Histórias Soltas Presas Dentro de Mim

Duarte, Nuno (2025). Pés de Barro. Lisboa: Leya. 

N.º de páginas: 312
Início da leitura: 11/08/2025
Fim da leitura: 13/08/2025

**SINOPSE**
"Estamos em 1962, num país orgulhosamente só, e vem aí a construção da primeira ponte suspensa sobre o Tejo, para a qual vão ser precisos cerca de três mil homens. A obra irá mudar para sempre a paisagem da capital, muito especialmente para quem vive em Alcântara, como é agora o caso de Victor Tirapicos, instalado na casa dos tios depois de ter envergonhado o pai com dois anos de cadeia só por ter roubado pão e batatas para fintar a miséria.

É, de resto, pelos olhos deste serralheiro de vinte e dois anos que veremos a ponte erguer-se um pouco mais todos os dias e, ali mesmo ao lado, partirem os navios cheios de rapazes para a guerra do Ultramar, donde muitos acabarão por voltar estropiados, endoidecidos ou mortos.

Porém, apesar de a modernidade parecer estar a matar a vida e os costumes do pátio operário onde convivem (amigavelmente ou nem tanto) uma série de figuras inesquecíveis - entre elas o mestre sapateiro que faz as chuteiras para o Atlético Clube de Portugal e um velho culto que aprende a desler -, Victor Tirapicos encontra o amor de uma rapariga que é muda mas consegue escutar o planeta, pressentindo a derrocada da estação do Cais do Sodré e outra catástrofe ainda maior, que se calhar tem pés de barro e só acontece neste romance, mas bem podia ter acontecido."


Pés de Barro, romance de estreia de Nuno Miguel Silva Duarte e vencedor do Prémio LeYa 2024, transporta-nos para o Portugal dos anos 60, mergulhando-nos no ambiente de Lisboa durante a construção da Ponte Salazar — hoje 25 de Abril — e nas partidas dos jovens para a guerra colonial. Este cruzamento entre progresso técnico e opressão política confere à narrativa uma força particular, tornando-a simultaneamente verosímil e emotiva.

O protagonista, Victor Tirapicos, é um jovem serralheiro que observa de perto a transformação da cidade e o peso das decisões do regime. Ao seu lado, circula um conjunto de personagens que dão vida ao retrato social da época: operários, vizinhos, familiares e figuras que, embora discretas, marcam profundamente o leitor.

Entre elas, destaco Dália, a jovem muda que vive no mesmo pátio. Incapaz de articular palavras, comunica através de um som muito próprio — um ruído gutural e quase musical que se repete sempre que quer pronunciar-se. Esse detalhe, longe de ser apenas uma curiosidade, transforma-se num poderoso recurso narrativo: Dália “ouve o mundo” com uma sensibilidade rara e, com o seu som, interrompe ou sublinha momentos-chave, como se fosse uma espécie de comentário subtil e não verbal à vida que decorre à sua volta.

A escrita de Nuno Duarte combina realismo social com ironia afiada, expondo as contradições de um país que ergue uma ponte monumental enquanto envia os seus jovens para uma guerra longínqua. A narrativa alterna entre momentos de humor e de dureza, e é justamente nessa tensão — entre a grande História e as pequenas histórias — que reside a sua riqueza.

Pés de Barro é, assim, muito mais do que uma obra sobre o passado: é um espelho de um tempo em que as promessas de modernidade coexistiam com um regime que sufocava a liberdade. A ponte que atravessa o Tejo acaba por ser também a ponte que liga o sonho e a realidade, a esperança e a perda.

Adorei e recomendo vivamente!

Kingslaey, Felicia (2025). Da Toscana com Amor. Lisboa: Marcador.

Tradução: Alberto Alves
N.º de páginas: 392
Início da leitura: 09/08/2025
Fim da leitura: 11/08/2025

**SINOPSE**

"Uma história divertida sobre relações, amor e coincidências que mudam a vida dos habitantes de uma pequena vila italiana. Os protagonistas, Elisa Benetti e Michael D’Arcy, são tão diferentes quanto possível, mas têm uma coisa em comum - ambos deixaram de acreditar no amor. No entanto, quando se reencontram na bela região da Toscana, depois de muitos anos, tem início uma série de situações engraçadas e comoventes.

O amigo de Michael, Charles Bingley, sobrinho do falecido conde Ricasoli, chega de Inglaterra para assumir a sua herança, a propriedade Le Giuggiole. A notícia gera uma onda de entusiasmo entre as potenciais sogras, dispostas a fazer tudo para casar as filhas com um dos jovens ricos.

No entanto, Elisa está completamente indiferente à caça ao marido. Na infância, passou todos os verões com os dois rapazes em Le Giuggiole, onde agora vive e produz vinho com paixão. Tenta perceber o que acontecerá ao vinhedo, já que Charles e Michael chegaram à Toscana com intenções pouco claras.

Muitos anos se passaram desde que Elisa e Michael eram amigos. As suas vidas mudaram. Será possível que agora se vão tornar inimigos?

E se, afinal, até os corações despedaçados se conseguirem abrir para o amor novamente?"
Mais uma vez fora da minha zona de conforto, optei, desta vez, por um romance mais leve e, por acaso, divertido. Ler Da Toscana, com Amor, de Felicia Kingsley, é como embarcar numa escapadinha romântica ao coração de Itália, com direito a vilarejos pitorescos, vinhedos dourados e personagens capazes de arrancar sorrisos. A autora, conhecida pelo seu toque leve e divertido, apresenta-nos Elisa Benetti e Michael D’Arcy, dois antigos conhecidos que o destino volta a colocar frente a frente, num reencontro repleto de atritos, mal-entendidos e uma boa dose de química. Inspirado livremente em Orgulho e Preconceito, o livro troca bailes vitorianos por festas na praça, intrigas sociais por fofocas de aldeia e longos salões de chá por paisagens de cortar a respiração. O resultado é uma comédia romântica que cumpre exatamente o que promete: entreter e transportar o leitor para um cenário ensolarado e cheio de vida. O humor é constante, com diálogos afiados e situações caricatas, desde confusões familiares até mexericos típicos de uma pequena comunidade. No entanto, quem procurar maior profundidade nas personagens ou um enredo mais denso poderá sentir que a narrativa, embora envolvente, se mantém à superfície, focada mais no riso fácil e na leveza do momento do que na introspeção. Ainda assim, essa é precisamente a sua força — é o tipo de história perfeita para levar na mala de férias, ler na praia ou numa esplanada, enquanto o sol aquece e o vento folheia as páginas. Da Toscana, com Amor é, acima de tudo, uma leitura de verão descomplicada, charmosa e capaz de fazer sonhar com o próximo destino.

Klune, TJ (2024). Por Baixo da Porta Sussurrante. Lisboa: Desrotina.

Tradução: Alexandra Cardoso
N.º de páginas: 424
Início da leitura: 08/08/2025
Fim da leitura: 10/08/2025

**SINOPSE**
"Bem-vindo à Travessia de Caronte, onde o chá está quente, os scones estão frescos e os mortos estão apenas de passagem.
Quando um Anjo da Morte vem buscar Wallace do seu próprio funeral, ele começa a suspeitar de que pode estar morto.
Quando Hugo, o dono de uma peculiar casa de chá, promete ajudá-lo a fazer a travessia, Wallace percebe que sim, está definitivamente morto.
Mas mesmo na morte, Wallace não se resigna a abandonar uma vida que sente mal ter vivido. Com uma semana para fazer a travessia, Wallace decide viver uma vida inteira em sete dias.
Hilariante, assustador e gentil, Por Baixo da Porta Sussurrante é uma história edificante sobre uma vida passada no escritório e uma morte passada a construir um lar."
TJ Klune volta a oferecer-nos uma narrativa que equilibra ternura, humor e melancolia, mas desta vez mergulhada numa atmosfera quase etérea. Por Baixo da Porta Sussurrante parte de uma premissa invulgar: Wallace Price, um homem frio e obcecado pelo trabalho, morre subitamente e é conduzido para uma casa de chá peculiar, ponto de passagem para quem precisa de aceitar o fim. É aqui, entre conversas, chás e silêncios carregados de significado, que Wallace começa a perceber o que significa, afinal, viver.

A escrita de Klune é acessível, calorosa e por vezes cinematográfica, criando imagens vivas e diálogos que alternam entre o cómico e o profundamente emotivo. O ritmo, contudo, poderá ser um desafio para alguns leitores — a narrativa prefere a contemplação à ação, e isso exige um leitor disposto a saborear o texto com calma, tal como se saboreia o chá na casa de Hugo, o barqueiro de almas.

Tematicamente, o livro explora a perda, a aceitação e a possibilidade de redenção, sem nunca cair num sentimentalismo forçado. Klune trata a morte não como um corte abrupto, mas como um processo — e, nesse sentido, oferece ao leitor uma visão reconfortante, quase terapêutica. 

Se A Casa no Mar Cerúleo era uma fábula sobre a inclusão e a diferença, Por Baixo da Porta Sussurrante é mais intimista, quase um sussurro literário. Não é um livro para quem procura grandes reviravoltas, mas sim para quem aprecia histórias que aquecem lentamente o coração e deixam uma sensação de companhia mesmo após a última página.
Apesar de não ser apreciadora de fantasia, reconheço qualidades nos livros deste escritor.

Maugham, W. Somerset (2020). Férias em Paris. Alfragide: Edições ASA.

Tradução: Elsa T. S. Vieira
N.º de páginas: 256
Início da leitura: 07/08/2025
Fim da leitura: 08/08/2025

**SINOPSE**

"Charley Mason tem vinte e três anos e um futuro promissor. Vem de uma família abastada, é atraente, refinado e acaba de completar os estudos em Cambridge. Espera-o uma carreira de prestígio seguindo as pisadas do pai. Mas para já, Charley tenciona gozar umas férias de Natal em Paris, ansioso por desfrutar de alguma liberdade na primeira viagem que faz sozinho à cidade das luzes.

Logo à chegada, porém, o jovem percebe que as suas expectativas não se vão concretizar. O seu melhor amigo, Simon Fenimore, jornalista correspondente na capital francesa, transformou-se num homem agressivo e vive agora em abstinência física e emocional. Numa ida a um bordel, Simon apresenta Charley a Lydia, uma jovem russa, vítima da revolução do seu país e em acelerado processo de autodestruição. A sombra da II Guerra Mundial agiganta-se sobre a Europa e os dias em Paris estão já tingidos com as cores da melancolia.

Quando regressa a Inglaterra, Charley já não é um jovem alegre e despreocupado. Ganhou a experiência de vida das ruas e do submundo. Perdeu a inocência. Pouco depois, o mundo perdê-la-ia também."
Ler Férias em Paris é um pouco como visitar um museu de arte clássica num dia de calor: reconhecemos o talento, admiramos o detalhe… mas a certa altura apetece procurar um banco e descansar. Maugham escreve com uma elegância demasiado britânica, como quem serve chá às cinco mesmo que ninguém o tenha pedido. As personagens estão muito bem construídas e o olhar do autor sobre a natureza humana é certeiro, mas o ritmo pausado e o tom contido deixaram-me à espera de um pouco mais de emoção. É, sem dúvida, literatura de qualidade — só talvez não seja a viagem mais empolgante para quem procura aventura a cada página.

Osman, Richard (2021). O Clube do Crime as Quintas-Feiras. Lisboa: Planeta.

Tradução: Rui Azeredo
N.º de páginas: 384
Início da leitura: 06/08/2025
Fim da leitura: 08/08/2025

**SINOPSE**
"Quatro reformados com alguns truques na manga
Uma polícia com o seu primeiro grande caso nas mãos
Um assassinato brutal
Bem-vindos a... O Clube do Crime das Quintas-feiras

Num pacato bairro de residências privadas para reformados, quatro amigos improváveis reúnem-se uma vez por semana para discutir crimes que ficaram por resolver.

Ron, um ex-sindicalista todo tatuado; a doce Joyce, uma viúva que não é tão ingénua quanto parece; Ibrahim, um ex-psiquiatra com uma incrível habilidade analítica; e a tremenda e enigmática Elizabeth, que lidera este grupo de investigadores amadores... ou nem por isso.

Quando um homicídio ocorre no pequeno bairro, e uma misteriosa fotografia é encontrada ao lado do cadáver, o clube vê-se envolvido no seu primeiro caso real. Embora sejam quase octogenários, os quatro amigos têm alguns truques na manga...

Será que este gangue pouco convencional, mas brilhante, irá conseguir apanhar o assassino antes que seja tarde demais? O melhor é nunca subestimar um grupo de velhotes."
Esta obra apresenta uma abordagem refrescante ao romance policial contemporâneo, com uma combinação curiosa de leveza, humor britânico e mistério clássico. A premissa já cativa de início: um grupo de idosos residentes num pacato lar de repouso que se reúne semanalmente para discutir crimes não resolvidos — até que um assassinato real acontece nas redondezas e o grupo decide investigar.
Richard Osman constrói uma narrativa que se destaca pelo tom bem-humorado e pela afeição evidente com que retrata os seus protagonistas. Ao contrário de muitos thrillers e policiais mais sombrios e violentos, aqui há uma aposta clara numa narrativa mais leve, quase aconchegante, ainda que o tema central seja o crime.
O ponto forte do romance reside nas suas personagens: Joyce, Elizabeth, Ibrahim e Ron são figuras bem delineadas, com vozes distintas e passados intrigantes. A idade avançada dos protagonistas é tratada sem paternalismo, com espaço para humor, sagacidade e até uma certa melancolia — o que confere alguma profundidade emocional à obra. A alternância de pontos de vista e o uso do diário de Joyce como recurso narrativo dão ritmo e variedade à leitura.
Do ponto de vista do enredo policial, o mistério é engenhoso o suficiente para manter o leitor curioso, embora o foco principal não esteja tanto na complexidade do crime em si, mas na dinâmica entre os personagens e na crítica social subtil — que toca, por exemplo, em temas como o envelhecimento, a solidão e a forma como a sociedade trata os mais velhos.

Kliewer, Marcus (2025). Nós Já Vivemos Aqui. Porto: Singular.
Tradução: Célia Correia Loureiro
N.º de páginas:320
Início da leitura: 06/08/2025
Fim da leitura: 07/08/2025

**SINOPSE**
"NOMEADO PARA OS GOODREAD CHOICE AWARDS
«Quando parecia estar tudo bem, isso significava apenas que havia muito que podia correr mal.»
Nesta arrepiante estreia de Marcus Kliewer, as vidas de duas mulheres são viradas do avesso quando recebem uma inesperada visita.
Charlie e Eve acabam de comprar uma casa antiga numa zona pitoresca, e estão certas de que fizeram um excelente negócio. Quando estão a trabalhar na renovação, alguém bate à porta. É um homem, com a família, que diz ter vivido ali alguns anos antes; pergunta se pode mostrar a casa aos filhos. Eve, incapaz de dizer um não, deixa-os entrar.
A partir desse momento, começam a ocorrer coisas inexplicáveis, como o desaparecimento da filha mais nova e uma presença fantasmagórica na cave. Mais estranho ainda, a família não dá sinais de querer terminar a visita.
Há algo de muito errado com a casa e aquela família – ou será que Eve está a imaginar coisas?
Um thriller irresistível que promete causar muitos calafrios e que será em breve adaptado a filme pela Netflix."
Terminada a leitura de Nós Já Vivemos Aqui, de Marcus Kliewer, confesso: saí dela com sentimentos mistos. Por um lado, a proposta me pareceu intrigante e original. Por outro, achei o livro confuso, com momentos que soaram despropositados e desconexos. E é exatamente sobre essa ambivalência que quero refletir aqui.

Este é um livro que nasceu na internet, mais especificamente no Reddit, e traz consigo a estética do “terror moderno” — carregado de atmosferas densas, realidades distorcidas e uma sensação constante de que algo está profundamente errado, mesmo quando nada é dito diretamente.

A premissa é boa: um casal muda-se para uma cabana isolada, e logo percebe que algo ali não bate certo. Portas que surgem do nada, vizinhos com comportamentos estranhos, eventos que parecem repetir-se... A sensação de paranoia e de perda de controlo sobre a própria realidade é quase palpável. Kliewer trabalha bem essa tensão inicial — mas é na evolução da narrativa que começam os tropeços.

A estrutura do livro é fragmentada, e embora isso seja intencional (talvez para espelhar a desorientação das personagens), acaba por comprometer o envolvimento emocional. Há cenas que parecem inseridas apenas para chocar ou manter o clima de estranheza, mas que não contribuem efetivamente para o desenvolvimento da história. Em certos momentos, senti-me mais confusa do que intrigada, tentando entender se havia algo que eu estava a "perder" — ou se a confusão fazia parte da proposta.

No entanto, ao refletir depois da leitura, percebo que talvez esse seja o ponto: o livro parece mais interessado em evocar sensações (como a angústia, o medo e a alienação) do que em contar uma história com lógica tradicional. Se o lermos como uma metáfora para traumas ou para a perda de identidade, tudo começa a fazer um pouco mais de sentido.

Ainda assim, não posso ignorar que, como experiência de leitura, houve momentos em que o texto me perdeu. A atmosfera é eficaz, sim, mas a execução narrativa deixa a desejar. É um daqueles livros que dividem opiniões: ou se aceita entrar no jogo e flutuar nas entrelinhas, ou se sai da leitura com a sensação de que muito foi prometido e pouco foi entregue.

Towles, Amor (2025). Mesa para Dois. Alfragide: Publicações Dom Quixote.

Tradução: Francisco Silva Pereira
N.º de páginas: 528
Início da leitura: 04/08/2025
Fim da leitura: 06/08/2025

**SINOPSE**
"É com Pushkin que começa este livro - não o famoso escritor, mas antes um camponês, também ele uma espécie de poeta, que por amor à mulher (uma deslumbrada comunista) se muda para Moscovo em 1918. Na grande metrópole, descobre os limites da revolução proletária (é despedido num ápice) e o rosto da nova Rússia: falta tudo, o pão, o leite, os medicamentos… Sem desanimar, encontra um novo afazer, guardar lugar nas filas. E é graças ao seu talento que, após várias peripécias, acaba por partir para Nova Iorque no fim de 1929. Nada é inocente na escrita de Amor Towles. O facto de a primeira história começar na Rússia e acabar nos Estados Unidos estabelece a ponte entre este livro e os dois primeiros romances do autor: As Regras da Cortesia (Nova Iorque, anos 30) e Um Gentleman em Moscovo (que arranca no despontar da União Soviética).

Estabelece ainda outro paralelo. As cinco histórias que se seguem, embora ambientadas em Manhattan, são herdeiras de Gogol, Tchékov ou até Pushkin, eivadas pela mesma deriva moral, pelo existencialismo, a duplicidade, o vício, o amor ao belo. É também este universo que o autor transporta para o breve romance que encerra este livro: Eve em Hollywood. Aqui, Amor Towles recupera uma das suas grandes criações, Evelyn Ross, que perdêramos de vista em As Regras da Cortesia. A personagem, de estonteante beleza, rasgada por uma profunda cicatriz, reaparece agora em Los Angeles, em 1938. E com ela redescobrimos o noir americano, pisamos o terreno antes trilhado por Chandler - não na pista de um crime, mas como investigadores dos profundos recessos da alma humana. Mesa para Dois é isto, seis contos e uma novela que nos devolvem um dos mais extraordinários escritores americanos contemporâneos, no auge do seu talento narrativo."
Com um estilo sofisticado, preciso e profundamente cinematográfico, Towles conduz-nos por seis histórias ambientadas em Nova Iorque e uma novela final, passada em Hollywood, numa homenagem clara ao espírito e estética dos anos dourados do cinema.
Neste livro, oferece-nos um retrato da alma americana — não tanto pela grandiosidade dos acontecimentos, mas pelo detalhe subtil dos gestos e escolhas que moldam os destinos individuais.
Towles move-se com mestria entre personagens aparentemente banais, revelando, com acutilância e graça, os dramas e contradições que habitam os seus quotidianos. Há uma elegância latente na sua escrita que, sem nunca resvalar para o exibicionismo literário, nos recorda que estamos perante um autor que respeita profundamente a inteligência e a sensibilidade do leitor.
O conto que dá título ao livro — «Mesa para Dois» — é particularmente boa, oferecendo uma reflexão mordaz sobre ambição, destino e identidade. Towles tem uma capacidade rara de construir personagens complexas em poucas páginas, e fá-lo com diálogos vivos, uma ironia discreta e um domínio absoluto do ritmo narrativo.
A novela final, “Eve in Hollywood”, é quase um livro dentro do livro — um épico contido, que remete para os ecos de Fitzgerald e de Capote, onde o glamour serve de pano de fundo para dilemas morais e encontros inesperados.
Quem nunca leu nada do autor, não pode mesmo deixar de ler, este e os anteriores.

Novo, Isabel Rio (2025). A Matéria das Estrelas. Alfragide: Publicações Dom Quixote.

N.º de páginas: 192
Início da leitura: 03/08/2025
Fim da leitura: 04/08/2025

**SINOPSE**

"Na manhã do dia 21 de janeiro de 1971, o guarda-marinha Jacinto da Silva Fernandes não comparece à chamada do navio-patrulha Flamínio, pronto a largar do porto de Ponta Delgada. O jovem oficial será encontrado na casa que arrendava na cidade, deitado por terra, inanimado.

O trágico e misterioso incidente suspende o percurso de um jovem cujas qualidades e aspirações pareciam talhá-lo para a carreira dos mares. Ao mesmo tempo, marca o início de uma investigação, conduzida por Eduardo, médico e familiar dos Silva Fernandes, que traçará a história de Jacinto, desde a sua infância até à sua sobrevivência arrastada como deficiente, passando pelos dias anteriores ao incidente.

Revolvendo os rastos e os indícios deixados pelo jovem (fotografias, cartas, livros, amigos), na ânsia de encontrar respostas, Eduardo confrontar-se-á com segredos abafados e revelações dolorosas, que expõem hipocrisias que são, também, as de Portugal nas décadas de 60 e 70 do século passado. E compreenderá que, mais do que a procura da verdade sobre Jacinto, está no fundo a conduzir uma pesquisa existencial.

Obra de um notável fôlego narrativo, servida por uma linguagem apuradíssima, segundo o júri que o premiou, o romance A Matéria das Estrelas traz o registo inconfundível de uma das grandes vozes da literatura portuguesa contemporânea."
Isabel Rio Novo oferece-nos, em A Matéria das Estrelas, uma narrativa profundamente sensível e estruturalmente ousada, que se distingue tanto pela elegância da escrita como pela inteligência da construção narrativa. O romance, centrado na figura do astrofísico Carlos Ribeiro — figura real, pouco conhecida do grande público — é muito mais do que uma biografia ficcionada. É uma meditação sobre a memória, a ciência, a perda e, acima de tudo, sobre o desejo de permanência num mundo em constante desaparecimento.

Um dos aspectos que mais me cativou foi precisamente a estrutura fragmentada, em que diferentes momentos da história se entrelaçam com fluidez. Cada capítulo inicia com uma carta do protagonista aos pais, espécie de fio condutor emocional que nos ancora, mesmo quando o tempo e o espaço da narrativa se tornam mais complexos. Essas cartas, por vezes poéticas, por vezes desesperadas, criam uma intimidade pungente que aproxima o leitor de um homem dividido entre o rigor da ciência e a fragilidade da condição humana.

A alternância entre tempos narrativos — infância, juventude, exílio, últimos anos — obriga-nos a uma leitura atenta e contínua. Não é um livro para se ler aos bocados: o risco de nos perdermos na teia cuidadosamente construída é real. Mas é também esse o seu encanto. Há um prazer quase cinemático em ver as peças encaixarem, à medida que os diferentes planos temporais se refletem e comentam mutuamente.

Isabel Rio Novo escreve com um apurado estilo, que nunca se sobrepõe à emoção. O vocabulário é preciso, a linguagem depurada, mas cheia de subtileza — há silêncios e entrelinhas que dizem tanto como as palavras. Esta contenção é, aliás, uma das grandes forças do livro.

Nesta obra, não há heróis fáceis nem finais redentores. O que encontramos é a tentativa de um homem — e de uma autora — de olhar o passado com verdade, sem o romantizar. O resultado é um romance comovente e exigente, que merece ser lido com a atenção que pede. Um livro que, tal como as estrelas, continua a brilhar muito depois de o fecharmos.

Aconselho, a quem gosta do género.

Paris, B.A. (2025). A Hóspede. Lisboa: Editorial Presença.

Tradução: Ana Saldanha
N.º de páginas: 320
Início da leitura: 01/08/2025
Fim da leitura: 03/08/2025

**SINOPSE**
"Até onde pode ir a hospitalidade antes de se tornar uma ameaça?
Iris e Gabriel acabam de chegar de umas férias inesquecíveis. Contudo, ao abrirem a porta, são surpreendidos com uma visita inesperada. Uma das suas melhores amigas, Laure, está instalada em sua casa - a dormir na cama do casal, a vestir as roupas de Iris e até a reorganizar a mobília.

Laure acabou de descobrir que o marido tem uma filha fora do casamento e procura refúgio junto dos amigos. Iris e Gabriel querem apoiá-la, mas, rapidamente, o humor de Laure torna-se imprevisível e a sua presença, sufocante e perturbadora.

Com a chegada de novos vizinhos e de um desenvolvimento com um passado duvidoso, o ambiente transforma-se num campo minado de tensão e desconfianças.

Há segredos prestes a serem desvendados, alguns mais perigosos do que eles poderiam imaginar e capazes de abalar até as amizades mais sólidas."
Este livro segue o estilo característico de B. A. Paris: suspense psicológico com ritmo rápido e reviravoltas. A história gira em torno de uma mulher, Iris, e do seu marido Gabriel, que recebem uma amiga em sua casa — a tal hóspede — e, a partir dessa circunstância, segredos e tensões começam a emergir. A narrativa vai revelando camadas ocultas da vida dos personagens, mantendo o leitor na dúvida sobre em quem confiar.

A leitura é fluída e rápida, o clima de tensão bem construído e considero que houve uma boa exploração de segredos familiares e dilemas morais. O final é surpreendente.

Ainda assim, penso que as personagens tomam, por vezes, decisões pouco críveis.
É um livro leve, ideal para uma leitura rápida em dias de verão.

Peters, Amanda (2024). Os Apanhadores de Bagas. Lisboa: TopSeller.


Tradução: Fernanda Semedo
N.º de páginas: 280
Início da leitura: 30/07/2025
Fim da leitura: 31/07/2025

**SINOPSE**
"Julho de 1962. Uma família mi'kmaw da Nova Escócia chega ao Maine para apanhar mirtilos durante o verão. Semanas mais tarde, Ruthie, de 4 anos, filha mais nova da família, desaparece. É vista pela última vez na companhia do irmão, Joe, de 6 anos, sentada na sua pedra favorita no limiar do campo de mirtilos. Joe nunca será capaz de ultrapassar o desaparecimento da irmã.

Norma, filha única de uma família abastada, cresce no Maine. O seu pai é uma figura fria e distante; a mãe, exasperantemente superprotetora. Norma tem sonhos recorrentes e visões perturbadoras, as quais se assemelham mais a memórias do que a imaginação, e, à medida que cresce, apercebe-se de que há algo que os pais não lhe estão a contar. Decidida a não desistir da sua intuição, passará décadas a tentar desvendar esse segredo de família."
Amanda Peters, neste seu romance de estreia, brinda-nos com uma narrativa profundamente comovente e envolvente. É um romance que cruza as linhas da perda, identidade e pertença. O enredo poderoso, desde as primeiras páginas, prende a atenção do leitor, não só pela intriga cuidadosamente desenhada, mas sobretudo pela intensidade emocional com que as personagens e os acontecimentos são apresentados.

As personagens são um dos pontos altos do romance: complexas, humanas e profundamente verosímeis. A protagonista, com a sua procura constante por respostas, representa um percurso de dor e descoberta que capta o leitor que valoriza histórias de resiliência e ligação familiar. Amanda Peters revela um domínio notável na construção psicológica das suas personagens, conferindo-lhes profundidade e autenticidade.

A escrita é simples, mas carregada de emoção – nunca excessiva, mas sempre comovente. A autora demonstra um talento raro para captar os silêncios, as ausências e os pequenos gestos que dizem tanto quanto as palavras. A paisagem, as referências culturais e a ligação à terra desempenham também um papel simbólico importante, enriquecendo o pano de fundo da história.

Este é um romance que se lê com o coração apertado, mas também com esperança. É uma homenagem àqueles que procuram respostas no passado para poderem seguir em frente, e um retrato íntimo das feridas deixadas por perdas e silêncios.

Recomendo vivamente!

Latronico, Vincenzo (2024). As Perfeições. Lisboa: Elsinore.

Tradução: Vasco Gato
N.º de páginas:136
Início da leitura: 29/07/2025
Fim da leitura: 30/07/2025

**SINOPSE**
"Anna e Tom, jovem casal de nómadas digitais, recém-chegados a Berlim, acreditam levar uma vida invejável: um trabalho criativo de que gostam, um apartamento cuidadosamente decorado com objetos de design, amigos interessantes, uma relação sexual aberta e serões que terminam na manhã seguinte. Tudo aquilo com que sonharam. No entanto, por detrás desta imagem de «perfeição» nasce uma insatisfação tão profunda quanto difícil de compreender. Os anos passam. O trabalho torna-se repetitivo, a vida social monótona. A cidade já nada tem de novo para lhes oferecer. Anna e Tom sentem-se presos e atormentados por encontrar algo mais real e genuíno. Resta-lhes perseguir noutro lugar esse sonho de autenticidade que lhes parece fugir.

Um dos romances mais aclamados da literatura italiana contemporânea, As Perfeições é o retrato magistral, fiel e desencantado de uma inteira geração, uma parábola das nossas vidas assediadas pelas imagens das redes sociais e da procura por uma autenticidade cada vez mais frágil e rara."
Este é um daqueles livros que, apesar de curtos, ficam a ecoar na cabeça por bastante tempo. As Perfeições podia ser só mais uma história sobre um casal jovem a viver em Berlim — Anna e Tom, dois freelancers criativos a tentar "viver a vida" — mas o que Latronico faz aqui é muito mais do que isso. O escritor pega nesse cenário aparentemente moderno e cosmopolita e desmonta, com uma calma quase cirúrgica, o que se esconde por detrás da imagem: o vazio.

O livro é como um espelho do nosso tempo, especialmente para quem cresceu com redes sociais e vive numa bolha onde tudo precisa de parecer bonito, interessante e bem-sucedido. Anna e Tom estão constantemente a tentar construir uma vida perfeita — mas não para viverem nela, e sim para a mostrarem aos outros. E quanto mais tentam que tudo esteja "no lugar certo", mais se vão afastando daquilo que é real: emoções verdadeiras, conexões profundas, imperfeições humanas.

Há uma frieza propositada na forma como a história é contada — sem grandes dramas, quase tudo contido — e isso acaba por intensificar ainda mais o sentimento de desconexão. Como se a vida deles fosse uma sequência de fotos com filtro: esteticamente belas, mas vazias de sentido. E o mais interessante (e desconcertante) é que nunca sentimos que eles estão propriamente infelizes… mas também nunca parecem verdadeiramente vivos.

Latronico não acusa nem moraliza. Apenas observa — e convida-nos a fazer o mesmo. Ao fim da leitura, fica a sensação de que muitos de nós estamos (ou já estivemos) presos nesta lógica: a de viver para parecer. E a perfeição, afinal, é só mais uma ilusão que nos afasta daquilo que realmente importa.

 Bonnefoy, Miguel (2025). O Sonho do Jaguar. Lisboa: Publicações Dom Quixote.

Tradução: Luísa Benvinda Alves
N.º de páginas: 248
Início da leitura: 28/07/2025
Fim da leitura: 29/07/2025

**SINOPSE**
"Grande Prémio de Romance da Academia Francesa 2024
Prémio Femina 2024
Finalista do Prémio Médicis 2024
Finalista do Prémio Renaudot 2024
Finalista do Prémio Jean Giono 2024

Quando uma pedinte muda de Maracaíbo, na Venezuela, encontra um recém-nascido abandonado nos degraus de uma igreja, nem imagina o destino invulgar que o pequeno órfão virá a ter. Criado na miséria, Antonio será sucessivamente vendedor de cigarros, carregador nos cais, empregado num bordel, até se tornar, graças à sua fervilhante energia, um dos mais ilustres cirurgiões do seu país. Uma companheira excecional será a sua inspiração. Ana Maria irá ficar conhecida como a primeira médica da região. Terão uma filha, a quem darão o nome do próprio país: Venezuela. Ligada tanto pelo nome como pelas suas origens à América do Sul, só pensa, porém, em ir para Paris. Mas ninguém consegue alguma vez deixar verdadeiramente os seus. E será nos cadernos de Cristóbal, o último elo da corrente familiar, que as mil histórias desta espantosa linhagem poderão finalmente ancorar.

Nesta vibrante saga de personagens inesquecíveis, com um estilo flamejante, Miguel Bonnefoy pinta o retrato, inspirado nos seus próprios antepassados, de uma família extraordinária cuja história se entrelaça com a da Venezuela."
Há livros que nos arrebatam desde a primeira página — foi o que me aconteceu com este livro. Miguel Bonnefoy constrói um romance fascinante, com uma prosa rica e personagens que nos agarram pela mão e não largam até à última linha.

A história tem ritmo, mistério e emoção, mas é sobretudo na forma como se desenham as personagens que o autor brilha. Cada uma delas tem densidade, contradições e um percurso próprio que se entrelaça na trama com naturalidade. São figuras que sentimos, que compreendemos — mesmo nas suas falhas.

A escrita é envolvente, com uma linguagem que combina lirismo e tensão narrativa. Bonnefoy não se limita a contar uma história: ele mergulha-nos num universo onde o cenário é quase uma personagem. A selva, os sonhos, os silêncios... tudo vibra com simbolismo e emoção. O jaguar, figura mítica e inquietante, acompanha todo o enredo como uma presença quase espiritual — livre, poderosa, misteriosa.

Claro que a leitura exige atenção. Há passagens mais introspetivas, momentos de pausa que obrigam à reflexão. Nem tudo se resolve de forma clara — e isso, longe de ser um defeito, acaba por ser uma das qualidades do livro: respeita a complexidade da humanidade.

 Kabuki, Joana (2023). Viradas do Avesso. Lisboa: Clube do Autor.

N.º de páginas: 272
Início da leitura: 26/07/2025
Fim da leitura: 27/07/2025

**SINOPSE**

"Fascinada pelo comportamento e pelas relações humanas, Joana Kabuki escreve sobre sentimentos universais e leva-nos a refletir sobre como, muitas vezes, vivemos aprisionados no tempo. Um romance sobre a relatividade das memórias, o peso do passado e a derradeira escolha sobre quem queremos ser quando a vida nos vira do avesso.

Berta, Alice e Carlota são inseparáveis. Jovens e inocentes, desconhecem que a força do passado não encontra limites. Na sequência de um trágico acontecimento, Berta desaparece. A brutalidade dos eventos muda irremediavelmente as suas vidas, condicionando as suas escolhas e os seus caminhos.

Vinte anos depois, Berta reaparece de forma tão enigmática como desaparecera. O reencontro das três mulheres origina o desfiar de memórias difusas e revela segredos e traumas há muito encarcerados. Ao invés de verem sarar as feridas, confrontam-se, uma vez mais, com novos e profundos golpes.

Qual o verdadeiro motivo que levou ao desaparecimento?
Passados tantos anos, serão capazes de desenlear o nó das suas vidas e reconciliar-se com o passado e consigo próprias?"
Esta obra, romance de estreia de Joana Kabuki, distingue-se pela sensibilidade emocional, pela estrutura narrativa cuidada e pela construção de personagens femininas complexas. A história desenvolve-se a partir do reencontro de três mulheres — Alice, Berta e Carlota — cuja amizade foi marcada por um acontecimento traumático na juventude, há vinte anos. A súbita reaparição de Berta, após anos de ausência, é o ponto de partida para uma narrativa que alterna entre o presente e o passado, explorando o peso das escolhas, a memória e as diferentes formas de lidar com a dor.

Um dos aspetos mais conseguidos do livro é a estrutura em três vozes narrativas, que nos permite, a nós leitores, aceder ao universo interior de cada protagonista. Esta escolha narrativa, além de dar profundidade à história, permite múltiplas perspetivas sobre os mesmos acontecimentos, o que enriquece a compreensão dos conflitos, das mágoas e dos afetos que as unem e afastam.

Joana Kabuki revela-se também uma autora com sensibilidade para os detalhes emocionais. A sua escrita é fluida, intimista e pontuada por imagens poéticas que contribuem para a criação de uma atmosfera nostálgica e, por vezes, melancólica. O tema da amizade, o silêncio das feridas antigas e o desejo de reconciliação atravessam o romance com uma força contida, mas persistente.

Outro ponto forte da narrativa é o suspense emocional que se vai construindo à medida que o leitor descobre, a par das personagens, o que levou Berta a desaparecer. Não se trata de um thriller, mas há uma tensão constante — um fio invisível de mistério que prende o leitor até ao fim.

Ainda assim, nem tudo é irrepreensível. A opção por dar voz a três personagens conduz, por vezes, a repetições desnecessárias, com descrições semelhantes de episódios já conhecidos, o que pode quebrar o ritmo da leitura. Além disso, as protagonistas, apesar de marcantes, por vezes aproximam-se de arquétipos previsíveis — a sonhadora, a intensa, a contida — o que limita ligeiramente a riqueza psicológica esperada.

O final do romance, embora coerente dentro da lógica emocional da obra, deixou-me com a sensação de ligeira artificialidade ou de excesso de dramatismo. Depois de uma construção tão cuidadosa, esperava um desfecho mais contido, que mantivesse o tom introspetivo do início.

Marly, Michelle (2021).  Mademoiselle Chanel e o Perfume do Amor. Lisboa: Planeta.

Tradução: Ana Maria Pinto da Silva
N.º de páginas: 338
Início da leitura: 21/07/2025
Fim da leitura: 27/07/2025

**SINOPSE**
"«Uma mulher sem perfume é uma mulher sem futuro.»

Paris, 1919. A cidade vive rendida ao estilo de Gabrielle Coco Chanel. A sua moda revolucionária tornou a sua criadora num verdadeiro símbolo da elegância. Mas, quando Coco perde o grande amor da sua vida num acidente de viação sucumbe à tristeza.
Muitos temem que seja o fim da sua carreira.

No entanto, um novo e ambicioso projeto arranca-a do profundo estado de depressão e angústia em que vivia: a ideia de criar um perfume que junte uma fragrância misteriosa, moderna e o cheiro do amor.

Gabrielle parte, então, numa verdadeira aventura em busca do perfume perfeito, capaz de imortalizar o amor que vivera. Enquanto procura a essência certa, Gabrielle visita Veneza, onde encontra Dimitri Romanov, um grão-duque russo exilado, e fica a conhecer a história do perfume criado em honra de Catarina, a Grande. E estas serão duas das inspirações que marcarão o antes e o depois da vida de Coco e o aroma do seu perfume: o icónico Chanel N.º 5, que se tornará o perfume mais famoso do mundo até aos dias de hoje.

Baseado em factos reais, este romance apaixonante conta-nos a história do mítico Chanel N.º 5 e mostra-nos a mulher por trás da criadora. O seu lado sensível, apaixonado e generoso num período fascinante e ainda misterioso da vida de Coco Chanel."
Esta é uma obra que se insere no género de romance histórico, com uma proposta clara: apresentar ao leitor uma narrativa envolvente da vida de Gabrielle "Coco" Chanel, tendo como ponto central a criação do lendário perfume Chanel Nº 5.

A autora parte de fatos históricos reais — como os amores de Chanel, as suas ambições e o contexto pós-Primeira Guerra Mundial — e os entrelaça com uma escrita ficcional que tem como objetivo humanizar a figura icónica da estilista. A narrativa destaca especialmente o luto de Chanel após a morte de Boy Capel e a forma como ela canalizou a sua dor para transformar o mundo da moda e da perfumaria.

Na minha opinião, a vida de Chanel poderia ter sido menos romantizada, focando-se mais em aspetos históricos que, nesta obra, são abordados um pouco pela rama.

A escrita de Marly é fluida, com ritmo equilibrado entre descrição, ação e introspeção, o que torna a leitura leve e envolvente, mesmo ao tratar de temas densos.

Ainda assim, foi uma leitura agradável.

 Hayes, Samantha (2025). A Governanta. Lisboa: Alma dos Livros.

Tradução: Sónia Lopes
N.º de páginas: 328
Início da leitura: 19/07/2025
Fim da leitura: 20/07/2025

**SINOPSE**
"Misterioso, viciante e intenso, como um grande thriller deve ser!

«Sou a Mary», diz, olhando para mim como se eu devesse saber exatamente quem é.
Está a usar um vestido estilo túnica, com um colarinho branco engomado e mangas curtas.
Mas são os seus olhos penetrantes, que parecem esconder algo perigoso, que me arrepiam.
Diz-me que é a governanta e quem sou eu para a questionar?

A nossa estadia nesta casa é por favor de uma antiga colega de escola, enquanto os estragos provocados pelo incêndio na nossa querida casa são reparados.
A casa não é minha e não sou eu quem dita as regras.
Por isso, afasto-me e deixo-a entrar.

Um dia chego a casa e descubro que se quer mudar para o quarto de hóspedes com o filho, devo acreditar quando diz que não tem outro lugar para onde ir?
Será normal ela encostar a cabeça no ombro do meu marido, com um brilho no olhar que só eu consigo ver?
Estou a ficar paranoica ao pensar que ela observa todos os meus movimentos?
Deveria ter feito imediatamente as malas e saído de casa quando a apanhei a remexer nas minhas coisas?
Será razoável confiar nela e deixá-la sozinha com os meus dois filhos?

Todas as noites, fico acordada a pensar em quem será esta mulher estranha e o que pretende.
Quando finalmente descubro, percebo que corro muito mais perigo do que alguma vez poderia imaginar...

Um thriller psicológico absolutamente viciante, contado sob as perspetivas de Gina e de Mary, alternando entre o passado e o presente, e mantendo o leitor em suspense até a última página."
Este é um thriller psicológico contemporâneo, que se insere confortavelmente dentro do género, com todos os elementos típicos: uma protagonista com um passado misterioso, reviravoltas estratégicas e uma atmosfera de desconfiança crescente. Hayes entrega uma narrativa que, à partida, prometendo prender o leitor com capítulos curtos e ritmo ágil.

A construção da tensão psicológica é competente, embora não particularmente inovadora. A autora usa recursos já bem estabelecidos no género — identidades falsas, traumas não resolvidos, relações familiares perturbadoras — para criar uma história que, apesar de previsível em certos momentos, mantém o interesse do leitor até o fim. Para quem procura entretenimento imediato, o livro cumpre bem esse papel.

No entanto, o romance não vai muito além disso. A profundidade psicológica das personagens é relativamente superficial, e há uma certa falta de “nuance” nos temas abordados. A moralidade das ações, por exemplo, é tratada de forma superficial, e as motivações de algumas personagens soam convenientes demais para o enredo. Isso tira força do impacto emocional que a história poderia ter.

Estilisticamente, a escrita de Hayes é funcional, direta e acessível, o que colabora para a fluidez da leitura, mas não oferece grandes momentos de virtuosismo literário. É uma narrativa mais voltada para o consumo rápido do que para a reflexão posterior.

Albom, Mitch (2025). As Terças com Morrie. Porto: Albatroz.

Tradução: Alexandra Guimarães
N.º de páginas: 168
Início da leitura: 16/07/2025
Fim da leitura: 17/07/2025

**SINOPSE**
"A noção da própria mortalidade é uma grande professora e uma fonte de sabedoria.
Quando Mitch Albom reencontra Morrie Schwartz, o seu antigo professor universitário, não imagina que esse momento se tornaria numa jornada de profunda reflexão e transformação. Morrie, que enfrenta os últimos meses de vida devido à Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), torna-se, mais uma vez, o mentor de que Mitch precisa – não apenas para entender a vida, mas para aprender a viver. As Terças com Morrie é um relato emocionante de encontros semanais que vão além de simples conversas. A cada lição de Morrie, há um convite para refletirmos sobre as nossas escolhas, repensarmos as nossas prioridades e aproveitarmos da melhor forma o tempo que temos. Uma obra imprescindível para quem deseja redescobrir o que realmente importa e viver com mais significado, propósito e amor.
Uma inesquecível história de amizade, sabedoria e busca pelo verdadeiro sentido da vida."

As Terças com Morrie é uma obra comovente e profundamente humana, que transcende o relato biográfico para se tornar uma verdadeira lição de vida. Mitch Albom reconstrói, com sensibilidade, os últimos meses de vida do seu antigo professor, Morrie Schwartz, diagnosticado com ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica), e transforma esse reencontro tardio numa série de conversas transformadoras sobre os grandes temas da existência.

Apesar de não ser uma leitura de estrutura linear fácil – com alternâncias entre passado e presente que exigem atenção do leitor – essa fragmentação acaba por espelhar a própria complexidade da memória, da reflexão e da condição humana. A narrativa é entrecortada por memórias, trechos de entrevistas e episódios da juventude, compondo uma teia rica que aprofunda o impacto emocional da história.

O mais impressionante, contudo, é a forma serena, quase luminosa, com que Morrie encara a sua doença terminal. Ao contrário da expectativa comum diante da morte – sofrimento, revolta, resignação amarga – Morrie transforma o processo de morrer num exercício de sabedoria e amor. A dor inicial dá lugar a uma aceitação madura, onde o medo é superado pela rotina, e o foco se desloca para aquilo que realmente importa: os afetos, os vínculos, a entrega genuína ao outro.

A lição maior que o livro nos oferece é essa: o que nos mantém vivos é o amor. Não o amor romântico ou idealizado, mas o amor que se manifesta no cuidado com o outro, na escuta, no toque, no tempo que se doa. Em meio à desgraça física, há uma grandeza moral e espiritual que emerge com força: a de que a vida ganha sentido apenas quando nos dedicamos aos outros, não com posses, mas com presença e compaixão.

Este livro não é apenas sobre a morte, mas sobretudo sobre a vida – vivida com propósito, empatia e verdade. É uma obra que, embora dolorosa, conforta. Embora triste, inspira. E, acima de tudo, ensina que mesmo nas circunstâncias mais difíceis, é possível escolher o amor como resposta. Aconselho vivamente.

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Sobre mim

Professora de português e professora bibliotecária, apaixonada pela leitura e pela escrita. Preza a família, a amizade, a sinceridade e a paz. Ama a natureza e aprecia as pequenas belezas com que ela nos presenteia todos os dias.

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