo ao guardar livros proibidos, fá-lo enquanto nova bibliotecária de Auschwitz, com apenas 14 anos, para que as crianças e adultos tenham acesso à leitura e, consequentemente, ao sonho. 
Este é um livro que deve ser lido por jovens e adultos que não consigam ler os livros originais sobre este tema tão duro, pois aborda, com alguma subtileza, todas as atrocidades cometidas. E é importante conhecer e refletir para não repetir.

domingo, 13 de julho de 2025

O Casal do Lado, Shari Lapena

Lapena, Shari (2017). O Casal do Lado. Barcarena: Editorial Presença. 

Tradução: Maria João Lourenço
N.º de páginas: 296
Início da leitura: 12/07/2025
Fim da leitura: 13/07/2023

**SINOPSE**
"Cynthia disse a Anne que não levasse a filha Cora, a bebé de seis meses, para sua casa na noite do jantar para que ela e o marido Marco tinham sido convidados. Não era nada de pessoal. Ela simplesmente não suportava o choro de crianças. Marco não se opõe. Afinal, eles vivem no apartamento do lado. Têm consigo o intercomunicador e irão alternadamente, de meia em meia hora, ver como está a filha.

Cora dormia da última vez que Anne a tinha ido ver. Mas, ao subir as escadas da casa em silêncio, ela depara-se com a imagem que sempre a aterrorizou. A menina desapareceu. Anne nunca tivera de chamar a polícia, antes disso. Mas agora eles estão lá e quem sabe o que irão descobrir... do que seremos capazes, quando levados além dos nossos limites?"

Este livro apresenta-se como um thriller psicológico instigante, com uma premissa promissora: o desaparecimento de um bebé enquanto os pais jantam na casa ao lado. No entanto, ao longo da leitura, fica claro que a promessa de tensão e profundidade dá lugar a uma narrativa superficial, com muitas lacunas e um ritmo surpreendentemente monótono para um livro do género.

A escrita de Shari Lapena é funcional, mas amadora em vários aspetos. O estilo é simples demais, com diálogos artificiais e descrições apressadas, o que prejudica a construção do suspense. Os personagens são rasos, muitas vezes se comportando de maneira incoerente, mais a serviço da trama do que de qualquer verossimilhança psicológica.

Embora a autora tente inserir reviravoltas, muitas delas soam forçadas ou previsíveis. A narrativa fica “parada” em vários momentos, repetindo pensamentos dos personagens ou insistindo em explicações já compreendidas, o que quebra o ritmo e diminui o impacto da tensão.

O livro cumpre um papel básico de entretenimento rápido — ideal para quem procura uma leitura leve, sem grandes exigências literárias. No entanto, para quem espera um suspense bem construído, com densidade narrativa e personagens consistentes, é um livro que dececiona. 

A Baía, Allie Reynolds

Reynalds, Allie (2025). A Baía. Lisboa: Casa das Letras.

Tradução: Isabel Pedrome
Início da leitura: 10/07/2025
Fim da leitura: 12/07/2025

*SINOPSE**
"Há uma escuridão dentro de todos nós e a Baía tem uma maneira de a trazer à luz. Todos aqui têm os seus segredos, mas não vamos à procura deles. Porque às vezes é melhor não saber.

Kenna chega a Sydney para surpreender a sua melhor amiga, chocada por saber que ela vai casar com um rapaz que acabou de conhecer. Mas Mikki e o seu noivo Jack estão prestes a partir numa viagem e Kenna dá por si a acompanhá-los.

A Baía da Tristeza é linda, selvagem e perigosa. Um local remoto para surfar com ondas mortíferas, isolado do resto do mundo. Aqui, Kenna conhece um misterioso grupo de pessoas que fará tudo para manter o seu paraíso em segredo. Sky, Ryan, Clemente e Victor vieram para surfar as ondas e desaparecer da vida. O que é que eles vão achar de Kenna aparecer sem avisar?

À medida que Kenna é atraída para o mundo deles, vê os extremos a que estão dispostos a chegar para obter a próxima emoção. E todos parecem estar a esconder alguma coisa. Em que é que a sua melhor amiga se envolveu, e como é que ela a pode afastar? Mas uma coisa está a tornar-se rapidamente clara na Baía: nunca ninguém se vai embora."

Este livro foi promovido como um thriller psicológico ambientado no mundo do surf, mas, para muitos leitores – como no meu caso – a obra não cumpre inteiramente a promessa de tensão e mistério típicos do género. Ao esperar um verdadeiro thriller, é natural sentir frustração ao deparar-se com uma narrativa que se aproxima mais do drama de grupo do que do suspense psicológico. Embora haja elementos de mistério, eles são diluídos num ambiente onde o surf e as relações interpessoais tomam demasiado protagonismo. A adrenalina do desporto substitui a tensão narrativa – o que, para um thriller, é, a meu ver, insuficiente.

O enredo gira em torno de um grupo isolado numa baía australiana, onde há segredos e mortes a esclarecer. No entanto, a narrativa tende a estagnar, com longas passagens dedicadas à rotina do surf, o que compromete o ritmo e diminui o suspense. A construção do mistério é previsível em certos pontos, e o clímax pode parecer forçado ou pouco merecido.

Um dos maiores pontos fracos que identifico é a falta de profundidade das personagens. São jovens com um espírito pseudo-rebelde, que vivem à margem da sociedade, mas sem que se explore verdadeiramente o “porquê” dessas escolhas. As motivações são rasas e muitas vezes incoerentes, tornando difícil criar empatia ou sequer interesse genuíno. O grupo criado na Austrália parece artificial, como se reunido apenas para servir ao enredo, sem verosimilhança psicológica ou social.

quinta-feira, 10 de julho de 2025

Laranja de Sangue, Harriet Tyce

Tyce, Harriet (2020). Laranja de Sangue. Amadora: Topseller.

Tradução: Marta Mendonça
N.º de páginas: 320
Início da leitura: 08/07/2025
Fim da leitura: 10/07/2025

**SINOPSE**
"«Só mais uma noite. Depois acabo com isto.»

A vida de Alison parece perfeita. Tem um marido dedicado, uma filha adorável, uma carreira em ascensão como advogada e acaba de lhe ser atribuído o primeiro caso de homicídio. Só que Alison bebe. Demasiado. E tem vindo a negligenciar a família. Além de que esconde um caso amoroso quase obsessivo com um colega que gosta de ultrapassar os limites.

«Eu fi-lo. Matei-o. Devia estar presa.»
A cliente de Alison não nega ter esfaqueado o marido e quer declarar-se culpada. No entanto, há algo na sua história que não parece fazer sentido. Salvar esta mulher pode ser o primeiro passo para Alison se salvar a si própria.

«Estou de olho em ti. Sei o que andas a fazer.»
Mas alguém conhece os segredos de Alison. Alguém quer fazê-la pagar pelo que fez. E não irá parar até ela perder tudo o que tem.

Um thriller envolvente, com um final absolutamente inesperado e chocante, protagonizado por uma personagem muito empática."

Ao começar a leitura deste livro, esperava encontrar um thriller jurídico centrado na investigação de um crime — especialmente tendo como protagonista uma advogada especializada em investigação criminal. No entanto, depressa percebi que o foco da narrativa não está tanto no crime cometido por Madeleine Smith, mas sim na vida pessoal, profissional e emocional de Alison, a advogada que a defende.

No entanto, reconheço que essa opção da autora traz uma camada mais profunda ao livro. Harriet Tyce conduz-nos por um percurso psicológico sombrio, onde o verdadeiro "crime" parece ser emocional: os abusos, as manipulações e as relações tóxicas que se instalam de forma quase invisível na sua vida quotidiana.

A forma como a autora entrelaça a história pessoal de Alison com o caso de Madeleine funciona como um espelho narrativo muito eficaz. Ambas as mulheres estão presas em relações destrutivas, e o processo judicial torna-se simbólico — mais do que uma busca pela verdade dos factos, é uma espécie de catalisador para que Alison confronte a sua própria vida.

Gostei especialmente da metáfora sugerida no título: a laranja de sangue, que por fora parece normal, mas por dentro esconde algo denso, escuro e inesperado — tal como a vida da protagonista. A escrita é envolvente, e senti um crescendo de tensão emocional mais do que policial, o que acabou por me prender ao livro de uma forma diferente da esperada.

terça-feira, 8 de julho de 2025

A Trilogia de Paris, Colombe Schneck

Schneck, Colombe (2025). A Trilogia de Paris. Lisboa: Publicações Dom Quixote.

Tradução: Ana Maria Pereirinha
N.º de páginas: 232
Início da leitura: 05/07/2025
Fim da leitura: 07/07/2025

**SINOPSE**
"Um livro de grande beleza e coragem sobre o amor, a morte, o sexo e a sobrevivência.

Escrito em resposta a Annie Ernaux e em conversa com Elena Ferrante, A Trilogia de Paris é composta por três planos semiautobiográficos da vida de uma mulher: Dezassete AnosDuas BurguesinhasA Ternura do Crawl.

Explorando questões sobre sexualidade, autonomia corporal, feminilidade, amizade e perda, esta é uma comovente meditação sobre a viagem de uma vida para resgatar o corpo feminino, aceitando-o com todas as suas falhas e aprendendo a celebrar a sua força.

Em Dezassete Anos, a romancista descobre que está grávida mal chega à idade dos primeiros amores e do final do secundário. Decide não ficar com a criança, mas o calvário do aborto transforma a rapariga despreocupada que era, obrigando-a a entrar na idade adulta.

Duas Burguesinhas conta o nascimento de uma amizade entre duas meninas de boas famílias que são parecidas, crescem juntas e seguem o mesmo caminho: casam, têm filhos, divorciam-se ao mesmo tempo, vivem histórias de amor semelhantes... até ao dia em que a morte bate à porta de uma delas.

Em A Ternura do Crawl, uma mulher conta a sua doce e dolorosa história de amor com Gabriel, um homem que lhe assegura a sinceridade dos seus sentimentos, mas cujo comportamento incerto faz pairar a dúvida sobre a solidez da relação."

Esta obra de Colombe Schneck é uma narrativa fragmentada, intensa e profundamente humana, onde a leveza da leitura contrasta com a densidade emocional e filosófica dos temas abordados.

Dividida em três partes que se entrelaçam como capítulos de uma mesma existência, a trilogia conduz-nos pelos recantos da vida contemporânea com um olhar ao mesmo tempo delicado e impiedoso. A autora mergulha nas grandes questões da experiência humana — o amor, a amizade, a maternidade, a perda, a doença, o envelhecimento — sem recorrer a artifícios narrativos, apenas com a força da palavra nua e da memória afetiva.

A escrita de Schneck é marcada por uma fluidez que convida à leitura rápida, quase impulsiva, mas a sua verdadeira força reside naquilo que nos obriga a parar e pensar. É um livro que, ao mesmo tempo que nos envolve na história, nos espelha — somos levados a refletir sobre o que fazemos com o nosso tempo, como construímos os nossos afetos e como lidamos com as inevitabilidades da vida.

A cidade de Paris, mais do que um cenário, é uma presença viva, quase uma personagem. Serve de pano de fundo aos dilemas íntimos da narradora e dos seus afetos, conferindo à narrativa uma dimensão urbana e contemporânea, mas também melancólica e contemplativa.

O texto não procura grandes revelações nem dramatizações excessivas. Ao invés, é no quotidiano, no detalhe aparentemente banal, que Schneck encontra o extraordinário. A autora sabe que a vida é feita de camadas, e é nelas que mergulha — sem medo, sem pudor e com uma honestidade rara. Gostei muito e recomendo vivamente!

segunda-feira, 7 de julho de 2025

O País das Laranjas, Rosário Alçada Araújo

 Araújo, Rosário Alçada (2019). O País das Laranjas. Lisboa: Edições ASA.

N.º de páginas: 240
Início da leitura: 03/07/2025
Fim da leitura: 05/07/2025

**SINOPSE**
"Com apenas 10 anos, Martha parte para Portugal com o irmão Peter. Estamos em 1949 e a fome e o frio fazem parte do seu quotidiano, já que a Áustria, a sua terra-natal, é ainda um país destruído pela Segunda Guerra Mundial.

Chegados a Lisboa, os dois são inesperadamente separados e Martha vai viver para a Covilhã, no seio de uma família abastada que a recebe com todo o amor e um conforto que nunca antes experimentou.

Martha irá viver dias inesquecíveis, que ficarão para sempre guardados nas memórias da sua infância. Mas não poderá separar estes tempos de felicidade das recordações da guerra que traz consigo, das saudades do irmão e da mãe, da tristeza por não se lembrar das feições do pai e ainda de algumas peripécias que acontecem na casa onde agora vive.

Quando o regresso à Áustria se aproxima, Martha vê-se obrigada a pensar em quem é realmente e a que lugar quer pertencer."

Este é um romance juvenil que, apesar da sua aparente simplicidade, transporta o leitor para uma reflexão profunda sobre temas como a emigração, a saudade e as raízes culturais. A autora, com grande sensibilidade e através de uma linguagem clara, despojada e elegante, constrói uma narrativa próxima e acessível, mas nunca desprovida de beleza literária.

Um dos grandes trunfos desta obra é o modo como a ação se enraíza num contexto geográfico real e familiar: a Covilhã e a região da Beira Interior. Para quem conhece ou vive perto desta zona, como é o meu caso, a leitura ganha um sabor especial, pela familiaridade dos lugares, das tradições e da forma de ser das personagens. Este realismo geográfico torna a história mais próxima e verosímil, permitindo ao leitor sentir-se quase parte do enredo.

Além disso, destaca-se a capacidade da autora de trabalhar sentimentos universais — o amor familiar, a perda, a esperança — de uma forma subtil, sem dramatismos excessivos, mas com uma intensidade que convida à empatia e à reflexão. Recomendo!

quarta-feira, 2 de julho de 2025

2084. O Fim do Mundo, Boualem Sansal

Sansal, Boualem (2016). 2084. O Fim do Mundo. Lisboa: Quatzal Editores.

Tradução: Ana Cristina Leonardo
N.º de páginas: 280
Início da leitura: 01/07/2025
Fim da leitura: 02/07/2025

**SINOPSE**
"Um romance-fábula aterrador, inspirado em 1984, de George Orwell, sobre o estabelecimento de uma ditadura religiosa de raiz muçulmana. Prémio da Academia Francesa. A globalização vai conduzir o Islamismo ao poder, por todo o mundo, dentro de 50 anos, a começar pela Europa - é a previsão do escritor argelino Boualem Sansal, em 2084, um romance-fábula, aterrador, inspirado em 1984, de George Orwell, sobre o estabelecimento de uma ditadura religiosa. Segundo Sansal - Grande Prémio da Francofonia da Academia Francesa, em 2013 -, os três totalitarismos imaginados por Orwell coincidiram na globalização financeira de hoje, que vai a breve prazo ser tomada pelo Islamismo. É a primeira vez que afirmações desta dimensão são proferidas por um autor de educação muçulmana, que vive na Argélia. O Abistão, imenso império, deriva do nome do profeta Abi, «representante» e «delegado» de Yölah, na Terra. O seu sistema de vida baseia-se na amnésia - e na submissão a um deus único, cruel e todo-poderoso. Qualquer pensamento pessoal é banido; um sistema de vigilância omnipresente permite às autoridades conhecer as ideias e os «atos desviantes».
Oficialmente, o povo vive na maior das felicidades, proporcionada por uma fé religiosa inquestionável.
A personagem central, Ati, questiona as certezas impostas pelos dirigentes políticos e imãs, lançando-se, então, numa investigação para descobrir um povo suspeito, renegado, que vive em guetos desconhecidos, ao arrepio do poder das autoridades religiosas.
Boualem Sansal constrói uma distopia violenta e macabra, que se filia diretamente em George Orwell e no seu 1984, para abordar o poder, o alcance e a hipocrisia do radicalismo religioso muçulmano que ameaça as nossas democracias."

Este romance, publicado em 2015, posiciona-se claramente como uma homenagem e atualização do clássico 1984 de George Orwell. Boualem Sansal, escritor argelino conhecido pela sua crítica a regimes autoritários e ao fundamentalismo religioso, constrói um universo distópico fortemente inspirado na realidade contemporânea, sobretudo nas teocracias totalitárias e no extremismo religioso.

A história decorre em Abistan, um império fictício governado por uma teocracia absoluta, onde tudo gira em torno da adoração cega de Yölah e do seu profeta Abi. Tal como em 1984, a vigilância constante, o controlo total da linguagem e o esmagamento do pensamento individual estão no centro do enredo.

Como pontos positivos, saliento a atualidade temática, com questões relevantes como o perigo do extremismo religioso, da submissão coletiva e da negação da liberdade.

Considero, porém, alguns pontos menos positivos, como uma construção pouco elaborada das personagens e do enredo, o excesso de momentos expositivos e a falta de consistência deste universo de Abistan e alguma tendência à repetição de ideias.