Histórias Soltas Presas Dentro de Mim

Garcia, Maria Cecília (2020). Estranha Forma de Vida. Lisboa: Edições Vieira da Silva.

Nº de páginas: 148

Início da leitura: 30/10/2021

Fim da leitura: 31/10/2021

SINOPSE

«Eu era teimosa e alegre, tinha uma grande capacidade de me abstrair e de apaziguar o sofrimento.

Iria resistir, qual erva daninha que, depois de espezinhada, teima em renascer.

A vida não era um oceano pacífico e, para sobreviver, decidi que havia de ser feliz.

Sabias que havia dentro de mim um ser livre e que nem tu, nem ninguém, me roubaria essa liberdade.

No entanto, vacilei muitas vezes, não imaginas quantas vezes quis desistir. Nos momentos de angústia, olhava-me ao espelho, esbofeteava os pensamentos tristes e procurava de novo o brilho dos meus olhos.

Era isso o que te frustrava, saber que, depois de tudo, depois de pensares que me tinhas anulado, eu renascia livre como a Fénix.

Mas ninguém é mais irremediavelmente escravizado, dizia Goethe, do que aqueles que acreditam que são livres.

Eu precisava de ser feliz, e se a felicidade não existisse, inventava-a.

Agora que penso bem, era uma espécie de loucura!»

OPINIÃO

Este é um livro que deve ser lido, por todos, em especial pelos homens retratados neste homem a quem a narradora se dirige.

Como é que uma mulher independente, de 33 anos, que preza a sua liberdade, cujo sonho não passa pelo casamento, antes pelos estudos universitários, se deixa enredar numa relação de posse, de violência e de anulação do ser? Há explicações para isso, até porque, quem está do lado de fora, acha que se pode dar o direito de julgar.

E, apesar de os indícios estarem todos lá, há a paixão destes dois seres que “estacionaram os corpos nas traseiras do Jardim da Cerveja”. Uma paixão que ofusca a realidade, uma obsessão que, mesmo depois de tudo, leva esta personagem feminina, a calar-se e a anular-se.

É importante que se reflita sobre estas temáticas. A própria sociedade não ajuda as mulheres vítimas de violência doméstica, desculpabilizando os agressores, ignorando os pedidos de ajuda das vítimas e encarando de forma demasiado ligeira estas realidades. Sim, realidades. Há muitas mulheres que se devem rever nesta personagem e, mesmo que não chegue ao grau de violência a que chegou este homem, é necessário que ganhem força para se libertarem destas relações, que se tornem independentes, que não permitam estar sob a alçada destes pseudo “donos”, que levantem sempre a cabeça e encarem este problema que, se não as levar à morte, pode levar à loucura ou a um esvaziamento do ser, a esta morte “de tristeza”.

Gostei também da forma como Maria Cecília escreve, esta forma direta, sem deixar de revelar preocupação estética.

Gratz, Alan (2019). Refugiado. Alfragide: Edições ASA.

Nº de páginas: 320

Tradutora: Marta Pinho

Início da Leitura: 22/10/2021

Fim da Leitura: 30/10/2021

SINOPSE

Três crianças diferentes. Uma missão em comum: FUGIR!
JOSEF é um rapaz judeu que vive na Alemanha nazi, na década de 1930. Com a crescente ameaça dos campos de concentração, ele e a sua família embarcam num navio rumo ao outro lado do mundo…

ISABEL é uma rapariga cubana em 1994. Com motins e distúrbios a proliferarem no seu país, ela e a sua família partem num bote, esperando encontrar segurança na América…
MAHMOUD é um rapaz sírio em 2015. Com a sua pátria dilacerada pela violência e destruição, ele e a sua família encetam uma longa viagem em direção à Europa…

Estas três crianças protagonizam angustiantes viagens em busca de refúgio. Vão todas deparar-se com perigos inimagináveis - desde afogamentos a bombardeamentos e traições. Mas há sempre a esperança do amanhã. E apesar de Josef, Isabel e Mahmoud estarem separados por continentes e por décadas, factos chocantes acabam por ligar as suas histórias no final.

OPINIÃO

Este é daqueles livros que teria devorado em dois dias, não fosse ter de o ler com toda a atenção e ir fazendo perguntas para a fase escolar do Concurso Nacional de Leitura. Foi um livro em que me embrenhei, que me absorveu e me sugou para dentro dele. É impossível ficar indiferente a estas histórias que, apesar de ficcionais, como diz o autor na Nota Final do livro, partem de situações, contextos e histórias reais.

Cada uma à sua maneira, em épocas e contextos históricos muito distantes umas das outras, estas três crianças cativam-nos pela sua coragem, espírito de resiliência e luta pela sobrevivência. São preocupadas com a família, têm princípios e valores, em contextos tão cruéis e revoltantes, que é impossível não ficar rendida.

Josef, o rapaz Judeu, um dos passageiros do St. Louis, cujo pai estivera no campo de concentração de Duchau, é um menino atento, preocupado com a família.

Isabel, a cubana apaixonada por música, revela-se tão corajosa e, ao mesmo tempo, tão sensível, que é impossível não ficar comovido. Segundo Isabel, a sua vida era “uma sinfonia, com diversos andamentos e complexas formas musicais.”

Mahmoud, o rapaz sírio, vive no limite das suas forças, mas acaba por se impor, revelando uma enorme coragem, e deixar de ser invisível.

Três crianças que revelam uma maturidade que não é a que se espera na idade deles, em que deveriam andar a brincar despreocupadamente, mas que é superior à de muitos adultos.

Penso que todos deviam ler este livro. Confrontar-se e conhecer esta realidade dura, este viver no limiar da força humana física e psicológica. Provavelmente, não se reclamariam por problemas de somenos importância.

Recomendo vivamente!

Novo, Isabel Rio (2015). Rio do Esquecimento. Alfragide: Publicações Dom Quixote



Nº de páginas: 160

Início da leitura: 18/10/2021

Fim da leitura: 21/10/2021

SINOPSE

Inverno de 1864. Sentindo a morte a aproximar-se, Miguel Augusto regressa do Brasil, onde enriqueceu, e instala-se no velho burgo nortenho, no palacete conhecido como Casa das Camélias, com a intenção de perfilhar Teresa Baldaia e torná-la sua herdeira. No mesmo ano, Nicolau Sommersen pensa em fazer um bom casamento, não só para recuperar o património familiar que o tempo foi esfarelando, mas sobretudo para fugir à paixão que sente por Maria Adelaide Clarange, senhora casada e mãe de três filhos. Maria Ema Antunes, prima de Nicolau e governanta da Casa das Camélias, hábil e amargurada com a sua vida, urdirá entre todos uma teia de crimes, segredos e vinganças.
Subvertendo as estratégias da narrativa histórica, com saltos cronológicos que deixam o leitor em suspenso mesmo até ao final, Rio do Esquecimento descreve com saboroso detalhe a sociedade portuense de Oitocentos e assinala o regresso à ficção portuguesa de uma escrita elegante que consegue tornar transparente a sua insuspeitada espessura.

OPINIÃO

Parti para a leitura deste romance com altas expetativas, uma vez que adorei o livro A Febre das Almas Sensíveis da autora. As minhas expetativas deviam estar demasiado elevadas, porque gostei muito mais do livro que li anteriormente.

Apesar de ter apreciado a contextualização histórica e a descrição de espaços do Porto do século XIX, as personagens não me cativaram. Achei-as algo insípidas, quase maquinais nos comportamentos e ações levadas a cabo. Muito desprovidas de sentimento. Como aquelas músicas que são lindíssimas, mas precisamos que o cantor faça passar a emoção ao ouvinte, também aqui não consegui sentir a emoção que a premissa prometia. Faltou a força narrativa capaz de nos confrontar com as virtudes e defeitos das personagens, ao ponto de sentirmos algo por elas, nem que fosse raiva, admiração, repugnância…algum sentimento, que não chegou, pelo menos a mim.

Gosto, porém, da forma cuidada como Isabel Rio Novo escreve. Talvez os dois anos entre este livro e A Febre das Almas Sensíveis, tenham feito com que ganhasse maturidade literária e aprimorasse a forma como nos transmite os acontecimentos. Fico a aguardar novos livros para o comprovar.

Tokarczuk, Olga (2021). Casa de Dia, Casa de Noite. Amadora: Cavalo de Ferro.

Tradutor: Teresa Fernandes Swiatkiewicz

Nº de páginas: 352

Início da leitura: 13/10/2021

Fim da leitura: 17/10/2021

SINOPSE

Casa de Dia, Casa de Noite, primeiro romance-constelação de Olga Tokarczuk, foi vencedor do Prémio Günter Grass e do Prémio Nike ainda antes de a autora receber o Prémio Nobel.

A vida na pequena cidade de Nowa Ruda, situada no coração da Europa, num território de passagem e de fronteiras instáveis, onde povos, guerras e regimes se sucedem, não é tão simples como aparenta ser. Os seus mais recentes habitantes polacos ocuparam as casas deixadas vazias pelos alemães em fuga no final da guerra, e nos bosques em redor há muitos segredos que se escondem debaixo da terra.

Com a ajuda de Marta, a sua velha e sábia vizinha, a narradora deste romance, recém-chegada à cidade, vai reunindo as histórias surpreendentes deste lugar, compondo um novelo de mitos, sonhos, episódios anedóticos, que muitas vezes transcendem o visível e o racional, misturando passado e presente.

OPINIÃO

Olga Tokarczuk tem, de facto, um estilo de escrita muito peculiar. Consegue, através de uma mistura de géneros, criar um género muito próprio. É um romance ficcional, onde se cruza a fantasia com uma espécie de gótico, de grande originalidade e misticismo. São-nos contadas várias histórias, da pequena cidade de Nowa Ruda, do bolor, da humidade, da ferrugem, do apodrecimento, da aspereza e da inflexibilidade que vão dominando a cidade. Uma cidade, por isso mesmo, enigmática. Desde histórias sobre habitantes da aldeia, como a da Santa, cujo pai rejeitou como filha, por ser mulher e que se terá transformado em homem, à história do monge que escreveu sobre a Santa e que se debateu com dúvidas de género, a sonhos quase dispersos, réstias de loucura, mitos…  Igualmente enigmáticas são as personagens. A narradora, uma observadora que nos vai narrando as histórias e descrevendo o espaço e a vida dos que aí habitam, tem uma especial curiosidade em relação à vizinha, com quem inicia uma amizade, também ela estranha. Esta idosa sábia, a Marta, confecionava perucas com mechas de cabelos, que um cabeleireiro famoso lhe oferecera, guardando-as numa arca, na sala. A narradora observava Marta, nos seus momentos de silêncio, imaginando inclusive de que forma a morte poderia entrar por ela.

As descrições são detalhadas, diretas, frias; no fundo, são o reflexo da velhice que vai dominando as personagens.

E este olhar detalhado vai-se dando conta das contradições entre a primavera e o inverno, a juventude e a velhice, o dia e a noite, o calor e o frio, a vida e a morte, não apenas percetível na natureza, mas também nas casas e nas pessoas, que “por dentro”, afinal, “são construídas como as casas – têm escadarias, entradas espaçosas, vestíbulos sempre mal iluminados que tornam difícil contar as portas para os quartos…”. As pessoas são como “casas de dia”, na juventude, na primavera, no calor e são “casas de noite” na velhice, no inverno, no frio.

Um livro que vale a pena ler!

Bennett, Brit (2021). A Outra Metade. Lisboa: Alfaguara Portugal.

Tradução: Tânia Ganho

Início da leitura: 08/10/2021

Fim da leitura: 12/10/2021

SINOPSE

As gémeas Stella e Desiree Vignes, tão idênticas de feições quanto diferentes de feitio, nasceram para contrariar a profecia.

Geração após geração, a comunidade negra desta pequena localidade, no Estado sulista de Luisiana, esforça-se por aclarar o tom da sua pele, favorecendo os casamentos mistos. Desiree e Stella são disso um bom exemplo, com a sua pele «cor de areia húmida», olhos castanho-avelã e cabelo ondulado. Mas a aparência não basta para as livrar do estigma, e acabam por assistir à morte violenta do pai, à humilhação da mãe depois disso.

Aos dezasseis anos, escolhem fugir juntas da terra sufocante. Pretendem escapar ao seu sangue e libertar o seu futuro. Mas a fuga para Nova Orleães acaba por ditar o afastamento das irmãs, até então inseparáveis.

Catorze anos mais tarde, Desiree volta à casa materna, arrastando pelas ruas poeirentas da terra uma filha de pele «negra como o alcatrão», que atrai todos os olhares do lugarejo retrógrado. Stella, por seu lado, tem a vida construída numa mentira: vive na Califórnia, faz-se passar por branca, e o marido nada sabe do seu passado.

Apesar de tantos quilómetros e tantas mentiras a separá-las, os destinos das gémeas estão inevitavelmente entrelaçados. E voltarão a cruzar-se, porque é impossível renegar a metade que nos pertence.

Na saga desta família que atravessa quatro décadas e vários Estados, Brit Bennett cria uma história de apelo universal e intemporal. Não se detendo no inevitável tema central da raça e da identidade, A Outra Metade reflete sobre o peso do passado no presente, pondera as consequências e os limites da reinvenção pessoal e oferece uma meditação poderosa sobre a família e a liberdade individual.

OPINIÃO

Que livro maravilhoso! Muito bem escrito e com uma história sublime!

Aborda a temática do racismo, mas de uma forma diferente, e, ainda que haja muitos autores que tenham escrito sobre esta mesma temática, a forma como Bennett o fez surpreende, comove e deixa-nos completamente rendidos. Vai muito para além do racismo dos brancos em relação aos negros, fala-nos do racismo entre os próprios negros, da negação da cor.

É a história de duas irmãs gémeas, de pele “cor de areia húmida”, que vivem numa localidade ficcional localizada no Estado do Luisiana. Uma localidade marcada pelo racismo ao ponto de considerarem que as jovens não se deviam casar com alguém de cor escura, de forma a que, com o tempo, conseguissem que a comunidade local fosse aclarando cada vez mais o seu tom de pele. Apesar de Stella e Desiree terem já uma cor mais clara, acabam por assistir à morte cruel do pai e à humilhação da mãe, o que as marca para toda a vida. Aos 16 anos, decidem fugir juntas para Nova Orleães. A partir daqui, temos um afastamento entre elas. Apesar de fisicamente semelhantes, têm maneiras de ser e pensar diferentes, o que leva Stella a decidir seguir a sua vida, longe da irmã, fazendo-se passar por branca e compactuando com o próprio ambiente racista que vai encontrar. Não é fácil perceber, mas também não deve julgar-se de ânimo leve. Tudo o que a personagem passou até aqui e o facto de poder muito bem passar por branca, faz com que se reinvente. Mas até que ponto ela o consegue? Pode apagar-se assim o passado? Até que ponto se consegue edificar uma vida, um seio familiar feliz com uma vida edificada em mentiras? É o que vos convido a tentar responder com a leitura deste livro de que é tão fácil gostar e tão difícil esquecer!

Adichie, Chimamanda Ngozi (2009). A Coisa À Volta do Teu Pescoço. Alfragide: Publicações Dom Quixote.

Nº de páginas: 224

Tradução: Ana Saldanha

Início da leitura: 04/10/2021

Fim da leitura: 07/10/2021

SINOPSE

Depois de Meio Sol Amarelo (Orange Prize 2007) e A Cor do Hibisco (Commonwealth Writers’ Prize 2005), Chimamanda Ngozi Adichie regressa com doze histórias protagonizadas por heroínas memoráveis. Divididas entre dois continentes - África e América -, estas mulheres lutam por um lugar e uma identidade no mundo moderno, mas também pela preservação dos valores da sua cultura de origem. Quer vivam no inferno de um país como a Nigéria ou num subúrbio aparentemente calmo dos Estados Unidos, elas não têm uma vida fácil. As ameaças que enfrentam podem ter origem na guerrilha ou no funcionamento de um forno microondas mas os seus dilemas contêm toda a história de um continente.

OPINIÃO

Este é um livro de contos e, em cada conto, as personagens destacam-se pelo seu caráter. São histórias de dois continentes, África e América, que nos mostram que, em qualquer dos continentes, há vítimas de injustiças e de discriminação. Estas são personagens que demonstram bem todas as humilhações, o sofrimento, as dificuldades de integração, a solidão e o abandono que marcaram as suas vidas.

A forma como Adichie escreve é, apesar de direta e dura, quase poética. E, ainda que não seja um livro de fácil leitura, é um livro que nos prende a cada história e que nos deixa com água na boca cada vez que termina uma e começa outra, pois queríamos mais. Cada uma destas personagens dava um romance, tal a riqueza da narrativa, a força da verosimilhança com a própria realidade, que choca, precisamente porque se sabe real. É um livro para refletir!

Recomendo a leitura.

Bradbury, Ray (2003). Fahrenheit 451. Porto: Colecção Mil Folhas.



Tradução: Mário Henrique Leiria

Nº de páginas: 162

Início da leitura: 03/10/2021

Fim da leitura: 03/10/2021

SINOPSE

O sistema era simples. Toda a gente compreendia. Os livros deviam ser queimados, juntamente com as casas onde estavam escondidos...

Guy Montag era um bombeiro cuja tarefa consistia em atear fogos, e gostava do seu trabalho. Era bombeiro há dez anos e nunca questionara o prazer das corridas à meia-noite nem a alegria de ver páginas consumidas pelas chamas... Nunca questionara nada até conhecer uma rapariga de dezassete anos que lhe falou de um passado em que as pessoas não tinham medo. E depois conheceu um professor que lhe falou de um futuro em que as pessoas podiam pensar. E Guy Montag apercebeu-se subitamente daquilo que tinha de fazer...

De implicações assustadoras, a forma como reconhecemos o nosso mundo naquele que é retratado em Fahrenheit 451 é impressionante.

OPINIÃO

Esta é uma distopia desconcertante e que devia ser lida por todos, em especial pelos mais jovens, pelo facto de levantar muitas questões atuais e pertinentes.

O mundo surge comandado por um governo com leis muito peculiares, que mudam a forma de agir, de pensar e de viver da sociedade. As pessoas são comandadas pela televisão, são-lhes apresentadas as ideias de forma normativa e não é instigado o pensamento, a reflexão, pois esse pode corromper as pessoas. Estas submetem-se a um processo de anulação, tornando-se todas iguais, cinzentas, como robôs desinteressantes, sendo que até a sua felicidade é pura fachada. Num mundo assim, como é evidente, os livros não podem existir, porque os livros suscitam dúvidas, criam pensamentos, levantam problemáticas. Os livros tornam as pessoas livres para pensar, questionar, duvidar e ser.

Os bombeiros, neste novo mundo, não apagam fogos. Muito pelo contrário, provocam incêndios, queimando os livros (e até as casas e as pessoas abolicionistas do sistema).

Há, porém, um bombeiro, Montag, que, confrontado por uma jovem com a questão “És feliz?”, fica incomodado, a ponderar se não estarão a tornar-se fantoches sociais, sem vida própria, completamente vazios, ao ponto de se tentarem suicidar (como a sua esposa), de as conversas girarem em torno de ideias feitas e pré-concebidas, de  considerarem a velocidade um anti-stress, de viverem numa aparência que esconde o medo que lhes perpassa sempre que alguma regra seja quebrada ou posta em causa.

Será Montag capaz de salvar os seus livros? Haverá outra forma de salvar os livros? O autor encontrou essa outra forma, de uma maneira também muito criativa. Leiam! Não se vão arrepender! Grande livro!  

Kidd, Sue Monk (2015). A Invenção das Asas. S. Pedro do Estoril: Chá das Cinco.

Nº de páginas: 416

Tradutora: Fernanda Semedo

Início da leitura: 30/09/2021

Fim da leitura: 02/10/2021

SINOPSE

Hetty, uma escrava do início do século XIX, sonha com uma vida para lá das paredes sufocantes da opulenta mansão Grimké.

Sarah, a filha dos Grimké, desde cedo que quer fazer algo pelo mundo, mas é sufocada pelos limites rígidos impostos às mulheres.

Tudo tem início quando Sarah faz onze anos e lhe dão Hetty, um ano mais nova, para ser sua aia. Nas décadas seguintes, cada uma à sua maneira, as jovens lutam por liberdade e independência. Moldando o destino uma da outra, vivem uma intensa relação de amizade marcada pela culpa, rebeldia, separação, os caminhos ínvios do amor e também pelo nascimento do movimento abolicionista que mudará as suas vidas para sempre. Será que a religião, a sociedade e a família podem enfrentar os sonhos de duas jovens?

Inspirada pela figura histórica de Sarah Grimké, Sue Monk Kidd transcende o registo histórico para nos oferecer um testemunho deslumbrante e poderoso da luta das mulheres e dos escravos em nome da liberdade. A Invenção das Asas é um triunfo da arte de contar histórias, abordando um tema sensível e atual, de uma forma honesta e poética.

OPINIÃO

Este é o segundo livro que leio da autora e, mais uma vez, não me desiludiu. Gosto da forma como escreve, pois consegue imprimir uma certa doçura a uma história de vida dura e que mexe intimamente com o leitor.

Partindo de acontecimentos históricos reais, que envolveram uma grande pesquisa por parte da autora, esta consegue transformá-los, ficcioná-los, de uma forma impressionante.

Inspirou-se na vida das irmãs Sarah e Angelina Grimké, apresentando-as como personagens admiráveis, uma vez que nasceram e foram criadas no seio de uma família aristocrata, que tinha e torturava os seus escravos e, ainda assim, lutaram, de forma bastante interventiva, contra a escravatura, a igualdade de género, o ostracismo, os valores proclamados pela Igreja, enfrentando e afrontando toda uma sociedade fechada no seu egoísmo, censura, hostilidade e violência.

Apesar de ficcionar a história destas grandes mulheres, a autora permaneceu fiel aos princípios por que elas se debateram.

Sentiu, porém, necessidade, de recriar a outra parte: a dos escravos. E fê-lo de forma sublime. Handful e a mãe são personagens que nos marcam. A colcha feita pela Charlotte, mauma de Handful, retrata toda a sua vida. Cada quadrado corresponde a um momento da sua vida. A ideia da colcha foi inspirada nas colchas de uma escrava que usou a técnica da aplicação africana para contar histórias.

Poderia dizer muito mais sobre este magnífico livro, mas não quero desvendar mais para vos permitir o mesmo prazer que eu tive ao ler este livro.

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Sobre mim

Professora de português e professora bibliotecária, apaixonada pela leitura e pela escrita. Preza a família, a amizade, a sinceridade e a paz. Ama a natureza e aprecia as pequenas belezas com que ela nos presenteia todos os dias.

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O nosso Hulk (saudades)

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