Histórias Soltas Presas Dentro de Mim

Backman, Fredrik (2020). Um Homem Chamado Ove. Lisboa: Editorial Presença.

Nº de páginas:312

Início da leitura: 24/05/2021

Fim da leitura: 29/05/2021

Um Homem chamado Ove, de Fredrik Backman, traduzido por Alberto Gomes, é mais um livro muito ao estilo deste autor, que tem o dom das palavras e uma grande dose de humor e criatividade. Um livro simples em termos de linguagem, que serve para descontrair após leituras “mais fortes”. Contudo, desengane-se se pensa que este livro se esgota no humor que passa ao leitor. A temática abordada é delicada - o suicídio - a perda do sentido da vida e o desejo de abandonar tudo e deixar de viver.

Contudo, a história não se esgota por aqui. Ove é um homem que nos cativa, pois, apesar do constante mau humor, tem um bom coração e, ainda que não o dê propriamente logo a entender, preocupa-se com o próximo.

Ove é um homem de meia idade, cuja vida é feita de rotinas e que sente prazer em manter a ordem e o bem-estar do bairro onde vive. Vistoria, todas as manhãs, a ordem o cumprimento de regras e a segurança do bairro. Certifica-se de que não houve ladrões a tentar assaltar alguém, de que os caixotes do lixo estão impecáveis, de que os condutores respeitam as regras de circulação e de proibição. Conduz um Saab…

Sendo um homem de hábitos, houve duas situações que vieram alterar as suas rotinas e que, consequentemente, o fizeram pôr em causa a sua razão de viver: a mulher, Sonja, morreu, com cancro e ele está em vias de perder o emprego, com uma proposta de reforma antecipada, por não se adaptar à exigência das novas tecnologias.

Toma, então, a decisão de morrer. Veste o seu melhor fato. Porém, várias são as circunstâncias que o vão impedindo de pôr termo à vida. De entre essas circunstâncias, estão os novos vizinhos, especialmente a nova vizinha e as suas filhas. Também o gato, os amigos improváveis e uma série de acontecimentos vão atrasando a sua decisão. Será a amizade capaz de o fazer superar os traumas e ganhar novo sentido pela vida?

Apesar de ser um rezingão, tem bom coração, é trabalhador, um homem de princípios, que vive numa profunda solidão.

É impossível não nos deixarmos cativar e comover com as personagens deste livro, em especial com o Ove.

Aconselho sem reservas!

5*

Agualusa, José Eduardo (2006). O Vendedor de Passados. Lisboa: Publicações Dom Quixote.

Nº de páginas: 231

Início da leitura: 23/05/2021

Fim da leitura: 23/05/2021

O Vendedor de Passados é um livro escrito por José Eduardo Agualusa e é muito peculiar. Fazendo lembrar uma fábula, a história chega-nos através de uma osga, o Eulálio, que se sentia ignorada por Félix Ventura até ao dia em que ele a ouviu rir. A partir daí, Félix passa a chegar mais cedo a casa e a conversar com ela, pelo que ela chega a pensar que já se sentem ligados por “um fio de amizade”. Além de testemunha, confidente, esta é uma osga com sonhos e emoções.

Félix, um negro albino, residente em Luanda, apresenta-se, normalmente, como um genealogista, mas o que ele realmente faz é vender passados que lhe encomendam, sendo uma espécie de traficante de memórias, um negócio secreto com que lucravam ambas as partes. Ele, que as vendia, e quem lhas comprava também, uma vez que passava a ter um passado com ilustres ancestrais, uma árvore genealógica, até com fotografias dos avós e bisavós. Compravam um passado decente, uma família numerosa, mostrando-se, às vezes, muito exigentes. Os seus clientes eram, geralmente, empresários políticos, generais, pessoas importantes da emergente burguesia angolana.

Esta construção de passados é, para Félix, de certa forma, fácil, uma vez que possui uma vasta biblioteca, herdada pelo pai, que era alfarrabista. O seu interesse pelos livros, pelas histórias, a pesquisa que efetua, permitem-lhe criar árvores genealógicas verosímeis.

Um livro diferente, bem escrito, revelando um grande sentido de humor por parte do escritor, uma imensa criatividade. O final também é surpreendente.

Não é um livro fácil, mas é um livro que nos faz pensar. Até que ponto pode ir a manipulação da memória? Só seremos alguém se tivermos um passado brilhante? Até que ponto não seremos todos nós criadores de passados? Ao recordarmos o passado, não o fazemos de forma pessoal, recriando e ficcionando acontecimentos de acordo com os nossos desejos? Não escrevemos todos nós o nosso passado? Até que ponto, a guerra e a perda de alguma identidade esteve na origem desta necessidade de recriar passados, sem manchas de sangue, de guerra, de opressão?

Aconselho a leitura!

Coben, Harlan (2019). Não Desistas. Lisboa: Editorial Presença

Nº de páginas: 288

Início de leitura: 22/05/2021

Fim da leitura: 22/05/2021

Não Desistas é um policial escrito por Harlan Coben e traduzido por Marta Mendonça.

É um livro que cativa desde o início, revelando um grande sentido de humor, uma linguagem bastante acessível e, diria mesmo, cinematográfica, pelo seu ritmo acelerado, sem momentos mortos, em que estamos permanentemente ansiosos por saber o que vem a seguir. É, com efeito, um livro que se lê num ápice, apesar da letra pequena (o que as editoras poderiam evitar).

Só para terem uma ideia deste sentido de humor passo a citar a frase que dá abertura ao livro: “Daisy usava um vestido preto muito justo e com um decote tão profundo que quase estaria habilitado para dar aulas de Filosofia.”

A história tem início com Dale Miller, num café, a próxima vítima de uma burla levada a cabo por Daisy e Rex, que, a pedido de um elemento de casais em divórcio, para ficarem com a custódia dos filhos, solicitavam os seus serviços. Daisy só tinha de seduzir a vítima, fazê-lo beber o máximo que podia e depois pedir-lhe que a levasse a casa. Rex, que era polícia, faria uma operação stop, na qual multava e prendia o condutor que acompanhava Daisy por excesso de álcool. Já haveria aqui pano para mangas. Mas, desta vez, não corre tudo como o planeado. Rex e Daisy serão surpreendidos pela vítima e mais não digo.

E é a seguir que começa o enredo propriamente dito. Nap é um detetive, que vive em Nova Jérsia e que terá seguido esta profissão com o intuito de descobrir quem, há cerca de 15 anos, assassinou o seu irmão gémeo, Leo, com o qual vai conversando mentalmente, e a namorada do irmão, Diana. Relembra o homicídio, em que ninguém acredita, referindo-se antes ao acontecimento como “suicídio duplo” ou “morte acidental”.

É aqui que esta história se começa a ligar à anterior, uma vez que são encontradas impressões digitais, no carro que fora mandado parar pela polícia, de Maura. Começamos a associar Daisy a Maura, que seriam a mesma pessoa. Maura teria sido namorada de Nap e terá desaparecido desde o trágico “acidente” que vitimou Leo e Diana. Apesar de os pais de Maura não a terem dado como desaparecido, vimos a perceber que foi o próprio Nap quem a deu como desaparecida no Sistema Automático de Identificação de Impressões Digitais. Maura, juntamente com Leo, Diana e outros colegas do secundário, teria feito parte de um Clube da Conspiração, ao qual Nap, na adolescência, não terá dado grande importância, considerando-o inofensivo e infantil. Porém, a certa altura, começa a perceber e a interligar os acontecimentos. Os membros do grupo têm vindo a aparecer mortos. Quem andariam eles a desafiar, na juventude, o que teriam eles descoberto que pudesse levar alguém a querer livrar-se deles.

Vale a pena acompanhar o percurso desta investigação, uma vez que é sempre surpreendente, até ao fim, mantendo o suspense até se descobrir toda a verdade.

Deixo apenas mais uma passagem para terem uma pequena noção do sentido de humor que perpassa neste livro:

“ – Quer fazer uma luta de orelhas comigo?

- Uma quê?

- O seu mano – faço sinal com a cabeça na direção do Polícia Dois – vai-se embora. Trancamos a porta. Pousamos as armas. Um de nós sai deste quarto com a orelha do outro na boca. Que me diz?

Aproximo-me dele e simulo uma dentada.” 

Glaiter, Seni (2019). O Senhor Doubler e a Arte de Cultivar Batatas. Cacém: HarperCollins.

Nº de páginas – 384

Início da leitura: 21/05/2021

Fim da leitura: 22/05/2021

O Senhor Doubler e a Arte de Cultivar Batatas é um livro escrito pela autora inglesa Seni Glaister e traduzido por Ana Filipa Velosa.

Como falar deste livro? Pela capa e título, não fazia ideia do conteúdo abordado. Mas o certo é que, talvez por ser diferente, vi-me curiosa perante o conteúdo. E devo dizer que superou as minhas expetativas.

Com magia, ironia, verdade e sentido de humor, este livro aborda temáticas importantíssimas, que muitas vezes desvalorizamos ou evitamos pensar. De entre estas temáticas, destaco a velhice, a capacidade de amar na velhice, o menosprezo dos filhos que tomam decisões em função dos seus interesses, o cancro, a vida e a morte, Deus, o altruísmo, as convicções, os sonhos, os propósitos…

É impossível ler este livro sem refletir, sem nos colocarmos questões como: a velhice será em si um fim? Serão os filhos um reflexo da educação que receberam ou podem ser simplesmente maus, geneticamente maus? Até que ponto algumas atitudes inadequadas do ser humano nos permitem julgá-lo e condená-lo? O que existe por detrás de alguns comportamentos e formas de vida? Não ignoraremos o que nos rodeia, por ser mais fácil assim e porque observar e intervir dá trabalho? Até que ponto nos poderemos aprisionar dentro de nós mesmos e deixar de ver o que nos rodeia? Será uma pessoa louca pelo facto de as outras a considerarem louca?

Não, não é um livro de autoajuda, tem enredo, tem personagens às quais depressa nos afeiçoamos, outras que nos chocam pelas suas atitudes e pelo facto de parecer que as conhecemos do nosso dia a dia.

É um livro completo. Não tem momentos mortos. Há, isso sim, tempo para refletir, tempo para viver e é impossível não nos comovermos, não darmos uma boa gargalhada. São livros assim que nos deixam com uma autêntica ressaca literária. O que ler a seguir? Como entrar agora noutra história?

Claro, como já se devem ter apercebido, adorei!

“…as nossas lembranças raramente coincidem. Os factos são os mesmos, mas a forma de retê-los depende muito do nosso estado de espírito naquele momento e do uso que damos a essas lembranças…” (pp. 282-283)

 Dalton, Trent (2019). O Rapaz que Conquistou o Mundo. Madrid: HarperCollins.

 

Nº de páginas: 480

Início da Leitura: 10/05

Fim da Leitura: 19/05

O Rapaz que Conquistou o Mundo é um romance escrito por Trent Dalton, autor australiano, e traduzido por Fátima Tomás da Silva.

Este é um livro que fala de situações cruéis que existem e que, muitas vezes, preferimos ignorar ou nem pensar, para não nos magoarem. Há assuntos tabu, que são autênticas bofetadas, mas depois…depois há um carinho que perpassa e que dói pelo contexto em que acontece.

Eli Bell, o narrador da história, tem apenas 12 anos e, em 1980, vive nos subúrbios de Brisbane com a família, destacando-se a mãe, Frances, o padrasto, Lyle e o irmão August, tratado por Gus, que não fala (mais tarde, ficamos a saber o motivo, que traumas o terão deixado assim). A mãe consome drogas, o padrasto é traficante e Eli quer apenas vir a ser uma boa pessoa, tornar-se num jornalista de renome. Conseguirá Eli não se deixar contaminar por toda a podridão que o envolve?

Eli é uma criança que, apesar de crescer neste ambiente, tem em si muito amor e sentido de proteção em relação à família. Protege a mãe, por quem sente um amor incondicional; quer acreditar que Lyle, no fundo, é um homem bom e está disposto a fazer tudo para o agradar. No que se refere ao irmão, há entre eles uma relação muito bonita, um entendimento e um amor que transparece e Eli entende o irmão, mesmo que este fale por gestos, desenhando palavras nos ar. Eli capta o sentido de todas! E esta relação entre os dois irmãos é uma relação que comove, pois está acima de tudo o que de mau lhes vai acontecendo nas suas vidas tão jovens.

São crianças que crescem num ambiente muito duro, de tráfico de droga, de impropérios que se tornaram vulgares, de violência e que, mesmo assim, têm em si um amor que vai resistindo e os vai ajudando a viver.

Quando é desmantelada esta rede de tráfico, Eli e Gus sentem o seu mundo desmoronar e veem-se obrigados a ir viver com o pai, um homem bêbado e deprimido.

É uma história dura, infelizmente mais realista do que gostaria (apesar de ser ficcionada).

Um livro a ler!

Martínez, Agustin (2018). Monteperdido, A vila das meninas desaparecidas. Carnaxide: Suma das Letras.

Nº de páginas: 464

Início da leitura: 11/05/2021

Fim da leitura: 17/05/2021

Monteperdido é um livro escrito por Agustin Martínez, nascido em Espanha e traduzido por Gonçalo Neves. É um thriller psicológico, cuja ação se desenrola numa vila situada nos Pirenéus.

Tudo decorria tranquilamente, até ao dia em que, após um comum dia de escola, Ana e Lucía, duas jovens de 12 anos, em vez de regressarem como habitualmente a suas casas, desapareceram.

Acontece que, cinco anos depois, ocorre um acidente, no qual morre o condutor e uma jovem fica gravemente ferida. Quando reconhecem a rapariga como Ana, uma das raparigas desaparecidas, os inspetores responsáveis pelos seus processos, reaberto o caso, Sara Campos e Santiago Bain, questionam-se e dão início a uma investigação exaustiva, uma vez que ainda haverá a possibilidade de encontrarem Lucía com vida.

Ao longo da narrativa vão-se intercalando momentos presentes com momentos passados. Monteperdido é um local fechado e repleto de segredos, não sendo fácil tentar, num sítio destes, descobrir o que, de facto aconteceu. Mas cinco anos é muito tempo, muitas coisas mudaram, muitas relações pessoais alteraram e os próprios pais de Ana, agora divorciados, já não são os mesmos.

O espaço onde a ação se desenrola é magnífico, capta pelo mistério envolvente, o ambiente sombrio e os animais que adquirem grande simbolismo na narrativa.

Apesar de considerar que é uma boa história, penso que peca pelo excesso de informação, pela morosidade da narrativa, que poderia, muito bem, contar com menos páginas.

Considero que é um livro bem escrito, sem ser excecional, mas que vale a pena ser lido.

Schulman, Alex (2021). Sobreviventes. Porto: Porto Editora.


Nº de páginas: 224

Início da leitura: 07/05/2021

Fim da leitura: 09/05/2021

Sobreviventes é um livro escrito pelo escritor e jornalista sueco Alex Schulman e traduzido por João Reis. Posso afirmar que é daqueles livros que nos prendem logo à primeira página, envolvendo-nos de tal forma que seríamos capazes de o ler sem interrupções, se assim pudéssemos e tivéssemos tempo. A própria forma como a intriga está estruturada, alternando momentos passados, em que os protagonistas eram ainda crianças e o momento presente, em que, como adultos, regressam à casa de campo onde foram criados, para sepultar a mãe. Os verdadeiros acontecimentos decorreram na infância e são eles que explicam as personagens que se nos apresentam no momento presente, especialmente um acidente que os mudou para sempre, que explicam o seu caráter, os seus traumas, os seus medos, as suas ousadias, as suas raivas e as suas frustrações. Em todo o percurso de leitura, sentimos que nada sabemos e, quando, enquanto leitores, nos julgamos detentores da história, eis que ela se reconstitui seguindo um percurso inesperado. Talvez, por isso mesmo, nos mantenha presos, de coração apertadinho, a bater numa pulsação de ansiedade em conhecer o resto da história.

Sem dúvida, que até o título foi bem escolhido. Sobreviveram aos acontecimentos mais atrozes, às rivalidades criadas pelos próprios progenitores, aos momentos de raiva, a tudo o que os tornava diferentes uns dos outros, à indiferença a que foram votados, durante toda a vida, pelos próprios pais. E sobreviveram porque, ainda assim, apesar de todos os acontecimentos e divergências, havia um laço que os unia…

E mais não digo, pois quero que sintam o que senti ao ler este livro!

Há muito que não lia um livro assim, em que nada é supérfluo, em que tudo faz sentido, em que, depois do livro, fica o próprio livro, a residir nos nossos pensamentos. Ainda não sou capaz de o arrumar na estante. Tenho de olhar para ele, virar e revirar, reler o último capítulo…

Spence, Alan (2009). A Terra Pura. Lisboa: Editorial Presença. 

Nº de páginas: 336 
Início da leitura: 02/05/2021
Fim da leitura: 06/05/2021 

A Terra Pura é uma obra escrita por Alan Spence e traduzida por Manuela Madureira, que, apesar de ser ficcional, parte de um fundo histórico, ao inspirar-se na biografia de Thomas Glover, um escocês, que é o protagonista da história narrada (a sua trágica paixão por uma cortesã deu origem à criação da ópera Madame Butterfly, de Puccini). 

Glover é um escocês que decidiu ir trabalhar para Nagasáqui, em 1858, onde se estabeleceu e se deixou cativar pela cultura nipónica e cuja vida se pautou por uma extrema ambição. Para além de ser dotado para os negócios, o seu carácter confiante, comunicativo e ousado, conferiu-lhe sempre algum carisma, que lhe possibilitou uma fácil integração e uma relação com algumas das pessoas mais importantes da sua época. Começou por trabalhar numa empresa chá, mas rapidamente abriu a sua própria empresa, exportando chá. Mas a sua ambição levou-o à venda de ópio, armas, canhões, navios. Inaugurou a primeira locomotiva no Japão. Foi inteligente ao casar-se com Sono do clã Satsuma, que lhe permitiu ampliar o negócio e não ser visto como estrangeiro. Glover foi um apoiante do período Meiji japonês, pelo seu desejo de abrir o Japão ao Ocidente. Depois de falir, terá desenvolvido a mina de carvão Takashima, revelando-se como uma figura preponderante na industrialização do Japão fundador de uma empresa naval que, mais tarde se tornou na Mitsubishi do Japão. E não foi só a nível profissional que se salientou. A sua vida amorosa foi igualmente tumultuosa. Teve três filhos de três mulheres diferentes. 

É um livro interessante pelos factos reais em que é baseado relativamente a Thomas Glover e à própria história do Japão. Porém, não achei extraordinário, talvez por não ter conseguido criar empatia com o protagonista. Nem sempre a ambição é positiva, talvez esse seja um dos fatores para não me ter identificado de todo com Thomas Glover.

 


Cruz, Afonso; Carvalho, Ana Margarida; Ferraz, Carlos Vale-, Carvalho, Cristina; Beja, Filomena Marona; Fanha, José; Real, Miguel; Camarneiro, Nuno; Carvalho, Sérgio Luís de (2016). Uma Terra Prometida. Lisboa: Zero a Oito.

Nº de páginas: 192

Início da leitura: 30/04/2021

Fim da leitura: 01/05/2021

Este é um livro que resulta de um desafio lançado a José Fanha para escrever sobre um determinado tema atual e motivador, escolhendo para tal vários escritores e foi assim que nasceu esta obra, que integrou o Plano Nacional de Leitura do 3º Ciclo do Ensino Básico.

Gostei muito dos contos, sendo que o que menos me cativou foi o do Carlos Vale Ferraz.

Destaco, de entre todos, igualmente bons, os que mais me cativaram, falando um pouco sobre eles.

“Déjeneur sur l’Herbe com Alguém a Afogar-se” é um conto de Afonso Cruz, que nos fala de uma família que vai fazer um piquenique no campo. Enquanto comem, veem alguém no rio a afogar-se. Não percebem se se trata de um homem, uma mulher ou até de uma mulher com um filho nos braços. Ainda assim, continuam a comer calmamente. Quando fazem uma caminhada, voltam a ver a imagem do outro lado do rio e percebem que está aflito. Parece-lhes que está a acenar. A mãe acena de volta, mas ignora, uma vez que “não conhecia aquela gente de lado nenhum”, podiam ser “pessoas desinteressantes ou aborrecidas ou até delinquentes…”. Pode, ainda, ser “um pobre”. A filha atira um brigadeiro que nem chega lá e o filho continua a ler e a comover-se com a sua leitura, no regresso para casa. Um conto pequeno mas tão completo! A forma de escrita de Afonso Cruz é absolutamente extraordinária. Consegue, com algum humor (negro) e muita ironia colocar num conto tudo quanto sofrem os refugiados, esta indiferença de que são alvo, por parte de pessoas que se comovem com ficção, mas que se mantêm no seu mundinho, impávidas e serenas perante o sofrimento alheio. Muito bom.

No conto “O meu Prédio” de Cristina Carvalho saliento a mensagem e a forma como está escrito. O narrador é um jovem de 11 anos, cuja família, apesar de pobre, manteve-se sempre unida e nunca lhes faltou comida na mesa, até a guerra lhes levar tudo. No dia em que a mãe resolve fazer um bolo, rebenta uma bomba nos prédios ao lado, que deixará na memória deste jovem, quando sente o cheiro de bolos, uma náusea e uma sensação de “tristeza infinita”. E passo a citar algumas passagens de entre tantas que me comoveram: “A guerra estava ali a estalar na avenida, a lamber os prédios, a galgar passeios e rotinas, a dizimar as vidas de tanta gente”. “Eu sei o que é ter fome, isso sei! É uma sensação escarlate, esta sensação de fome. Começo por ter dores de estômago, que vão descendo e passam a ser cólicas na barriga. Depois vem um formigueiro intenso na ponta dos meus dedos, quero levar as mãos à cabeça, levantar os braços e não consigo. Não tenho forças”. Conseguem partir para as ilhas Féroe, na Dinamarca, mas nem todos conseguem lá chegar e é este narrador, de onze anos que refere: “Se me lembro dos meus pais e dos meus irmãos? Lembro-me, sim. Vejo-os a boiar, inchados, já muito perto da praia. Eu tive sorte.”

Em “Europa! Europa!”, de Miguel Real, é-nos contada a viagem de barco de Muhammad, Mirian e a sua bebé. A criança, fruto da violação de Mirian em Missnana, não é aceite pelo marido, que considera que a deviam ter abandonado na mesquita, pois constituía só mais um fardo. Agora, ali, enfrentando a apinhada embarcação uma forte ondulação, Mirian confessa que ouvira dizer que os passadores lançavam pessoas ao mar, caso a ondulação piorasse. Muhammad tenta convencer Mirian de que a bebé só causará problemas, está doente, cheia de febre e eles não terão dinheiro para as despesas dos médicos. Acaba por sugerir-lhe que a lance ao mar. Mas, Mirian não larga a filha. Até que lhes parece avistar a Europa. Será?

Aconselho a leitura deste livro!

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Sobre mim

Professora de português e professora bibliotecária, apaixonada pela leitura e pela escrita. Preza a família, a amizade, a sinceridade e a paz. Ama a natureza e aprecia as pequenas belezas com que ela nos presenteia todos os dias.

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O nosso Hulk (saudades)

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O nosso cãozinho, o Dragão (saudades)

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O meu mais que tudo e eu

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O meu filho mais novo

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O meu filho mais velho

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