Histórias Soltas Presas Dentro de Mim

(imagem do google)

           Este ano estamos a viver um Natal diferente. Sem subsídio de Natal, olhamos para os presentes que gostaríamos de comprar com alguma angústia, pois não há poder de compra. Sem poder de compra, os comerciantes veem os produtos por vender e por aí adiante. A crise é este ciclo vicioso que tem o poder de tirar o encantamento a este momento que fez sempre parte dos nossos sonhos de infância.
Sinto então necessidade de procurar a chave do Natal em casa das minhas avós, em Silvares. São seis da tarde. Vejo-me ainda menina em casa da minha avó materna, a comer filhoses acabadas de fritar. São quentes e gosto delas quase em massa. Daqui a pouco, começa a preparar-se o jantar. Eu estou feliz. Pedi ao Pai Natal livros de banda desenhada da Disney. Com certeza, trar-me-á dois ou três e isso é fantástico. Após o jantar, ouvimos um som no sótão. Corro à varanda e ainda vejo na minha ingénua imaginação, o Pai Natal sair no seu trenó. Corro às escadas do sótão e lá estão dois livros, do Patinhas e do Pateta. Fico felicíssima e sinto vontade de os começar logo a ler. Mas é hora de ir para casa da minha avó paterna.
Em casa da minha avó, estão os meus tios e primos. A mesa está posta para a ceia com tudo de bom, a minha avó foi sempre uma excelente cozinheira. Brinco com os meus primos até à hora de o Pai Natal chegar aqui, depois de percorrer as restantes casas da aldeia. Os meus tios, pais e avó conversam alegremente e há amor e alegria no ar. Cheira a sonhos de uma família feliz.
Chamam-nos para a mesa. Comemos por lambarice e não já por fome, mas o convívio é bom e os doces convidam-nos o apetite. O tio e o pai contam histórias do seu dia-a-dia e é tão bom sentir esta paz familiar que nos acalenta a alma e nos dá força para mais um ano de trabalho. Estes os momentos que valem a pena.
Colocámos os sapatinhos na salinha de estar e nós, crianças, nem nos apercebemos que as mães saíram da sala onde nos encontramos a cear. Não nos apercebemos também que o meu pai já ali não está. Ouvimos uma gargalhada. O Pai Natal acabara de sair. Ainda o vemos. É então que o meu primo mais novo diz “O Pai Natal tem os sapatos iguais aos do tio Fernando!” Rimo-nos todos ante esta astúcia de 2/3 anos. Mas depressa esquecemos o incidente e corremos para a salinha, onde cada sapatinho tem um ou dois presentes, não mais. E lá estão mais dois livros de banda desenhada. Sinto-me a menina mais sortuda do mundo.
Por isso mesmo, entristece-me ver as crianças reagirem sem qualquer entusiasmo perante uma série de presentes de Natal. A crise domina-nos a todos os níveis. Não apenas a nível económico, parece que até o valor dado às coisas está em crise.
Por isso, Pai Natal da minha memória, traz-nos o entusiasmo, a força de vontade e a alegria que o tempo ousou roubar! Faz-nos recuperar a essência do Natal!
                                                                                                   Célia Gil



                                 (imagem do google)

           

11 de Setembro, de 2000

Há quanto tempo tenho adiado estas conversas inevitáveis e que fazem transbordar da minha alma todo o anseio, a saudade, a deceção?!...


Pai, agora, na solidão que me envolve, tu, meu querido, ouvir-me-ás, onde quer que estejas, para além da tua ausência, onde possivelmente ainda velas por mim.


Não fui certamente a filha ideal, a mulher ideal, porque o ideal, talvez não o saibas ou não o queiras saber, é uma perfeição suprema, fruto de uma imaginação, para a qual se canalizam todas as frustrações pessoais. Não há perfeições supremas. Há virtudes e há erros, tal como há sol e seca, chuva e dilúvio. E, se em mim houve tantas vezes sol, outras tantas houve uma estiagem tão estéril que me deixou inativa e perdida. E, se em mim, tantas vezes, os ideais meus ou teus foram regados e fortalecidos pela chuva da vontade, outras tantas se tornaram temporais avassaladores, capazes de arrasar qualquer sonho.


Hoje, nesta pequena quinta do interior, olho tantas e repetidas vezes esta paisagem que foi nossa, que me esmago na solidão do meu ser cansado, para me reencontrar naquilo que fui, naquilo que tive e que faz parte de um passado que transporto até hoje e para sempre.


O dia termina. Estou cansada da noite. O meu desabafo embala-me e o sono espreita pelas janelas deste humilde quarto em que me encontro a conversar contigo.


(excerto inicial)
                                                               Célia Gil
           

                 Hoje transpus-me para casa da minha madrinha, em África. A chave da memória não me permite ver o exterior, só o interior. Abro lentamente e vejo, à minha esquerda, a porta da cozinha aberta. Vejo-me a abrir o frigorífico para tirar um pouco de coco. Está fresco e sabe-me bem. Tenho um ar feliz. Vejo ainda chegar uma criada negra, muito bonita, mas não são as feições do seu rosto que vejo, são as unhas numas belas mãos esguias, unhas longas bonitas e pintadas. Eu e os meus primos escolhemos, cada qual, a sua unha e ela é tão nossa, tão meiga, que ter uma unha sua é um privilégio que nos enche a alma pequenina.
                Subo as escadas a correr e entro no quarto dos meus primos. Eles lêem banda desenhada e eu observo-os. Sempre me deu prazer observar as pessoas, estudar os sentimentos que transmitem em cada gesto, em cada relance de olhar, em cada palavra. Estou feliz! Tenho uns primos inteligentes! Eu sei que terão sucesso no futuro, porque o brilho dos seus olhos mo confessa, porque têm interesses, uma infância preenchida e uns pais que os adoram e farão tudo por eles. Sou, muitas vezes, a prima chata, mais nova, que têm de suportar por umas escassas horas. Mas sou feliz porque os tenho para os chatear, para os questionar ou apenas…para os observar.
                Fecho a porta e regresso, ultrapassando o espaço onde estou para estar com eles. O meu pensamento pousa-lhes uma mão no ombro para lhes dizer que tenho saudades destes tempos de infância, em que a nossa felicidade estava em coisas tão pequenas como na escolha das unhas de uma negra bonita. É incrível como pequenos pormenores nos marcam para sempre.
                                                                                                                            Célia Gil


A família é tudo o que nos prende à vontade de viver. É o nosso objetivo. O cerne de todos os nossos pensamentos. É preciso mantê-la unida. Lembrarmo-nos de quem nos é querido em todos os momentos. Em momentos em que a sociedade, os ditos "amigos" e os colegas tendem a julgar-nos sem se preocuparem com o que verdadeiramente somos ou sentimos, é a família que está sempre "ali" para nos apoiar. É ela que ama incondicionalmente. É ela que não aponta o dedo em riste, mas sugere o melhor caminho, sem condenar. É ela que não age por interesse, mas partilha o que de melhor lhe vai no coração. É ela que não nos deixa cair, nos dá sempre a mão. E mal de quem não pense assim da sua família, é porque não a considera tão "sua" quanto devia, não a preserva, não a merece.

E, por falar em família, aproveito para dar um grande beijo ao meu marido, que me conhece como ninguém, que me valoriza e se preocupa comigo. Abraço os meus filhos que me dão todas as razões para me orgulhar deles e um amor incondicional que é o melhor do mundo.

No próximo sábado, o meu filhote mais velho, de 16 anos, lançará o seu segundo livro, desta feita um romance policial envolvente, fluído, com um enredo dinâmico e que se lê num ápice. Não digo isto por ser meu filho, mas porque este é realmente o género literário para o qual ele está vocacionado. Desejo-lhe muito sucesso, todo o sucesso do mundo. Todo o sucesso que uma mãe pode desejar a um filho.


Bom fim de semana a todos!

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Professora de português e professora bibliotecária, apaixonada pela leitura e pela escrita. Preza a família, a amizade, a sinceridade e a paz. Ama a natureza e aprecia as pequenas belezas com que ela nos presenteia todos os dias.

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