FERRANTE, Helena (2005). Um Estranho Amor. Lisboa: Publicações Dom Quixote
Um Estranho Amor, de Elena Ferrante, traduzido por
Maria do Carmo Abreu, é um livro inquietante, ao abordar de uma forma
completamente invulgar e inesperada a relação entre mãe e filha. Esperamos
sempre que esta seja uma relação de amor, de dádiva, de confiança e até de admiração.
Mas não é o que acontece neste livro.
Tudo começa quando Delia, aos 45 anos, perde a mãe,
Amalia, encontrada morta numa praia em circunstâncias suspeitas, vestindo
apenas um caro e refinado sutiã, que não era, de todo, o estilo de roupa que
usava habitualmente. Delia regressara à terra natal, Nápoles, para enterrar a
mãe. Sente-se estranhamente aliviada com a morte da mãe. Ao regressar, vê-se
confrontada com fantasmas do passado, dessa relação mãe-filha tão fora do
comum. Quer também perceber a trágica morte. Espera, com as respostas sobre as
circunstâncias dessa morte, encontrar respostas para se compreender a si mesma.
Reencontra personagens que faziam parte da história da sua mãe: Caserta, o
atual namorado de Amália, uma paixão antiga que Transtornou a relação dela com
o pai de Delia no início da vida familiar; vamos ter também o pai, ciumento e
agressivo, que fazia pinturas de mulheres nuas para vender, todas inspiradas na
esposa, mas que maltratava muito Amália, e, mesmo após mais de 20 anos separados,
continuava a assombrar a vida dessa velha costureira; e, finalmente, seremos
apresentados ao irmão de Amália, conhecido por lançar insultos indiferentemente
a toda a gente, com temperamento e comportamento totalmente excêntricos.
Apesar de ser um romance breve, de apenas 175
páginas, a história é bastante densa, o que faz com que a leitura seja mais
lenta, para não se perder nenhum pormenor, pois toda a informação é relevante
para a compreensão da história.
Este passado a que Delia regressa esteve na
origem da mulher em que ela se tornou.
Amalia não foi, com certeza, uma simples costureira
e, quando o possessivo marido não estava, ela ria de forma despropositava,
portava-se de forma inadequada para a sociedade da época, aproximava-se de
homens de índole igualmente duvidosa… De certa forma, percebe-se que esta
mulher renunciou à sua maneira de ser, à sua felicidade, pela família. Só em
breves momentos, era ela própria. Delia terá assistido a tudo isto e teve
sempre o desejo de não ser como a mãe. Mas, no fundo, via-se como a mãe,
chegando a afirmar, quando desenha o caracol que a mãe tinha na testa na sua
foto do bilhete de identidade: “Eu sou a Amalia”.
Célia Gil
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