Histórias Soltas Presas Dentro de Mim

Ochoa, Raquel (2012). Sem Fim À Vista. Ponta Delgada: Letras Lavadas Edições.


Sem Fim à Vista é um romance de Viagens de Raquel Ochoa. Não é, porém, um simples livro de viagens. O protagonista é uma pessoa doente e as viagens dividem-se de acordo com os seus órgãos doentes: na Veia Cava Superior, a ação inicia-se em Singapura, passa pela Malásia, Indonésia e termina na Austrália. Já na Aorta, temos várias localidades da Nova Zelândia. No ventrículo Direito, Hong Kong; no Ventrículo Esquerdo, Sri Lanka e Japão e no Tronco Pulmonar, regresso aos Açores, São Miguel, terra do protagonista.
É um livro que não se quer parar de ler, porque cada viagem, para além de nos levar a sítios bastante diferentes, é também uma viagem interior, de conhecimento, aprendizagem e crescimento. A cada viagem, apetece-nos largar tudo e acompanhar a personagem na apreciação dos lugares, das pessoas, dos paladares…
O protagonista, Vítor Vidampla, é um açoriano com um historial clínico complicado. Um empresário de sucesso, responsável por fazer vingar um negócio de família, sujeito ao stresse da sua profissão, que passa os dias a trabalhar, sem viver realmente a vida. Quando se vê obrigado a um transplante de coração, a uma medicação severa e a uma esperança de vida limitada, é quando pondera realmente começar a viver. Decide, contra todas as indicações médicas, viajar sozinho e ir até à Nova Zelândia assistir à final do mundial de rugby. Sempre limitado pela doença, tudo é feito muito devagar, consoante as suas capacidades e condição física debilitada. Mas esse vagar tem as suas vantagens, pois permite-lhe apreciar cada lugar, cada pessoa que conhece e cada momento nesta viagem é uma vitória. À medida que a viagem decorre, Vidampla vai-se esquecendo das dores, vai deixando de precisar da medicação e sente-se finalmente livre de todas as suas angústias. De entre as pessoas que conhece nas suas viagens, destaca-se a alucinada Helana, uma força da natureza, que o incita a prosseguir a viagem para o Japão, onde se encontrará com ela.
Podem nem ser reais estas viagens, pode até Vidampla estar apenas em coma, mas esta viagem cumpre os objetivos a que se propôs, desperta Vidampla para a vida.
A forma como Raquel Ochoa escreve prende-nos à narrativa, pois à ação constante se alia uma poeticidade repleta de frases que ficam. Passo a citar algumas das que mais gostei:

"O vento chega e modifica, não deixa a praia igual. Assim são as viagens."

"Nunca imaginamos o que está por detrás dos olhos de uma pessoa."

"Em todas as grandes viagens chega um momento de ruptura, em que o passado passa a ser o passado e o futuro um mar de promessas. É neste ponto que o viajante sente, de modo abrupto e precipitado, que não voltará a ser o mesmo. Partem-se pratos num chão de mármore que ninguém ouve, ninguém compreende. É subtil. Uma aragem. "

"De vez em quando um desafio é necessário para nos testarmos, cria uma sinergia para as habilidades da mente e alma.”

"Estive drogado com a minha vida."

"O dia mais importante de uma relação não é o dia em que conhecemos a cara-metade, mas o dia em que essa pessoa passa a existir dentro de nós."

"Hoje sou a pessoa mais calma do mundo. Hoje sim, por todas as inúmeras vezes que ao longo da vida já perdera a cabeça. O desgaste vem da consciência de que se perdeu a razão, é um dos mais debilitantes estados, porque os nervos impedem a aparição de quaisquer argumentos. Como se os houvesse. No fundo, todos os que são muito competentes têm dificuldade em aceitar erros crassos e comportamentos preguiçosos."

"As montanhas foram a maior criação de Deus, não foi a mulher, muito menos o homem. No dia em que as criou estava inspirado. Deus pôs todo o seu esforço nas montanhas e depois o Homem foi só para criar alguém que as pudesse apreciar. Deus só criou os homens para contemplarem as montanhas. E o mar? O mar é outra história. O mar serve para separar e ligar. O mar é veículo. As montanhas são imóveis, intransponíveis. Um monumento. Tal como o mar, são inclementes, mas o mar limpa o homem, as montanhas levantam-no."

Célia Gil


Agualusa, José Eduardo (2012). Teoria Geral do Esquecimento. Alfragide: Publicações Dom Quixote.        

Teoria Geral do Esquecimento é um romance de José Eduardo Agualusa, que nos abana e nos deixa a “matutar”. Uma prosa que, apesar de retratar um assunto sério e dramático, nos chega numa linguagem repleta de ritmo, vivacidade e melodia, uma poesia "chapada", crua, mas, ao mesmo tempo, de uma sensibilidade inigualável.
As histórias que integram este livro, aparentemente sem correlação, estão intimamente ligadas numa laboriosa intriga. E o que parece confuso, acaba por fazer muito sentido.
Tudo se passa num contexto histórico real, em Luanda de 1975, dias antes da independência, depois de 500 anos de colonização, à qual não se seguiu a paz, mas uma guerra civil que perduraria por muitos anos.
É neste contexto que conhecemos Ludovina, apelidada de Ludo, uma portuguesa que terá ido morar para Luanda com a irmã e o cunhado. Quando estes fogem para Portugal, Ludo fica sozinha e apavorada. Resolve então construir uma parede na porta do seu apartamento, que a isolaria do mundo e evitar que a sua casa seja invadida. Fica prisioneira na sua própria casa, durante mais de 30 anos, em que, e passo a citar “Os dias deslizam como se fossem líquidos”, enquanto lá fora continuava a guerra. Com ela tem apenas o seu cão, o Fantasma, uma grande biblioteca e um terraço onde cultiva para sobreviver ou apanha pombos para comer.
Mas neste isolamento há acontecimentos externos que lhe entrarão pelo terraço e pela vida adentro: um pombo com uma mensagem de amor, um macaco, um ladrão…Será que Ludo é resgatada desta solidão em que se enclausurou? Será ela capaz de regressar ao mundo, depois de uma vida fechada naquele apartamento? Muito provavelmente, nem estaria sozinha no mundo…
Este autoemparedamento de Ludo, esta guerra íntima, constitui uma intensa metáfora, de um país preso nas suas próprias paredes de uma guerra civil interminável e que nunca o deixou ser totalmente livre e ver o mundo para além de um cano de uma espingarda. Uma parábola sobre a sobrevivência e o medo, repleta de frases que ficam. E passo a citar:

“Sinto medo do que está para além das janelas, do ar que entra às golfadas, e dos ruídos que traz. (…) Sou estrangeira de tudo, como uma ave caída na correnteza de um rio.”
“No pátio, onde surgiu a lagoa, existe uma árvore enorme. Descobri, consultando na biblioteca um livro sobre flora angolana, que se trata de uma mulemba. Em Angola é considerada a árvore real, ou árvore da palavra, porque os sobas e os seus makotas se costumavam reunir à sombra delas para discutir os problemas da tribo.”

                                                                                                    Célia Gil


Suárez, Karla (2017). Um Lugar Chamado Angola. Porto: Porto Editora


Um Lugar Chamado Angola é um livro escrito por Karla Suárez de Havana, que recebeu os prémios Prix Carbé de la Caribe e Grand Prix du Livre Insulaire, em França. É coordenadora do clube de leitura do Instituto Cervantes e professora de escrita criativa na Escola de Escritores de Madrid. Foi traduzido por Helena Pitta.

Este livro conta-nos a história de Ernesto, de apenas 12 anos, filho de um herói da pátria cubana, que morreu na guerra em Angola. Esse episódio marca a sua vida para sempre. Como o pai lhe dissera que um homem não chora, conteve a dor no seu peito, vê-se consumido por este passado ao longo da vida. Trinta anos após a morte do pai, em Lisboa, Ernesto conhece um homem, Berto, também ele cubano e ex-combatente na mesma época e no mesmo cenário do pai. Torna-se, pois, importantíssimo para Ernesto que quer compreender o que fora a presença de Cuba em Angola.

Quanto mais investigava e escrevia no seu blogue, mais difícil era para Ernesto compreender o que se passara, com reações e relatos diferentes que ia recebendo. Decide então viajar para Luanda à procura de respostas e reconstruir a morte do pai. Percebe que nem tudo foi como ele imaginara.

Com frases intensas, como e passo a citar “As guerras são um estranho animal mutante, que se espalha, sondando novos territórios à procura de bolsas de oxigénio para sobreviver. África tinha-as, por isso, friamente e devagar, o monstro que mais tarde explodiria, maculando tudo, começou por se instalar aí, e foi abrindo caminho até chegar à nossa porta, à porta da minha própria casa”. Numa linguagem feita de recuos e avanços, Um Lugar Chamado Angola, de Karla Suárez, é o primeiro romance sobre a presença cubana em Angola, e que é a minha sugestão de leitura desta semana. 
                                                                                                                        Célia Gil


Anglada, Maria Àngels. O Violino de Auschwitz. Alfragide: Dom Quixote. 2011.

O Violino de Auschwitz é um livro escrito por Maria Àngels Anglada, uma autora catalã e traduzido por Maria João Teixeira Moreno.

Este livro conta-nos a história de Daniel, um jovem construtor de violinos, recluso numa cela no campo de concentração III de Auschwitz, sujeito a violentos castigos corporais e a falta de alimento.
Certo dia, o comandante do campo encomenda-lhe o arranjo de um violino, acabando por lhe ordenar a construção de um violino “tão bem feito como se de um Stradivarius se tratasse”. Enquanto construía o violino, levavam-lhe outros instrumentos para arranjar, uma vez que os inimigos tinham organizado uma orquestra naquele e noutros campos. No meio de todos os horrores passados, vistos, subentendidos, aquele trabalho foi para Daniel como uma benesse, uma forma de descansar a sua mente e de se esquecer, por alguns momentos, da fome que o consumia. Nem sonha que, se não conseguir realizar a tarefa que lhe foi encomendada, morrerá na maior das agonias a cargo de um “médico” que o faz com muitos outros prisioneiros.
Os capítulos iniciam-se com passagens reais de relatórios ou documentos administrativos dos campos de concentração, deixando clara a forma como os judeus eram encarados, simples números.
Ao longo de toda a história, é evidente o terror de Daniel, que a sua vida vale muito pouco e que a morte é iminente e pode chegar a qualquer momento. À sua volta, a sobrevivência é desumana e os carcereiros impiedosos.
Quanto a mim, a história narrada neste livro de 140 páginas, poderia ter sido mais desenvolvida, dando-nos a conhecer melhor as personagens referidas brevemente e os acontecimentos em si. Apesar disso, a intriga está muito bem escrita, a alternância entre o tempo atual e os tempos vividos no campo de concentração é feita através de analepses muito bem concebidas. A linguagem é poética, quase como o brilhante som de um verdadeiro Stardivarius a ecoar numa primavera que, e passo a citar, “florirá sobre os corpos de milhares de mortos”.


Ruiz Zafón, Carlos - O Príncipe da Neblina. Lisboa: Planeta, 2011. 204 p. ISBN 9789896572198.

O Príncipe da Neblina foi o primeiro livro escrito pelo conceituado Carlos Ruiz Zafón, em 1993, que mereceu no mesmo ano o Prémio Novela Edebé. A edição que li, de 2011, da editora Planeta, foi traduzida por Maria do Carmo Abreu. É um livro que se lê de um só fôlego, pequeno, mas com um constante e crescente mistério, que nos leva a querer sempre ler até chegar ao fim.

É um livro relativamente pequeno, cuja história, no meu entender, poderia ter sido mais desenvolvida.
A família Carver, muda-se para uma aldeia na orla do Atlântico, da costa sul inglesa, com o intuito de fugir da cidade e da guerra, no ano de 1943.
A casa que se erguia a cerca de 50 metros da linha da praia, estava rodeada por um jardim. O Sr. Carver conta à família que a casa tinha sido mandada construir pela família Fleischmann, que ali terá vivido com o seu filho, nascido na casa da praia, Jacob. Com cerca de 7 anos, Jacob morreu afogado, enquanto brincava na praia em frente à casa, em 1936. Em 1938, morreu Fleischmann e a viúva pôs a casa à venda. Assim permaneceu, vazia, durante anos, até ele resolver comprá-la.
A casa precisava de ser recuperada e estava repleta de pó e teias de aranha. Perto da casa, Max, o filho de Carver, de apenas 13 anos, encontra um jardim de estátuas, estranhamente envolto em neblina, que o deixa com calafrios. Mais tarde, na aldeia, trava conhecimento com um jovem, Roland, com quem passa a conviver e que é neto do velho faroleiro. Quando a irmã Irina, ao fugir de uma estranha visão que teve no quarto, cai pelas escadas e entra em coma, os pais ausentam-se com ela no hospital, deixando os filhos Max e Alicia na casa da praia. É aqui que começa uma série de peripécias perturbadoras e misteriosas com uma nova personagem… O Príncipe da Neblina. Só uma pessoa conhecia a história que estava na origem dos acontecimentos presentes, o velho faroleiro. Mas estaria ele disposto a partilhar essas informações e, assim, a pôr em risco a vida de Roland? Roland ou Jacob?
                                                                                                     Célia Gil


Ishiguro, Kazuo (2018). Um Artista do Mundo Flutuante. Lisboa: Gradiva.




Um Artista do Mundo Flutuante do autor Kazuo Ishiguro, traduzido por Rui Pires Cabral, é um romance que decorre no Japão do pós-Segunda Guerra e tem como protagonista o pintor Masuji Ono, que é o narrador desta história.
Masuji Ono relembra que, quinze anos antes, decidira comprar uma casa pelo bem das filhas e das suas perspetivas de casamento. As vendedoras da casa tinham outras propostas e não queriam entregar a casa que o pai construíra a um qualquer. Menos preocupadas com o preço, queriam alguém que estimasse a casa, um comprador adequado. Assim, propuseram a Masuji investigar os seus antecedentes e as suas credenciais, acabando por escolhê-lo para a compra.
Comprada a casa, Masuji, que se encontra aposentado, passa os seus dias a cuidar do jardim na companhia das suas duas filhas adultas e do pequeno neto. Segue ainda os trâmites necessários para um possível casamento de uma das suas filhas. A par do seu dia a dia, vão sendo trazidos à memória acontecimentos passados, marcados pela ascensão do militarismo japonês, acontecimentos esses que ensombram a paz da sua reforma aparentemente tranquila. A assombrar este presente relativamente idílico existem sentimentos de culpa, arrependimentos e dúvidas relativamente a condutas que são próprias de qualquer ser humano, que a dada altura da sua vida se questiona sobre as escolhas que fez, as atitudes que tomou num determinado momento.
É um livro ainda repleto de descrições belíssimas, como se o pintor fosse compondo uma tela perante nós, com tudo o que vê e descreve.

Deixo o meu convite para ler e apreciar esta pintura de uma tragicomédia familiar do Japão do pós-guerra, com a leitura de Um Artista do Mundo Flutuante, de Kazuo Ishiguro. 
                                                                         Célia Gil


Dillon, Lucy (2013). Segredos para um Final Feliz. Porto: Porto Editora

Segredos para um Final Feliz é um livro de Lucy Dillon, autora do premiado romance Corações sem Dono. É um livro magistralmente traduzido por Cláudia Ramos.
Tudo começa quando um Dálmata irrequieto, que frequenta um café onde é permitida a entrada a animais, provoca uma situação constrangedora que está na base do conhecimento entre as duas protagonistas do livro: Michelle, uma mulher bem sucedida nos negócios, aparentemente fria e calculista, que terá fugido de um casamento falhado para Longhampton, disposta a iniciar o seu próprio negócio e Anna, uma apaixonada por livros, que tenta levar a bom porto o seu casamento, fazendo de tudo para que as três enteadas gostem dela e a respeitem, enquanto sonha ter um filho seu. Mas estas personagens não são assim tão lineares quanto parece.
Quando Michelle convida Anna para gerente de uma velha livraria que vai recuperar, perto da sua loja, Anna sente que é um sonho tornado realidade. Ela sempre adorara ler, era uma leitora compulsiva e partilhava este gosto com os utentes de um lar, onde ia ler com alguma regularidade.
Mas nem sempre a vida permite que os sonhos se concretizem por completo. Anna engravida e sente que o marido, absorvido pela preocupação com as filhas, não reage como seria desejável. Acaba por perder o bebé, o que, enquanto para ela constitui uma dor imensa, para o marido é um alívio. O que conforta Anna é gostar do que faz, da livraria, dos leitores que foi cativando e a quem vai servindo um chá e orientando nos conselhos literários, sempre repletos de entusiasmo e magia. Enquanto a magia em torno dos livros vai aumentando, a magia na sua vida pessoal vai esmorecendo, até ao ponto de se afastar ao perceber que a sua relação não tem futuro. Não teria?
Enquanto isso Michelle, que se dizia não leitora, preocupada em manter as aparências, quer na sua casa impecavelmente arrumada e limpa, onde não era concebível um único pelo de cão, quer ao nível dos negócios, chegando a ponderar que, se a livraria não fatura o que ela gostaria, então seria melhor transformar a loja e mudar de ramo. Mas estaria ela disposta a passar por cima da amizade com Anna, pensando apenas em si e nos seus objetivos económicos?
A amizade faz acontecer e faz mudar as pessoas e as vidas. Fica o convite para acompanhar essas mudanças, com a leitura do livro de Lucy Dillon e acreditar que há Segredos para um Final Feliz. 

A solidão é tanto maior, quanto maior é o vazio de tudo o que nos rodeia. 
São vazios os risos, que se estampam no rosto e estalam em sonoras gargalhadas. Não são risos que vêm de dentro. Não são verdadeiros risos de prazer. São risos de troça, risos de deboche, risos sem risos dentro. 
São vazias as palavras. Vazias de amor, vazias de ternura e de compreensão. Soam cada vez mais alto e menos dizem. Tão vazias de conteúdo estão! São palavras ditas sempre à cautela, palavras que depressa vão do sussurro ao grito mais estridente. Porque são palavras de sentimentos vazios. Cada vez mais vazios, os sentimentos. Já ninguém chora, já ninguém implora, já ninguém pede perdão. O excesso, o pedestal e a arrogância, criam maus sentimentos. Sentimentos de prepotência e de falso poder e saber. Para trás ficam os sentimentos que são realmente gordos de sentimentos - a compreensão, a humildade, o amor, a amizade e o respeito. Tudo tão vazio e relativo! No vazio dos sentimentos estão a vingança, o enxovalho, a ironia, a soberba e o escárnio. Só recorre ao poder e se coloca num pedestal quem nunca caiu realmente, quem de tanto subir ao cume da montanha que é a vida, pensa que pode tudo dominar e maltratar. Mas, esse cume é ele próprio um vazio, uma ilusão. Cai-se mais depressa dele do que se sobe. E quando se cai, é preciso que não se caia sobre os outros mas sobre si mesmo, de forma a repensar a vida, a repensar os ideais, os objetivos...Por forma a preencher os vazios que foi alimentando ao longo de dias a fio, nessa subida em que não se olha em frente mas de cima para baixo.
São vazios os gestos, que, na maior parte das vezes, não estão em consonância com o que dizem as vazias palavras. É com pequenos gestos,  gestos realmente cheios, plenos de amor, de dádiva e de altruísmo que o mundo "pula e avança" (António Gedeão, in "Pedra Filosofal").
É preciso aprender a preencher os vazios com o que realmente importa, com o que realmente vale a pena. Só assim se preenche a solidão.
                                                                                                   Célia Gil


Sixsmith, Martin (2013). O Filho Perdido de Philomena Lee. Lisboa: Planeta Manuscrito.


O livro O Filho Perdido de Philomena Lee de Martin Sixsmith fala-nos da história de Philomena e do seu filho Michael. Uma história de vida, marcada pelo secretismo, sobre o amor e perda humanos. Uma história comovente, magistralmente contada por Sixsmith e que é a prova de que os laços entre mãe e filho não devem nem podem ser quebrados.
Philomena Lee era uma adolescente, na Irlanda de 1952, quando engravidou e foi enviada para um convento, onde tratou do filho durante três anos, até a Igreja lho tirar e o vender a uma família adotiva. Durante esse tempo, trabalhou como uma escrava e foi obrigada a utilizar um nome falso. Segundo a Igreja e passo a citar "Todas as crianças enviadas para a América significam mais um donativo para a Igreja e um problema a menos para o Estado."
Durante cinquenta anos tentou encontrar o filho, sem nada dele saber, quem o tinha adotado, para onde tinha ido…
Philomena conta com o auxílio de um jornalista que empreende com ela uma série de diligências para que esta encontre o seu filho.
 A história centra-se essencialmente na vida dessa criança, os seus sonhos e receios, o seu crescimento, a sua necessidade de aceitação por parte dos pais adotivos, as suas incertezas, a sua necessidade de autopunição, a descoberta da sua homossexualidade, o seu eterno descontentamento por não saber aceitá-la e como isso se refletiu em toda a sua vida privada e pública, já que ele foi um advogado de renome, jurista principal do Comité Nacional Republicano no tempo de Reagan e Bush. Trabalhava para um partido completamente homofóbico, que condenava os homossexuais, não apostando na investigação da cura para a SIDA, que surgia naquela altura. O que é certo, é que Michael era homossexual nunca tendo escondido as suas preferências.
Apesar do sucesso em termos profissionais, Michael sentia-se sempre como um rejeitado, cuja mãe rejeitara. Mas, também Michael tentou, por sua vez, encontrar a mãe. No entanto, toda e qualquer informação a que pudesse ter acesso lhe foi negada pela Igreja, que receava ser apanhada na sua rede de adoções ilegais e venda de crianças.
Philomena só viria a reencontrar o filho, já morto, enterrado no convento onde nascera, como foi a sua vontade.
                                                          Célia Gil


Donoghue, Emma (2011). O Quarto de Jack. Porto: Porto Editora.

O Quarto de Jack, de Emma Donoghue, é um livro surpreendente. Uma história que fica imediatamente na memória e para sempre. Jack tem cinco anos e é o narrador enternecedor e comovente desta história. Para Jack, de apenas 5 anos, o quarto de 11 metros quadrados, onde viveu sempre com a mãe, é o mundo todo. Nele existem o roupeiro, onde a mãe o deita cada vez que recebe a visita do velho Nick, para o proteger; é o sítio onde brinca, onde aprende, onde faz exercício físico, onde come, onde vive e onde sonha. Do quarto apenas vê um pedacinho de céu por uma clarabóia. Então, acredita que, para além do quarto, existe apenas o espaço. A televisão, segundo a sua perspetiva, não mostra seres reais, mostra seres achatados e coloridos. Mas, reais, apenas são ele e a mamã. Ainda que num espaço tão exíguo, a mãe ensina-lhe tudo o que ele deve saber com a sua idade. Ensina-o a ler, a brincar e a sonhar.
No dia em que faz 5 anos, a mãe decide contar-lhe que, afinal, o quarto não é o mundo todo. Considera que ele já tem idade para compreender e conta-lhe tudo: a sua infância, o facto de os seus pais não saberem dela há sete anos, uma vez que, ao tentar ajudar Nick com um suposto cão, fora raptada e fechada num quarto isolado do mundo, onde só Nick conseguia entrar, com um código que nunca revelou.
Mas a Mamã tem agora um plano – quer que Jack saia do quarto para conhecer o verdadeiro mundo. Simula que ele está cheio de febre, mas Nick vai em busca de antibióticos, em vez de o levar ao hospital, como ela pensava que sucederia. 
No dia seguinte, antes de Nick chegar, instrui o filho para se fingir de morto. Enrolá-lo-ia na carpete, como um corpo morto, Nick levá-lo-ia e, pela viagem, depois de bem treinado, Jack desenrolaria a carpete e, quando a carrinha abrandasse, saltaria e iria ter com a primeira pessoa que aparecesse para pedir ajuda. Assim acontece. Nick transporta-o na sua carrinha, dentro da carpete do quarto, mas, quando Nick está para saltar, a carrinha arranca e ele cai ao chão, despertando as atenções de Nick. Corre, mas Nick segue no seu encalço. Esbarram com um homem que passeia um cão e que estranha a forma como este homem pega na criança e a trata. Chama a polícia e Nick, vendo-se encurralado, foge. Jack acaba por contar à polícia como se chama, sobre o quarto onde vivia com a Mamã. A polícia encontra o quarto e resgata a Mamã. Finalmente, após sete anos de reclusão naquele quarto, terão uma casa, a casa dos avós de Jack. Mas, em 7 anos, muda tanta coisa! Será que a Mamã estará apta para enfrentar essas mudanças? E Jack, conseguirá ele viver no mundo que existe e que não foi o seu durante os 5 anos da sua existência? Uma leitura a não perder!
                                                                                  Célia Gil


Jonasson, Jonas (2011). O Centenário que Fugiu pela Janela e Desapareceu. Porto: Porto Editora, Lda.

O Centenário que Fugiu pela Janela e Desapareceu é um livro de Jonas Jonasson, um escritor sueco, que serve para descomprimir, com imenso sentido de humor, mas também muito bem escrito. Uma história hilariante, empolgante, sem momentos mortos e que nos faz rir, sem que demos conta.
Conta-nos a história de um idoso que, no dia em que completa 100 anos, decide fugir do lar de idosos onde vive. Sabe que o que de mais certo o espera é a morte, por isso decide ir viver o tempo que lhe resta de forma mais empolgante. Munido de uma audácia invejável e umas pantufas velhas, foge pela janela do seu quarto à procura de aventuras que lhe tornem a vida menos penosa.
Os capítulos sobre os episódios mais estranhos e divertidos que constituem estas aventuras de Allan vão sendo intercalados, de forma engenhosa, com analepses sobre o passado desta personagem tão sui generis. Neste passado que nos vai sendo narrado, a par da história da fuga, ficamos a saber que Allan teria viajado por todo o mundo, tendo travado conhecimento com Estaline, Churchill, Harry Truman, a mulher de Mao Tsé-Tung, entre outros nomes de referência na história mundial.
Ao viajar, durante a sua fuga, acaba por roubar uma mala cheia de dinheiro, pertencente a uma organização criminosa, a “Never Again”. Este facto, faz com que a sua fuga se torne não apenas numa vontade, mas também numa necessidade, uma vez que começa a ser procurado. Envolvido em algumas mortes, é procurado por um detetive e faz alguns “amigos” pelo caminho, que vivem esta aventura com ele. Converge tudo num final altamente inesperado.

Convido, pois, a uma viagem atrás deste centenário e pela história que teve oportunidade de conhecer, através da leitura do livro O Centenário que Fugiu pela Janela e Desapareceu, de Jonas Jonasson.
Tremayne, S. K (2019). As Gémeas do Gelo. Lisboa: TopSeller


As Gémeas do Gelo é um thriller de Tremayne, escritor e jornalista londrino. Neste livro, conta-se a história de duas gémeas – Lydia e Kirstie – fisicamente iguais. Os pais distinguem-nas pintando a unha do pé de uma de azul e a da outra de amarelo, procurando combinar alguma peça de roupa com a cor da unha. Apesar disso, são bastante diferentes. Kirstie é extrovertida, irrequieta e impulsiva e Lydia, mais frágil, mais calada e introvertida. O pai tem uma preferência notória por Kirstie e a mãe por Lydia.
Quando fazem 6 anos, nas férias de verão, pedem para se vestirem de igual – e assim acontece, vestem-se com um vestido brancos iguais. Entretêm-se a trocar de identidade e a questionar os pais se sabem qual é qual, o que se torna numa missão impossível.
Num fatídico dia, uma das gémeas cai de uma varanda e é dada como morta. Quando a mãe chega ao pé da outra gémea, ela grita que Lydia caiu da varanda. É feito o funeral de Lydia.
O embate desta morte nas vidas das personagens é evidente. O pai começa a refugiar-se na bebida. A mãe entra numa grande depressão. Kirstie começa a ter pesadelos que a consomem e a deixam constantemente triste. Acabam por perder o emprego e pensam na última solução que lhes parece plausível – ir viver para a ilha pertencente aos avós de Angus, o pai de Kirstie, que tem apenas acesso por barco e onde existe unicamente uma casa e um farol. Assim, a tantos quilómetros do traumático episódio, pensam que será possível recomeçar.
Quando decidem inscrever Kirstie na escola da aldeia mais próxima da ilha, esta insiste que é Lydia e não Kirstie, começando a revelar comportamentos que eram mesmo típicos de Lydia. Não consegue socializar com as outras crianças e começa a dar mostras de estar cada vez mais perturbada e com mais pesadelos.
Perante estas ocorrências, os pais acabam por aceitar que foi Lydia quem sobreviveu e fazem o funeral de Kirstie.
Mas quem terá realmente sobrevivido? Conseguirão os pais alguma vez obter resposta a esta pergunta, sem que a loucura os domine?
Este livro aborda ainda a problemática dos filhos preferidos. Como será descobrir que o filho preferido afinal não morreu? Até que ponto isso pode amenizar a dor? O luto dos pais não é mesmo nada fácil e este livro é a prova disso. Escrito de uma forma muito interessante, com três narradores: o narrador omnisciente, na 3ª pessoa; Sarah, a mãe e Angus, o pai, confere uma maior dinâmica à narrativa e permite-nos o confronto com várias perspetivas, o que torna difícil ao leitor encontrar um bode expiatório, um verdadeiro culpado. Quando o leitor tem uma teoria pré formada, vê-se confrontado com outra perspetiva que deita por terra a primeira. É isso que torna este livro irresistível, sendo quase impossível pousá-lo antes de terminar a sua leitura, uma vez que sentimos necessidade de saber o que aconteceu a cada momento da narrativa.


Yeti, Ann (2018). Um Fio de Sangue. Almada: Emporium Editora.


Foi com curiosidade que comecei a ler Um Fio de Sangue.
Confesso que, quando pego num livro, o viro e reviro. Gosto de me apaixonar pelos livros antes mesmo de os ler. Ver e deter-me nos pormenores da capa, da contracapa, das badanas… E este livro chama a atenção. Há algo que prende logo na capa. O laranja aponta para alegria, vitalidade, prosperidade, entusiasmo, comunicação, criatividade e sucesso. A disposição do título também me chamou, desde logo a atenção, palavra por palavra, dando mais ênfase a cada uma delas. Está escrito a amarelo, um amarelo suave, que traz luminosidade, como um sol a brilhar no laranja. Destaca-se, porém, a palavra “Fio”, escrita a vermelho, a sugerir amor, paixão, mas também o perigo. Curiosa ou propositadamente, esta palavra é a palavra chave desta história feita de “fios”, fios que unem (laços de amor), fios que se atam (aproximações), fios que se desamarram (afastamentos), fios que nos tornam marionetas numa sociedade de amores e desamores demasiado fugazes. O subtítulo “As curvas mais perigosas são as curvas da vida”, que, ao mesmo tempo que aponta para a sensualidade que as curvas podem representar nas personagens e nas suas relações, podem sugerir vias de comunicação ou precisamente a perda de orientação nos meandros da vida. Por fim, e não menos importante, a imagem, a sombra feminina. Somos sombras, quando vivemos na sombra do passado; somos sombras, quando vivemos na penumbra da vida e, mesmo que o sol (laranja e amarelo) brilhe em redor de nós, podemos não nos libertar totalmente das sombras que nos ensombram a existência. Apesar de uma simples sombra, é uma sombra com sentimentos, pois a lágrima de sangue (mais um fio) mostra que esta mulher tem sentimentos, ainda que possam ser dolorosos. Logo pela capa, é um livro que apetece ler!
A história vai ao encontro da mensagem que a capa me conseguiu passar, bem como do prazer que transmite ao ser lida. Lê-se num ápice, porque tem um ritmo rápido, sem momentos mortos. Uma temática que poderia ficar pelo romance lamechas entre duas pessoas que se sentem imediatamente e mutuamente atraídas, teria tudo para ser um romance sem conteúdo. Mas é aqui que Yeti nos surpreende, nada neste romance é muito normal. Joana cativa Tomás precisamente por isso, pelo facto de não ser o que ele encontra habitualmente nas outras mulheres. O facto de ela nada lhe exigir, de saber sair quando considera que não quer dar a Tomás a ideia de que está a invadir a sua vida ou de que está irremediavelmente interessada nele, a torna única. E é essa maneira de ser, esse aparente desprendimento, essa relação sem compromissos, que vão cativando Tomás. Ele que tinha tido um passado difícil, que não queria voltar a envolver-se, viu-se preso neste fio que o amor teceu e com o qual lhe lançou a teia. Quando passam os melhores dias das suas vidas juntos numa aldeia do Xisto, na Serra, Joana assume que as barreiras que erguera para se resguardar, tinham definitivamente quebrado e passo a citar “o estrago era extenso pois a enxurrada de amor tinha sido violenta” (pág. 95). Também Tomás se sentiu dominado por uma euforia. Porém, o passado e o medo fizeram-no passar da euforia à depressão. E porque os fios são assim, unem, mas são frágeis, nem sempre se entrelaçam num “e foram felizes para sempre”.
E quantas vidas, por mal-entendidos, por recalcamentos, por amor e desamor não estão presas por um fio?
Gosto da forma como Yeti escreve, da linguagem fluída, mas ponderada, da moderação com que aborda determinadas passagens (que poderiam, de outra forma, tornar-se facilmente vulgares).
A única sugestão que faria a Yeti era o facto de poder ter dado mais corpo à narrativa, ter desenvolvido mais alguns momentos. Poderia ter intercalado a narrativa do presente com a narrativa do passado destas personagens, com riquíssimas analepses que nos permitiriam conhecer ainda melhor estas personagens.
Porém, a minha crítica é, no geral, muito positiva e aconselho vivamente a leitura de Um Fio de Sangue.
Deixo os meus parabéns a Ann Yeti e votos de muitos sucessos literários. Agradeço a oportunidade que me deu de conhecer o seu livro. Fico a aguardar a próxima obra, um romance que também, sem dúvida, nos surpreenderá.
                                                                                                              Célia Gil


Budapeste é um romance escrito por Chico Buarque, que ganhou os prémios Jabuti 2004 e Passo Fundo Zaffari & Bourbon 2005. Um romance diferente, que nos surpreende, muitas vezes choca, outras tantas, indigna, mas que nos faz refletir sobre a quantidade de anónimos Costas haverá espalhados pelo mundo.

A intriga é basicamente a seguinte: José Costa é um escritor anónimo e ganha a vida com textos que escreve para quem lhos solicita: artigos, dissertações, monografias, cartas, petições de advogados, na Agência Cultural Cunha & Costa, onde é sócio junto com seu amigo de faculdade Álvaro Cunha.
Ao contrário de outros escritores como ele, José Costa não almeja o reconhecimento, sentindo-se até grato ao ver os seus textos assinados por outra pessoa.
Costa é casado com Vanda, apresentadora de um telejornal, e que não entende exatamente o que o marido escreve, não se interessando mesmo pelo seu trabalho.

Quando, numa viagem a Istambul, para participar num congresso de autores anónimos, se vê obrigado a aterrar em Budapeste, devido a uma avaria no avião em que seguia, fica bastante curioso em relação ao húngaro, língua que, segundo as más línguas, é a única língua que o diabo respeita, repleta de sonoridades e sensações. Fica obcecado pelo húngaro, até pela própria dificuldade que sente em compreender as palavras.

Ao voltar ao Rio de Janeiro, José Costa tem a missão de escrever a biografia encomendada de um alemão. Após terminar o livro, devido a alguns conflitos no trabalho, decide tirar férias, as férias com que Vanda há muito sonhara. Porém, quando Vanda abre a passagem que Costa lhe entrega, fica a saber que irão para Budapeste e não para o destino por ela sonhado, e decide trocar o seu bilhete para Londres. Viajam, então, para destinos diferentes, rumo a um afastamento que se tornará cada vez mais acentuado. Costa está apenas interessado em aprender a falar húngaro. Acaba por ter aulas de húngaro com Kriska, com quem se envolve.
Seguem-se várias viagens entre o Rio de Janeiro e Budapeste. Se por um lado, os padrões normativos da sociedade o fazem arrepender-se do tempo passado longe da mulher e do filho; por outro lado, é em Budapeste que Costa se sente realizado. Mas estes afastamentos, quer de Vanda, quer de Kriska, levam-nos a todos a longos silêncios. Silêncios que não são fáceis e em que os conflitos interiores o levam a pensamentos do género, que passo a citar:
"Houve um tempo em que, se tivesse de optar entre duas cegueiras, escolheria ser cego ao esplendor do mar, às montanhas, ao pôr-do-sol no Rio de Janeiro, para ter olhos de ler o que há de belo, em letras negras sobre fundo branco."

Este é um romance que deixa o leitor intrigado até ao fim. Qual dessas viagens entre Budapeste e o Brasil será a última? Para desvendar este mistério e apreciar este romance tão sui generis, convido-o a encetar esta fantástica viagem a Budapeste de Chico Buarque.

                                                                                                          Célia Gil

Didierlaurent, Jean-Paul (2017). O Leitor do Comboio. Lisboa: Clube do Autor.


O Leitor do Comboio, escrito por Jean-Paul Didierlaurent, um romancista francês e traduzido por Inês Castro, recebeu, de entre vários, o Prémio Michel Tournier e está traduzido em 30 países. 
Nesta parábola, que constitui uma homenagem à literatura e à leitura, as personagens são invulgares e únicas.
Guylain Vignolles é o leitor do comboio e narrador. Um homem frustrado, com uma profissão que odeia:  segundo ele, exerce e passo a citar o “sujo cargo de carrasco” ao reduzir diariamente uma série de livros a pasta numa máquina Zerstor 500 a que chama de “a Coisa”. Um cargo que desempenha com relutância, numa espécie de “piloto automático”, que lhe suga a vida e que, frequentemente, lhe traz pesadelos à noite. E quantas pessoas não se reveem nesta personagem? Em profissões que não gostam, que as desgastam e em vidas vazias e infelizes?  
Guylain vive sozinho, numa vida de rotinas, partilhada com o seu peixinho encarnado, Rouget de Lisle. Como amigo, conta apenas com um amputado, que só sabe falar em versos alexandrinos e que passa o tempo à procura das suas pernas numa edição de um livro feita com a pasta a que “a Coisa” lhe tinha reduzido as pernas. 
O que lhe vai dando algum alento é a leitura de páginas que vai salvando d’ “a Coisa” e que lê no comboio, à ida para o trabalho. Páginas únicas, sem continuidade, mas que lhe tornam a vida mais suportável, uma espécie de redenção em relação aos atos de selvajaria para com os livros, no dia a dia da sua profissão.
E porque é importante que haja um "mas" em todas as vidas sensaboronas, numa das suas viagens de comboio, Guylain encontra esse "mas", uma pen perdida. Em casa, ao abrir o conteúdo da pen, depara-se com escritos de uma mulher chamada Julie que imediatamente o prendem, lendo até meio da madrugada os 72 textos que contém. Passa, então, a ler no comboio, em vez das habituais páginas soltas, os textos de Julie, em gestos menos mecânicos, em tom mais estudado, que provoca nos passageiros da carruagem em que lê e passo a citar “um arzinho satisfeito de bebés fartos e saciados”, que contrasta com a “máscara de impassibilidade” dos passageiros das restantes carruagens. São estes escritos que passam a dar mais cor aos seus dias e a tornar mais suportáveis as suas angústias. Quando conta ao seu amigo sobre estes escritos, também ele os devora e lhe traça um plano para tentar encontrar essa Julie que poderia permitir-lhe o início de uma bela história. Terá Guylain encontrado Julie? Seria real ou uma criação literária?
Para encontrar as respostas a estas e outras perguntas, deixo o convite para uma viagem com O Leitor do Comboio de Jean-Paul Didierlaurent.
                                                                                             Célia Gil
Cabral, Afonso Reis (2018). Pão de Açúcar. Alfragide: Publicações Dom Quixote.


Pão de Açúcar é um livro escrito por Afonso Reis Cabral, que venceu o prémio Leya 2014 com o romance O Meu Irmão. É um livro que junta factos verídicos com ficção, por forma a tornar o enredo numa narrativa verosímil. A ideia de escrever um livro a partir do caso de Gisberto ou Gisberta, uma transexual brasileira que apareceu, em 2006 morta no fundo de um poço, num edifício abandonado, resultante de um projeto falhado para um Pão de Açúcar.
É uma história contada na 1ª pessoa, um rapaz, o Rafa, que vai desfiando o fio à narrativa.
Intercala o calão, que surge contextualizado e adequado, com alguma poeticidade, numa escrita fluente e intensa, que resulta também da riqueza e complexidade interior que as personagens revelam.
 A história é sobre o dia-a-dia de três rapazes adolescentes, que viviam num internato: Rafa, com uma vida difícil, pouca escolaridade e interessado em mecânica; Nelson, um jovem muito bruto e conflituoso e Samuel, com uma grande sensibilidade, mas antissocial. Rafa começa a interessar-se por Gis, uma toxicodependente, com sida e transexual, que vive no edifício abandonado e que vai definhando, com fome, à espera que a morte a leve. Rafa deixa a sua bicicleta ou projeto de bicicleta no edifício mencionado e vai lá arranjá-la e vigiá-la todos os dias. É assim que conhece Gis. Sente uma atração/repulsa que o leva a fazer-lhe e levar-lhe comida. Acaba por revelar este seu segredo aos amigos, levando-os com ele para a conhecerem. A partir do momento em que o segredo de Gis é desvendado, passa a ser insultada, tratada como “traveca” ou “paneleiro com mamas”, chegando a ser espancada, numa sociedade que não aceita a diferença e não sabe conviver com ela, que passa por ela alheia, sem se deter, sem questionar, sem intervir. Gis era um dos tantos esquecidos de que vários escritores falam. Manuel da Fonseca falava no seu conto “O Largo” dos marginalizados pela sociedade, a quem ninguém dava credibilidade; Luísa Ducla Soares, no seu conto “O Mundo é dos Jovens” fala mesmo dos esquecidos, aqueles de quem ninguém fala e que é mais fácil ignorar.
Este é um livro que nos faz, sobretudo, refletir sobre a nossa responsabilidade, enquanto cidadãos, perante estas situações para nos fazer questionar os padrões da educação e as questões culturais.


Célia Gil

Wells, Benedict (2019). O Fim da Solidão. Alfragide: Edições ASA.




O Fim da Solidão é um livro de Benedict Wells, traduzido por Paulo Rêgo, com muito de autobiográfico e muito bem escrito. É o quarto romance do escritor, que nasceu em Munique em 1984, e venceu o Prémio de Literatura da União Europeia. 
Apesar de ser um livro com uma temática triste, os sentimentos demonstrados e a própria forma como as personagens encaram e tentam superar a dor tem algo de belo, que conforta e na qual se revê quem já passou ou acompanhou situações semelhantes. 

Jules, o narrador do livro, tem apenas 11 anos quando ele e os dois irmãos mais velhos perdem os pais num acidente de viação. Acabam por ir para o mesmo internato, mas o afastamento entre eles é inevitável, até porque têm personalidades e temperamentos muito diferentes e a dimensão da tragédia que lhes aconteceu é vivida de forma diferente por cada um deles.
 Jules é um miúdo reservado, sendo alvo de gozo por parte dos colegas. O seu tempo é passado entre memórias, à procura de si mesmo e de um sentido para a sua existência através do sonho. Marty é um jovem muito dedicado aos estudos, sempre mergulhado nos livros e um pouco cético e Liz é uma jovem que quer viver e experimentar tudo, sem limites, sem prisões ou compromissos. Mais tarde Liz culpabiliza-se por não ter, como irmã mais velha, tomado conta dos irmãos, quando tanto precisavam de alguém. O certo é que nenhum deles conseguiu ultrapassar totalmente o trauma da perda repentina dos pais e as mudanças que esta perda traria inevitavelmente para as suas vidas.
No internato, Jules sente apenas apoio por parte de uma outra criança da sua idade, Alva, também ela muito reservada e também ela com um passado sofrido. Entre eles nasce uma amizade que se fortalecerá com o tempo. Mas nem todos os caminhos que se seguem ao lado de outra pessoa são caminhos de encontro. Alva acaba por partir e só muito mais tarde, Jules a volta a reencontrar. Também os irmãos se afastam. Mas a vida dá muitas voltas e, passados 15 anos, Jules vê a possibilidade de voltar a ser feliz. Trabalhava, entretanto, numa empresa discográfica, embora sonhasse em dedicar-se à escrita e à fotografia.
Conseguirá Jules libertar-se do passado e procurar o que o faz realmente feliz?
Um livro feito de perdas e reencontros, de dúvidas e desilusões, numa procura incessante da felicidade. E será que esta felicidade existe e, se existe, pode ser total? 
                                                                                            Célia Gil


Peretti, Paola (2018). A Distância entre Mim e a Cerejeira. Lisboa: Nuvem de Tinta.


     Quando iniciei a leitura de A Distância entre Mim e a Cerejeira, primeiro romance da italiana Paola Peretti, traduzido para português por Simonetta Neto, pensei que seria um livro tristíssimo, uma vez que inspirado na vida da autora que teve, em criança, uma doença macular degenerativa que a levaria a uma cegueira irreversível. Porém, logo nas primeiras páginas, pude mudar de opinião, uma vez que a sensibilidade e até infantilidade com que uma narradora de nove anos aborda a temática, é tão comovente e suave, que chegamos a sorrir e o sentimento que nos domina não é o de pena, mas sim de admiração e orgulho.
     Mafalda tem nove anos, sabe que em pouco tempo ficará cega. Para que se torne todo este processo mais fácil, faz uma lista com as coisas que poderá fazer, mesmo sem ver… Estella, uma auxiliar da escola onde estuda, é, para ela, uma referência, compreende os seus medos, as suas necessidades, parece mesmo, por vezes, entrar dentro da sua cabeça e desvendar os seus pensamentos.
     Os pais, com o intuito de facilitarem a vida à filha, pensam em mudar de casa e ir para uma mais perto da escola. No entanto, Mafalda não quer deixar a sua casa, a casa que viu, que ficará gravada na sua memória. Decide fugir de casa quando a mudança se tornar iminente. Para essa fuga, que vai projetando, recolhe uma série de objetos que pensa que serão imprescindíveis para empreender o que tem em mente: ir viver para a cerejeira da escola. O dia em que, ao abrir os olhos, não sente necessidade de pôr os óculos, pois o cinzento apoderou-se de tudo em seu redor, é o dia da prova de fogo, pois terá de fugir e terá de, na escuridão que a rodeia, concretizar tudo o que havia planeado. Mas terá Mafalda, na sua escuridão, conseguido atingir o que julgava ser o último objetivo da sua lista – viver na cerejeira? Será que os passos que contou até à cerejeira a conduzirão ao local certo?
     Passo a citar algumas frases que demonstram bem a poeticidade e simplicidade deste livro:
“Quando era pequena imaginava ter seis filhos, cinco raparigas e um rapaz, mas depois chegou a neblina nos olhos e deixei de pensar nisso. Iria perdê-los na neblina, ou penteá-los mal, e até podiam morrer à fome porque não posso guiar o carro para ir às compras. Talvez pudesse encomendar pizza para o jantar. Mas então iriam ficar gordos. Não, nada de filhos para mim.” (pp. 117-118).
“O ar é uma senhora sorridente que passa o seu cachecol de seda azul pelo meu rosto e pelo cabelo”. (pág. 156)
“Ali onde devia estar a janela com a Lua dentro e a estrela polar, e de dia o Sol, não vejo nada. O meu quarto é cinzento. A minha mão é cinzenta quando a movo à minha frente. O escuro é cinzento-escuro. Que, para mim, é muito mais feio do que o preto.” (pág. 165).

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Professora de português e professora bibliotecária, apaixonada pela leitura e pela escrita. Preza a família, a amizade, a sinceridade e a paz. Ama a natureza e aprecia as pequenas belezas com que ela nos presenteia todos os dias.

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