(imagem do Google)
Hoje, um dia especial, em que a minha mãe fazia anos se estivesse viva, quero deixar uma carta com a minha "luta" interna com a descrença:
Fundão, 17 de Agosto de 2011
Meu Deus,
Tenho adiado esta minha conversa Contigo, mas era inevitável. Escrevo-Te porque necessito de o fazer. São muitas as dúvidas, as perguntas que a vida me foi colocando. Quem sou eu para Te julgar? Quem sou eu para Te desacreditar? Só quero perceber…
Ao longo da vida, esta “escada sem corrimão” (David Mourão-Ferreira), vamos passando por tantas provações…E somos humanos…Erramos, nem que seja em pensamento.
Fui educada na religião católica, não praticante, porque os meus pais não iam à missa. Apesar disso, e como as minhas avós eram muito devotas, fiz o batismo, a primeira comunhão, o crisma e o casamento na Igreja católica. Mas sinto que não o fiz com aquela entrega espiritual que vejo em muitas pessoas. Fi-lo com algum desprendimento, sem me identificar muito com os preceitos. Quando me ia confessar, chorava imenso, porque tinha de arranjar pecados para me penitenciar e sentia-me a criança mais suja de toda a humanidade. Saía da confissão com um sentimento de culpa que me pesava na alma.
Quando o meu pai adoeceu, eu quis acreditar em Ti com todas as minhas forças e rezei muito, com toda a devoção que podia. Mas foi em vão… Aos 49 anos o meu pai faleceu de doença prolongada. Fiquei triste, mesmo até zangada, porque me mentalizei de que nada fizeste para o evitar, não ouviste as minhas preces. Questionei-me sobre as razões que Te levaram a levá-lo tão cedo e não outras pessoas más e cruéis que cá ficaram a estragar a vida a tanta gente.
Quando, passados 8 anos, a minha mãe adoeceu, quis perguntar-Te o que de tão mal tínhamos feito para merecer tamanha desgraça.
Num dos momentos posteriores a um tratamento de quimioterapia feito pela minha mãe, enquanto se restabelecia no quarto, às escuras, de onde não conseguia sair durante dois dias, faleceu, no quarto ao lado, o meu avô, pai da minha mãe, vítima também de doença prolongada, com 74 anos. Aos 55 anos a minha mãe faleceu, vítima de doença prolongada.
Apeteceu-me gritar contigo no alto de uma montanha. Senti-me só, desamparada e, como filha única, senti que me estavam a cortar as minhas frágeis raízes. Porquê? Porquê Deus meu? Porquê os meus pais, que nunca fizeram mal a ninguém?
E aí rompi quase definitivamente Contigo e tornei-me descrente.
Quando os meus filhos fizeram a primeira comunhão e quiseram sair da catequese, eu não tive argumentos para lhes dizer que continuassem, se eu própria quase não ia à Igreja, se quando ia me sentia fora do meu mundo.
Sabes, criei o meu mundo de descrença onde Tu não tinhas lugar. Mas como pessoa esclarecida que sou, sei que Te nego e Te desejo.
Há em mim uma dualidade de sentimentos. Por um lado, penso que seria mais feliz se Te tivesse na minha vida para me aconselhares, me protegeres da crueldade do mundo e sentir uma Paz que não sinto há muito. Por outro, nego-Te, culpabilizo-Te por tudo o que passei, responsabilizo-Te por não teres feito nada para mudar o rumo ao destino.
Contudo, sinto-me espiritualmente tão só…É como se me faltasse algo, como se tivesse eu de arcar com o peso de todas as responsabilidades sozinha. Mas nem sempre sou a muralha em que me tornei, às vezes fraquejam os pilares em que sustentei a minha existência. E quando estou mais vulnerável, queria poder acreditar que não estou só, que me proteges, me indicas o melhor caminho a seguir.
Quero acreditar em Ti, renascer para a crença, deixar nascer em mim a cristã. Ainda me aceitarás? Permitirás, depois de tantos anos de costas voltadas, que eu comece a acreditar em Ti? Se, como dizem, a Tua bondade é infinita, dá-me um sinal do teu amor e protege-me a mim e aos que mais amo durante o resto da nossa efémera existência. Perdão!
Célia Gil