Histórias Soltas Presas Dentro de Mim

Quintana, Pilar (2021). A Cadela. Alfragide: Publicações Dom Quixote.



Tradução: Pedro Rapoula

Nº de páginas: 128

Início da leitura: 29/05/2022

Fim da leitura: 30/05/2022

**SINOPSE**

Na costa da Colômbia virada ao Pacífico - num lugar onde a paisagem luxuriante contrasta com uma pobreza extrema e o homem é uma migalha diante da força dos elementos - vive Damaris, uma negra com cerca de 40 anos que toda a vida quis ser mãe. A sua relação com o marido tornou-se, aliás, fria e turbulenta à medida que o casal foi sacrificando tudo o que tinha à obsessão de Damaris e, apesar disso, ela nunca conseguiu engravidar.

Mas a vida desta mulher frustrada parece encontrar uma réstia de esperança no dia em que adota a última cadelinha de uma ninhada. Só que, tal como os filhos nem sempre correspondem às ambições que os pais têm para eles, Chirli também não será a cadela com que Damaris sonhou.

Esta é uma novela brilhante sobre a maternidade, a traição, a lealdade, a culpa, e também sobre a relação enigmática e por vezes excessiva entre os donos e os seus animais. Uma história narrada pela voz confiante e madura de uma escritora que viu o seu livro ser traduzido em mais de uma dezena de línguas e chegar à final do National Book Award nos EUA.

Não é fácil falar deste livro, não só por ser um livro pequenino, mas também porque é um livro tão intenso, no seu todo, que se torna difícil falar sem entrar em pormenores.

Damaris sempre quis ser mãe, mas os anos vão-se passando e nem com mezinhas e bruxedos consegue engravidar. Aos 40, idade em que ouvia dizer que as mulheres secam, já não tinha esperanças de o conseguir. Esta situação humilha-a enquanto mulher (vista como uma forma de procriar). É aí que surge a possibilidade de adotar uma cadelinha, à qual dá o nome de Chirli, o mesmo que teria dado a uma filha. Canaliza para a sua relação com a cadela todas as suas frustrações, criando laços de afeto que nunca tinha sentido antes.

Mas nem sempre o afeto é suficiente. Os filhos crescem, ganham asas, nem sempre mostram gratidão e reconhecimento pelo tanto amor que lhes é votado pela mãe. Será a cadela capaz de corresponder à dependência emocional que Damaris tem em relação a ela? Não poderá, tal como um filho, frustrar as expetativas da cuidadora? E qual é a fronteira entre o amor e o ódio? Será a traição capaz de despertar o que o ser humano tem de mais maléfico?

Numa linguagem fluída e muito bem trabalhada, Pilar Quintana foi uma excelente surpresa! Gostei imenso deste livro e recomendo-o.

Lemmie, Asha (2021). Cinquenta Palavras para Chuva. Amadora: Topseller.

Tradução: P. Vieira

Nº de páginas:432

Início da leitura: 27/05/2022

Fim da leitura: 29/05/2022

**SINOPSE**

Japão, 1948. Aos 8 anos, Nori Kamiza é abandonada pela mãe, que a deixa apenas com um conselho: não questiones, não lutes, não resistas. Fruto da relação proibida entre uma aristocrata japonesa e um soldado afroamericano, Nori sempre se sentiu excluída, mas nada poderia prepará-la para a atitude dos avós, que aceitam recebê-la com o único intuito de a manterem escondida. Sozinha e assustada, Nori resigna-se a uma vida de confinamento no sótão da propriedade com a mesma resiliência com que se submete aos banhos químicos que têm como objetivo aclarar-lhe a pele. A sua vida começa a mudar no dia da chegada de Akira, o irmão mais velho que ela não conhecia e que será o legítimo herdeiro do nome e dos negócios da família. É a primeira vez que alguém se aproxima de Nori, ouvindo as suas dúvidas e respondendo às suas inquietações, o que a leva a questionar as regras que têm regido a sua vida. Entre os dois forma-se uma ligação improvável e poderosa que acaba por destabilizar os planos dos avós e mudar para sempre a vida de toda a família.

Depois de ter um vislumbre do mundo e das possibilidades que espreitam para lá dos muros da propriedade, Nori está disposta a lutar para fazer parte dele — uma batalha que poderá custar-lhe tudo, até a própria vida.

É tão bom quando um livro consegue despertar-nos emoções!

Este livro começa com o momento em que a mãe abandona Nori e a deixa entregue aos (des)cuidados dos avós. Estes, aristocratas japoneses, nunca aceitariam de bom grado a presença da neta, pelo facto de ter nascido de uma relação da filha com um afroamericano.

Remetida a um sótão, sem poder sair, escondida pelos avós, é submetida a banhos químicos muito dolorosos que pudessem aclarar-lhe a pele. Nori vai aprendendo a cultivar a resiliência, o silêncio, cada vez mais fechada em si mesmo, sem sequer poder utilizar a sua voz e ser simplesmente criança.

Nori era fruto de uma das relações extraconjugais da mãe que, quando o primeiro filho, fez 5 anos, também abandonou. Akira, esse filho, acaba por ir viver para casa dos avós, onde é tratado com todas as mordomias, uma vez que será o seu herdeiro. Akira tem intenção de conhecer a irmã, a quem, inicialmente, culpa pelo abandono da mãe. Porém, quando conhece a irmã, fica irremediavelmente preso àquele ser tão frágil e maltratado. Começa a intervir, junto da avó, pela conquista de alguma liberdade por parte da irmã.

E mais não digo!

Esta história de um amor fraternal é tão rica, tão intensa, que é impossível não nos comovermos. A vida é feita de notas soltas que se unem numa melodia de almas que se complementam, mas nem sempre o destino é justo.

Um belo livro! Recomendo!


Couto, Mia (2012).
A Confissão da Leoa. Lisboa: Editorial Caminho.

Nº de páginas: 272

Início da leitura: 26/05/2022

Fim da leitura: 27/05/2022

**SINOPSE**

Um acontecimento real - as sucessivas mortes de pessoas provocadas por ataques de leões numa remota região do norte de Moçambique - é pretexto para Mia Couto escrever um surpreendente romance. Não tanto sobre leões e caçadas, mas sobre homens e mulheres vivendo em condições extremas.

A Confissão da Leoa é bem um romance à altura de Terra Sonâmbula e Jesusalém, já conhecidos do leitor português.

 

Numa linguagem cuidada, metafórica, e poética, tão ao jeito de Mia Couto, somos transportados para África, mais especificamente para Kulumani, uma aldeia que vive atemorizada por leões, que têm vindo a atacar as mulheres. Arcanjo Baleiro é o caçador incumbido de matar os leões que assume, parte da narração. É acompanhado, da cidade à aldeia, de um escritor, Gustavo Regalo, incumbido de escrever sobre a caçada. Para o caçador, é um regresso a um espaço onde, 16 anos antes, salvara uma jovem, Miramar, de uma violação.

Mariamar, que também assegura a narrativa, com o regresso do caçador, enclausura-se em casa, onde vai divagando nas suas memórias, remetida à sua condição de nascida morta. Mas a morte não poderá ser uma forma de renascer?

Este é o ponto de partida desta história, que é muito mais do que sobre a caça a uma série de leões assassinos. É o ponto de partida para, partindo de vivências e pessoas reais, criar uma narrativa onde se evocam superstições, onde se denunciam situações de abuso do poder masculino, de abusos sexuais de pais em relação às filhas, a alienação, a desumanização, a existência feminina remetida à morte ao nascer, a anulação da existência feminina, a violência contra as mulheres, quer através de rituais de submissão ao poder masculino, quer porque alguma ousava pisar espaços destinados aos homens.

Aconselho a leitura!

Piedade, Susana (2022). Três Mulheres no Beiral. Alfragide: Oficina do Livro.

Nº de páginas: 296

Início da leitura: 24/05/2022

Fim da leitura: 26/05/2022

**SINOPSE**

Em plena Baixa do Porto há uma rua icónica com uma fiada de prédios, onde os modos tripeiros convivem com a música dos artistas, a sinfonia das obras, a vozearia dos bares e os bandos de turistas curiosos. É numa dessas casas que vive a octogenária Piedade desde que se lembra e onde tem amigas de longa data. Mas o terror instala-se quando - ofuscados pelo potencial deste Porto Antigo - os proprietários e investidores não olham a meios para se livrarem dos velhos inquilinos, que vão resistindo às suas ameaças como podem, mas começam a sentir na pele as represálias.

Neste cenário tenso e desumano desenrola-se a história de Três Mulheres no Beiral, que é também a de uma família reunida por força das circunstâncias, mas dividida por sentimentos e interesses: Piedade, que trata a casa como gente; José Maria, o filho incapaz de se impor e tomar decisões; Madalena, a neta que regressa com a filha ao lugar onde foi criada para reviver episódios marcantes do seu passado; e Eduardo, o neto egocêntrico e conflituoso que sonha ser rico desde criança e a quem a venda da casa só pode agradar.

Com personagens extremamente bem desenhadas num confronto familiar que trará ao de cima segredos que se pensavam esquecidos e enterrados, Susana Piedade mantém a expectativa até ao final neste romance notável e de rara humanidade que foi finalista do Prémio LeYa em 2021.

Este é o terceiro livro da autora e eu já tinha gostado dos outros dois. Este não foi exceção. Gosto da forma como Susana Piedade escreve, das metáforas, do realismo que imprime e que consegue, não apenas através da linguagem, mas pela forma como nos apresenta a narrativa e pela construção das personagens, pelas suas virtudes e defeitos, que as tornam tão verosímeis!

A ação decorre numa velha casa, na baixa do Porto, uma casa que surge personificada, que guarda histórias e segredos, que simboliza o ruir dos sonhos, o fim de uma vida, um prenúncio de morte (“Primeiro, a fuga de gás; depois, a incontinência do teto”). É nesta casa que vive Piedade, é desta casa que o neto, Eduardo, quer que ela saia, para poder vendê-la a imobiliárias, que compravam as casas por uma pechincha, e as restauravam para as alugar aos turistas que tinham começado a descobrir o Porto. Mas qual era o verdadeiro interesse de Eduardo na venda da casa e na sugestão, à avó, de ir para um Lar de Idosos? Cederá a octogenária à proposta do neto, deixando para trás um espaço onde viveu toda a sua vida, onde passou tantas provações, onde guarda os seus segredos? E a neta Madalena, estará ela de acordo com a proposta de Eduardo?

Uma obra belíssima, repleta de personagens tão reais, com sentimentos e pensamentos tão pessoais e fortes (nos quais, em muitos momentos me revi), que nos deixam irremediavelmente presos sem vontade de largar o livro. As descrições são encantadoras, bem como o desfiar de memórias e a linguagem repleta de vida e que imprime vida ao livro!

Deixo o cheirinho de uma passagem, como tantas outras, deliciosa: “Além da avó Piedade, ninguém mais juntava retalhos; haviam-se acomodado ao distanciamento, como se já não sentissem a falta uns dos outros. Mas, sem os nossos, somos gente sem teto”.

E como me identifiquei com esta passagem, que deixa uma nostalgia impregnada de saudades: “As férias grandes pareciam eternas e davam para tudo (…) As coisas simples tinham outro sabor, outro cheiro, outra graça; não havia fartura e ficava-se feliz com pouco. A vida gozava de robustez, apesar das suas inevitáveis fraquezas; as dificuldades eram sofríveis; e as crianças tinham medos de criança em vez de carregarem preocupações de adulto”.

Aconselho vivamente a leitura deste livro!

 

Mola, Carmen (2022). A Besta. Lisboa: Planeta de Livros.

Tradução: Paulo Ramos

Nº de páginas: 416

Início da leitura: 20/05/2022

Fim da leitura: 22/05/2022

**SINOPSE**

«- A Besta virá atrás de todos nós. A Besta vai matar-nos...»

Madrid, 1834. A cidade é assolada por uma terrível epidemia de cólera. Mas a peste não é a única coisa que aterroriza os seus habitantes: nos bairros mais pobres e esquecidos da cidade, aparecem cadáveres de meninas desmembradas que ninguém reclama. Tudo aponta para a Besta, um ser que nunca ninguém viu, mas que todos temem.

Quando a pequena Clara desaparece, a sua irmã Lucía, juntamente com Donoso, um polícia zarolho, e Diego, um jornalista hábil e fura-vidas, iniciam uma busca frenética para a encontrar. Pelo caminho conhecem frei Braulio, um monge guerrilheiro, e deparam-se com um misterioso anel de ouro com duas maças cruzadas que todos cobiçam, e pelo qual muitos estão dispostos a matar.

Três autores espanhóis assinam com o pseudónimo Carmen Mola - Jorge Díaz, Agustín Martínez e Antonio Mercero. Já tinha gostado de A Noiva Cigana, mas penso que este o superou, pelo menos no meu entender. Gosto da forma como toda a ação se desenrola, de forma imparável, mas com um fundo histórico que torna as histórias verosímeis, cativando-nos e prendendo-nos no seu enredo. Um pouco à maneira de Zafón, em termos do frenético ritmo, desta feita em Madrid de 1834.

As personagens estão muito bem construídas, captam a atenção, têm as suas virtudes e defeitos, sem que isso seja impedimento para empatizarmos com elas. Cativam pela pureza, pela força, pela coragem, pela persistência e pela forma como desafiam os seus próprios medos.

Numa época em que Madrid se vê assolado pela cólera, que mata tanta gente, duas crianças, cuja mãe foi vitimada por esta epidemia, veem-se sozinhas, aterrorizadas, cheias de fome. Acabam por roubar um anel que mudará o rumo das suas vidas. Lucía, a mais velha, no desejo urgente de cuidar da irmã, Clara, começa a trabalhar numa casa de prostituição. Alegra-a poder levar comida à irmã e quer ganhar dinheiro suficiente para mudarem de vida. Clara, quando se apercebe do esforço da irmã para cuidar dela, considera que também a deve ajudar e tenta vender o dito anel num prego. É a partir daqui que as suas vidas sofrem uma grande mudança, pois alguém quer muito este anel…

Mais não conto. Adoro a forma como estes escritores tecem a sua narrativa, que se torna empolgante, viciante, comovente e impossível de largar enquanto não se veem terminadas as 416 páginas, que lemos a um ritmo de tal forma intenso, que nem nos apercebemos e, quando acaba, queríamos mais. Quero muito ler mais livros deles. E, claro está, aconselho muito a sua leitura!

 Medel, Helena (2021). As Maravilhas. Lisboa: Publicações Dom Quixote.

Tradução: Vasco Gato

Nº de páginas: 208              

Início da leitura: 19/05/2022

Fim da leitura: 20/05/2022

**SINOPSE**

Qual o peso da família nas nossas vidas, e qual o peso do dinheiro?

Que acontece quando uma mãe decide não cuidar da sua filha, e quando uma filha decide não cuidar da sua mãe?

Seríamos diferentes se tivéssemos nascido noutro sítio, noutro tempo, noutro corpo?

Neste romance há duas mulheres: María, a que em finais dos anos sessenta deixa a sua vida numa cidade de província para trabalhar em Madrid; e Alicia, que faz o mesmo caminho trinta anos mais tarde, por razões distintas. E há, claro, a mulher que as une e de quem praticamente não se fala: filha de uma e mãe da outra.

As Maravilhas é um romance sobre o dinheiro, ou melhor, sobre como a falta de dinheiro pode determinar uma vida inteira de precariedade e matar todos os sonhos. Mas é também uma história sobre cuidados, responsabilidades e expetativas e sobre o passado recente desta nossa Península Ibérica, desde finais da ditadura até à explosão do feminismo, contada por duas mulheres que tão-pouco podem ir às manifestações lutar pelos seus direitos porque têm, claro, de trabalhar.

As Maravilhas foi “Melhor Livro do Ano 2020, recebendo o Prémio Francisco Umbral.

Gostei deste livro, que retrata, de uma forma dura, como pode uma vida dar uma volta de 180 graus. São histórias de mulheres, das suas entregas, das dificuldades que enfrentam, das suas lutas diárias, dos seus medos e sonhos. São mulheres que representam a sociedade, as desigualdades que estão na origem das suas personalidades, da forma como pensam e agem.

Em épocas distintas (de 1969 a 2018), três mulheres – María, Carmen e Alicia - a história de uma família que se desagregou e dos dramas femininos de que vão sendo feitas as suas vidas e vivências.

María é oriunda de famílias humildes, engravida aos 16 anos, acaba por ser abandonada pela filha e vive toda uma vida de intenso trabalho. Alicia é uma jovem que vive com todo o conforto que o negócio do pai lhe proporciona, mas não tem o carinho da mãe, que mal vê, pois passa o tempo fechada no quarto. Quando o pai, por dívidas acumuladas, vê como única saída o suicídio, não imagina o quanto a sua morte afetará a vida das filhas, em especial de Alicia, cuja morte do pai se torna num pesadelo recorrente e que vê a sua vida, de repente, desmoronar-se, sendo obrigada a mudar de escola, de casa, a trabalhar… Ela, que era uma jovem mimada, arrogante e até pretensiosa… Mas, afinal, de que forma se interligam as vidas destas mulheres?

Os factos históricos que servem de pano de fundo a uma Madrid e Córdova, onde decorrem as ações, como a ditadura franquista, a afirmação do feminismo, enriquecem, sem dúvida, este romance que se lê num ápice. Gostei muito e aconselho a leitura!

Chiziane, Paulina (2003). Balada de Amor ao Vento. Lisboa: Editorial Caminho.

Nº de páginas:176

Início da leitura:18/05/2022

Fim da Leitura: 19/05/2022

**SINOPSE**

Sarnau e Mwando protagonizam esta estória de amor. Da juventude à idade madura, com eles percorremos os dias, os meses, os anos, os encontros e os desencontros, a dolorosa separação, o desespero, o sofrimento e a alegria, as lágrimas e os sorrisos.

Este é o segundo romance que leio da autora, embora tivesse sido o seu primeiro romance. Teve a sua primeira publicação em 1990, sendo igualmente o primeiro romance de uma mulher moçambicana.

A protagonista deste livro, Sarnau, uma jovem, narra as suas próprias memórias, a infância, o momento em que conquista Mwando (um jovem que estudava num seminário para ser padre, pertencente a uma família católica, que não aceitava a poligamia), o intenso amor vivido pelos dois, o afastamento, o momento em que se tornou rainha… E não me alongo muito mais nos acontecimentos narrados.

A narrativa de Chiziane cativa pelos elementos culturais que nos dá a conhecer (as crenças e superstições, a poligamia masculina, a sociedade patriarcal, o autoritarismo masculino, a função meramente reprodutora da mulher, a submissão/escravização da mulher ao autoritarismo do marido, a violência encarada como normal do marido em relação à(s) esposa(s), a subserviência feminina…), pelas fantásticas descrições da natureza tão prezada pelos africanos e que espelha os sentimentos, do efeito do Sol e da ausência deste no povo moçambicano e pela forma poética e dramática como escreve.

Recomendo a leitura!

Martin, Charles (2009). Até que o Rio nos Separe. Porto: Porto Editora.

Tradução: Ana Reis

Nº de páginas: 400

Início da leitura: 15/05/2022

Fim da leitura: 17/05/2022

**SINOPSE**

Doss Michaels nasceu e cresceu num parque de caravanas junto ao rio St. Mary e tenta sobreviver como pintor. Abigail Coleman é a única e lindíssima filha do mais poderoso senador da Carolina do Sul. Um único encontro foi suficiente para perceberem que ficariam juntos para sempre.

Após dez anos de casamento, Abbie debate-se com uma doença terminal. Sempre a seu lado, Doss trava com ela uma terrível batalha pela vida.

Quando Abbie elabora uma lista de dez coisas que gostava de fazer antes de morrer, Doss tudo faz para a ajudar a concretizar os seus desejos.

E, antes que seja tarde de mais, partem juntos para a viagem das suas vidas.

Gostei muito de ler este livro. Inicialmente, a capa deixou-me um pouco apreensiva, quer pela temática, quer por me parecer um romance um pouco lamechas. Mas não, com efeito, acaba por surpreender.

Vão-se intercalando narrativas passadas e presentes. No passado, temos a forma como Doss e Abigail, de mundos sociais muito distintos, se conheceram, como se começaram a relacionar, como parecia tudo tão perfeito, mesmo que o pai dela nunca tenha aceitado as origens humildes do genro. Depois, temos a fase de descoberta, por parte de Abigail, de um cancro, a vivência da doença até ao presente (algumas das descrições são duras de tão realistas). Apesar da doença, Abigail é uma pessoa encantadora, com força de vontade, espírito de resiliência e um sentido de humor muito peculiar.

No presente, temos Abigail e Doss a viverem uma série de aventuras, algumas bastante perigosas, de forma a que Abigail consiga cumprir a sua lista de coisas a fazer antes de morrer.

É muito difícil falar deste livro sem deixar antever um pouco da história, mas posso garantir que é um livro que comove, que nos faz sorrir, que revolta, que mexe com os nossos sentimentos. Por isso, aconselho a leitura. Saliento, ainda, o facto de Doss ser pintor, acreditando que, quem gosta de arte, gostará certamente das referências que vão surgindo ao longo da narrativa.

Saliento algumas gralhas que, mais uma vez, não sei como uma editora como a Porto Editora deixa passar e que maculam uma leitura que poderia ser excelente. Saliento, ainda, um erro que não suporto. De uma vez por todas, nós não desfolhamos livros, folheamo-los, se não os livros ficariam sem folhas. Desfolhar que se desfolhe, por exemplo, o milho!

Schrobsdorff, Angelika (2018). Tu Não És Como as Outras Mães. Lisboa: Alfaguara.

Tradução: Helena Topa

Nº de páginas: 568

Início da leitura: 14/05/2022

Fim da leitura: 15/05/2022

**SINOPSE**

Quando se pensa que já se leu tudo sobre a Segunda Guerra Mundial, chega um testemunho incrivelmente vívido de uma família que sobreviveu ao Holocausto.

Esta é a história de uma vida maior que a vida, um retalho de História extraordinário.
Quem nos conta a história é Angelika Schrobsdorff, importante escritora de origem alemã.
Era filha de Else e demorou quinze anos a pôr no papel a história da mãe, sem sentimentalismos, mas com o amor e a admiração inevitáveis, criando um pedaço de grande literatura, um clássico do nosso tempo.

Um livro de pendor autobiográfico, ainda que ficcional (ficção autobiográfica), que nos fala da II Guerra numa perspetiva diferente da que estamos habituados a ler. Else é mãe de três filhos de três homens diferentes: Angelika, Peter e Bettina. Apesar de judia, vive como uma alemã, em Berlim e revela-se uma pessoa única, diferente das mães convencionais. Aliás, antes mesmo de ser mãe, já não era como as outras raparigas. Apesar de mimada, egoísta e até infantil, femme fatale, que se converte ao cristianismo (o que não era muito comum entre judeus) ficando algumas sugestões de um romance com o padre, revelou-se também dotada de uma grande generosidade no amor, capacidade de compreensão, prezou sempre a sua liberdade e viveu uma vida muito pouco convencional.

Neste romance é bem percetível a forma como a guerra foi entrando nas cidades e na vida das pessoas. Em Berlim, viviam-se tempos áureos, onde a boémia e a cultura andavam a par e passo. A partir do momento em que começa a perseguição movida aos judeus, a protagonista vê-se obrigada a divorciar-se para se casar ficticiamente com um búlgaro para, assim, se salvar da perseguição nazi. Mas, a própria filha se questiona: como terá sido ela capaz de deixar os pais, sabendo o que se estava a passar?

Durante a estadia de Elsa na Bulgária, os filhos assumem posições diferentes: “Else estava a ser triturada entre os três filhos: Peter, que queria ser judeu a cem por cento, Bettina, que passara para o lado dos nazis, Angelika, que não era capaz de formar uma ideia quer de uns quer de outros”. Talvez seja este o grande motivo por que a própria Else sentia que tinha falhado como mãe.

A história é narrada pela filha Angelika, que nos vai expondo as dúvidas que a vão assolando, enquanto criança que é, sobre tudo o que se está a passar, sobre as alterações no comportamento da mãe, a forma como se relaciona com os filhos e até com os pais.  

Outra forma narrativa que permite complementar a narração de Angelika, são as cartas que a mãe vai trocando com outras personagens, especialmente com os filhos.

Apesar de Else se ter recriminado toda a vida pelo que não fez pelos filhos, pela mãe que não conseguiu ser, penso que é uma personagem incrível, que acaba, pela sua forte personalidade, por nos fascinar.

Achei curioso conhecer a Alemanha do pós-guerra, porque, de certa forma, todos sofreram com a guerra, que acaba por deixar marcas profundas em todos os países envolvidos.

Além da história, é de referir que o livro está muito bem escrito e que, por todos estes motivos, recomendo a sua leitura.

Sukegawa, Durian (2022). Doce Tóquio. Alfragide: Edições ASA II.


Tradução: Isabel Veríssimo

Nº de páginas: 192

Início da leitura: 12/05/2022

Fim da leitura: 13/05/2022

**SINOPSE**

Apenas as cerejeiras denunciam a passagem do tempo. Primeiro com os seus pequenos botões, depois com as delicadas pétalas que voam ao vento… Numa pequena pastelaria perdida nas ruas de Tóquio, os dias sucedem-se sempre iguais. É aí que Sentarô confeciona dorayaki, um doce tradicional japonês ao qual não dedica grande atenção. Sentarô parece, aliás, ter desistido da vida. Abandonou o sonho de ser escritor, bebe demasiado e não tem amigos.

Mas tudo está prestes a mudar.

No seu caminho surgem Tokue, uma senhora idosa que se entrega à preparação de dorayaki de alma e coração; e Wakana, uma menina solitária que se debate com os seus próprios fantasmas. Aos poucos, os improváveis companheiros descobrem que têm muito a oferecer uns aos outros. Mas Tokue esconde um passado turbulento que, inevitavelmente, vem ao de cima… com consequências devastadoras.

Doce Tóquio é uma história comovente sobre a fragilidade humana, o poder redentor da amizade e a beleza das coisas simples. Numa prosa límpida e bela, Durian Sukegawa fala sobre o nosso propósito na vida, exortando-nos a parar, a escutar e a observar, sempre. Um livro que encanta leitores de todas as idades, intemporal e pleno de sabedoria.

A primeira coisa que me encantou neste livro foi a capa, a escolha das cores suaves, o olhar das personagens retratadas, as cerejeiras, que têm uma simbologia tão marcante no livro! Espero, sinceramente, que, pelo facto de já haver filme deste livro, não alterem nunca a capa e coloquem a

do filme. Normalmente, é assim que assassinam as capas dos livros. Há que perceber que o livro e o filme são distintos. As capas também o devem ser!

Esta é uma história singela, contada de uma forma doce, e, ao mesmo tempo, repleta de tradição, histórias, lições de vida, crenças, amizade e do valor e beleza de todas as coisas simples que nos rodeiam sempre com algum propósito.

A narrativa começa numa pastelaria, no centro de Tóquio, onde Sentarô vende os seus dorayaki. Tokue é uma senhora de alguma idade, que para ao pé da pastelaria e pede emprego a Sentarô. Este, recusa. Ela, volta e deixa-lhe uma pequena porção do seu doce de feijão, muito diferente do doce sem alma que ele coloca nos seus dorayaki. Acaba por contratá-la, pensando apenas no facto de lhe pagar pouquíssimo e de poder vir a obter lucros elevados na venda dos seus doces. Mas há uma explicação para o facto de ele querer obter lucro rapidamente. Também aqui é abordada a questão do preconceito relativamente à diferença. Sentarô não quer que Tokue saia da cozinha e se apresente aos clientes, que poderiam deixar de aparecer ao vê-la, ao ver a deformidade dos seus dedos. Também para isto há uma explicação. Passados de sofrimento que convergem e que fazem despertar valores mais elevados do que os que se mostram inicialmente. Depois, temos uma adolescente, Wakana, também ela com problemas. Uma amizade improvável entre três gerações distintas vai contar-nos uma doce história de superação, de coragem, de resiliência, de amizade.

Gostei e aconselho a leitura!

Buzzati, Dino (2021). O Deserto dos Tártaros. Lisboa: Cavalo de Ferro Editores.

Tradução: Maria Periquito

Número de páginas: 232

Início da leitura: 09/05/2022

Fim da leitura: 12/05/2022

**SINOPSE**

«Um dos romances mais importantes da história da Literatura mundial.» — Umberto Eco

Recém-nomeado oficial, Giovanni Drogo é destacado para a inóspita Fortaleza Bastiani, situada no limite do deserto, outrora reino dos míticos Tártaros. Uma vez lá chegado, Drogo é contaminado pelo clima heróico e ávido de glória que parece petrificar, numa espera perene, oficiais e soldados. Passam-se meses e anos, devorando juventude e sonhos. Todos aguardam o dia em que os inimigos virão do Norte e a guerra terá início.

Uma das obras-primas do século XX, que projetou a fama internacional de Buzzati, O Deserto dos Tártaros foi publicado em 1940 e adaptado ao teatro por Albert Camus e ao cinema, num filme de culto realizado por Valerio Zurlini.

Gostei imenso deste livro, do seu poder simbólico, da forma como está escrito, da mensagem transmitida. De tudo!

Quanto a mim, é uma história de esperança, mas também de medo de enfrentar novos desafios. A esperança é o que move o protagonista e o leva a deixar tudo por algo em que acredita. Quando se depara com a fortaleza abandonada, o impulso imediato é o de regressar a casa. Mas há algo naquele lugar inóspito que prende.

Depois, vem a perseverança, ainda que, naquele local, o tempo deixe de ter um real valor, é como se não dessem pela passagem dos dias.

Finalmente, há uma habituação, torna-se normal estar ali. De realçar que, apesar de o protagonista ter sempre acreditado que, mais tarde ou mais cedo, a guerra viria, acabou por se deixar contagiar pela inércia, pela calmaria dos seus dias (ainda que sempre em vigilância), os atos mecanizados. Essa inércia pode, com efeito, tornar-se numa forma de comodismo, que é mais fácil do que enfrentar novos desafios.  Como dizia Saramago no «Conto da Ilha Desconhecida», "Disseram-me que já não há ilhas desconhecidas, e que, mesmo que as houvesse, não iriam eles tirar-se do sossego dos seus lares e da boa vida dos barcos de carreira para se meterem em aventuras oceânicas, à procura de um impossível, como se ainda estivéssemos no tempo do mar tenebroso". É esta inércia, esta falta de crença que se vai apoderando do homem resignado. A mecanização dos hábitos, acaba por gerar formas diferentes de estar e de encarar os desafios. Cito ainda a propósito desta ideia uma estrofe do poema "O Quinto Império" de «A Mensagem» de Fernando Pessoa:  "Triste de quem vive em casa,/Contente com o seu lar,/Sem que um sonho, no erguer de asa,/Faça até mais rubra a brasa/Da lareira a abandonar!". Contudo, considero, e para finalizar, que, o protagonista parte em busca dos seus sonhos, acredita até ao fim na luz que surgirá do lado de lá daqueles morros, por isso mesmo, saliento o seu grande espírito de resiliência.

Aconselho vivamente a leitura deste livro. É fantástico!

Junior, Itamar Vieira (2018). Torto Arado. Alfragide: Leya.

Nº de páginas: 280

Início da leitura: 07/05/2022

Fim da leitura: 09/05/2022

**SINOPSE**

Prémio Leya 2018

Prémio Oceanos 2020

Um livro comovente que traz a herança dos clássicos

Bibiana e Belonísia são filhas de trabalhadores de uma fazenda no Sertão da Bahia, descendentes de escravos para quem a abolição nunca passou de uma data marcada no calendário. Intrigadas com uma mala misteriosa sob a cama da avó, pagam o atrevimento de lhe pôr a mão com um acidente que mudará para sempre as suas vidas, tornando-as tão dependentes que uma será até a voz da outra.

Porém, com o avançar dos anos, a proximidade vai desfazer-se com a perspetiva que cada uma tem sobre o que as rodeia: enquanto Belonísia parece satisfeita com o trabalho na fazenda e os encantos do pai, Zeca Chapéu Grande, entre velas, incensos e ladainhas, Bibiana percebe desde cedo a injustiça da servidão que há três décadas é imposta à família e decide lutar pelo direito à terra e a emancipação dos trabalhadores. Para isso, porém, é obrigada a partir, separando-se da irmã.

Numa trama tecida de segredos antigos que têm quase sempre mulheres por protagonistas, e à sombra de desigualdades que se estendem até hoje no Brasil, Torto Arado é um romance polifónico belo e comovente que conta uma história de vida e morte, combate e redenção, de personagens que atravessaram o tempo sem nunca conseguirem sair do anonimato.

Torto Arado conta a história de duas irmãs, Bibiana e Belonísia, filhas de um curador, Zeca Chapéu Grande. Designados como quilombolas, descendentes de escravos, vivem numa roça no sertão da Bahia. Apesar de já não serem escravos, vivem como tal, uma vez que, apesar de terem uma casa e um pedaço de terra para trabalhar, nada lhes pertence, continuando a ter de dar parte do que cultivam ao dono da fazenda. Um trabalho árduo numa terra nem sempre fértil.

A vida das duas irmãs sofre uma transformação quando, certo dia, ao remexerem numa mala da avó, que ela guardava debaixo da sua cama, acabam por mexer no que não devem, magoando-se. Este acidente vai uni-las ainda mais, como se passassem a ser uma só. Pelo menos até à adolescência.

Destaco a forma como é abordada a figura feminina, que sobrevive a toda a violência e opressão pela sua força e coragem.

De referir, também, a forma como o autor escreve, numa linguagem límpida, mas que comove e, qual arado, se adentra das mentes mais sensíveis a estas questões humanitárias. Mas, para além do amargor que advém da rudeza, da miséria e da insegurança que tão presentes estiveram na vida destas personagens, fica-nos uma lição de coragem e de resiliência, Bem como o conhecimento da sua história, cultura, sociedade e formas de pensar.

Recomendo vivamente!

Slaughter, Karin (2022). Falsa Testemunha. Madrid: HarperCollins.

Tradução: Fátima Tomás da Silva

Nº de páginas: 504

Início da leitura: 05/05/2022

Fim da leitura: 07/05/2022

**SINOPSE**

Uma vida comum...

Leigh Collier trabalhou arduamente para construir uma vida aparentemente normal. É advogada de defesa num prestigiado escritório de advogados em Atlanta, faria tudo pela sua filha Maddy de dezasseis anos, e está a conseguir, com sucesso, partilhar a sua educação, apesar da pandemia, depois de uma amistosa separação do seu marido Walter.

Oculta um passado devastador...

Contudo, a vida quotidiana de Leigh esconde uma infância que ninguém devia ter de suportar... uma infância toldada por segredos, devastada pela traição e, finalmente, destruída por um ato brutal de violência.

Porém, agora, o passado regressou...

Num domingo à noite, enquanto assiste a uma peça de teatro na escola da sua filha, recebe uma chamada de um dos sócios da empresa que quer que Leigh defenda um homem rico acusado de múltiplos casos de violação. Embora desconfie do caso, é evidente que não tem muitas opções se quiser manter o seu emprego. Quando se encontra cara a cara com o acusado...

Confesso que, no início, este livro não me prendeu de imediato, revelando até uma certa vulgaridade em termos de linguagem. Mas, à medida que história foi avançando, foi-me prendendo progressivamente, terminando de forma a deixar-me rendida.

Callie e Leigh são as duas irmãs que protagonizam o livro. Depois de uma infância sem amor e sem o apoio incondicional que se espera de uma mãe, veem-se obrigadas a trabalhar desde muito novas. Leigh consegue, aparentemente, separar o passado marcante da sua profissão. Estudou e é advogada. Callie revela-se aparentemente mais fraca, tendo caído no vício das drogas, do qual não consegue sair. No passado, foram vítimas abusos sexuais sádicos e extremamente violentos, o que as marca para sempre e volta à tona servindo de premissa ao presente.

Durante a fase de pandemia por COVID19, Leigh vê-se a braços com um novo caso: a defesa de um homem abusador, que refere que a conhece e que vem despertar o sórdido passado aparentemente adormecido.

Apesar de a história em si me ter conquistado, o livro poderia ser menos longo, evitando-se demasiadas repetições que eram, quanto a mim, desnecessárias.

Allende, Isabel (2022). Violeta. Porto: Porto Editora.

Tradução: Carla Ribeiro

Nº de páginas: 360

Início da leitura: 03/05

Fim da leitura: 05/05

**SINOPSE**

Violeta del Valle é a primeira rapariga numa família de cinco irmãos truculentos. Nasce num dia de tempestade, em 1920, quando ainda se sentem os efeitos devastadores da Grande Guerra e a gripe espanhola chega ao seu país natal, na América do Sul.

Graças à ação determinada do pai, a família sairá incólume desta crise, apenas para ter de enfrentar uma outra: a Grande Depressão. A elegante vida urbana que Violeta conhecia até então muda drasticamente. Os Del Valle são forçados a viver numa região selvagem e remota, onde Violeta atinge a maioridade e viverá o primeiro amor.

Décadas depois, numa longa carta dirigida ao seu companheiro espiritual, o mais profundo amor da sua longa existência, Violeta relembra desgostos amorosos e apaixonadas relações, momentos de pobreza e de prosperidade, perdas terríveis e alegrias imensas. A sua vida será moldada por alguns dos momentos mais importantes da História: a luta pelos direitos da mulher, a ascensão e queda de tiranos, os ecos longínquos da Segunda Guerra Mundial.

Contado a partir do olhar de uma mulher determinada, de paixões intensas, com uma vida plena de sobressaltos, Violeta é um romance épico, inspirador e emotivo, ao melhor estilo de Isabel Allende.

Violeta del Valle nasce em 1920, quando a pandemia por Gripe Espanhola chega ao seu país, na América do Sul e morre em 2020, durante a pandemia por COVID19. Cem anos de muitas vivências e memórias que deixa registadas, em cartas, para serem entregues ao neto Camilo, com o testamento. Um testamento repleto de memórias. Acompanhamos Violeta, desde o seu nascimento, a rebeldia e amuos da infância, o crescimento que a fez amadurecer no momento em que, devido à Grande Depressão, teve de se refugiar numa fazenda distante na qual aprendeu a trabalhar a terra. Torna-se numa jovem forte, mas o amor é capaz de mostrar as nossas maiores fraquezas. Ainda assim, revela-se determinada e acaba por ir revelando um crescimento psicológico ao longo da ação que faz dela uma mulher mais compreensiva, mais esclarecida e socialmente mais interventiva.

Como nos é dito no livro “A viagem da vida faz-se de longos troços entediantes, passo a passo, dia a dia, sem que nada de impressionante aconteça, mas a memória é feita dos acontecimentos inesperados que marcam o trajeto. São esses que vale a pena narrar.”

E esses acontecimentos prendem-nos à história. Uma história feita de histórias e de temáticas bastante interessantes e magistralmente bem escritas: a ausência da mãe mesmo que presente (quantas não há assim?), a violência doméstica, o vício da droga, a prostituição, a perda de uma filha, as crises políticas, a violência, a homossexualidade feminina, os movimentos feministas, a evolução social, a crise económica…. Muitos são os temas abordados.

Destaco, ainda, o momento em que Violeta diz “Nada me ligava a ele, não precisava dele, era livre e sustentava-me sozinha, mas foram precisos anos para eu acabar com esse abuso. Medo? Sim, havia temor, mas também insegurança, dependência emocional, inércia e a regra do silêncio que me impedia de falar do que se passava comigo; isolei-me.”

Uma forma tão direta de descrever o que se passa, ainda hoje, com tantas mulheres vítimas de abusos! Vale a pena refletir. Como é que uma mulher determinada, com sucesso nos negócios se deixa enredar nas teias de um amor que só lhe traz instabilidade, sofrimento e violência?

E muitos, muitos outros acontecimentos nos são aqui narrados. Afinal, trata-se de uma vida plena, de 100 anos.

Aconselho a leitura!

Cruz, Afonso (2018). A Boneca de Kokoschka. Lisboa: Companhia das Letras.

Nº de páginas: 280

Início da leitura: 01/05/2022

Fim da leitura: 01/05/2022

*SINOPSE**

O pintor Oskar Kokoschka estava tão apaixonado por Alma Mahler que, quando a relação acabou, mandou construir uma boneca, de tamanho real, com todos os pormenores da sua amada. A carta à fabricante de marionetas, que era acompanhada de vários desenhos com indicações para o seu fabrico, incluía quais as rugas da pele que ele achava imprescindíveis. Kokoschka, longe de esconder a sua paixão, passeava a boneca pela cidade e levava-a à ópera. Mas um dia, farto dela, partiu-lhe uma garrafa de vinho tinto na cabeça e a boneca foi para o lixo. Foi a partir daí que ela se tornou fundamental para o destino de várias pessoas que sobreviveram às quatro toneladas de bombas que caíram em Dresden durante a Segunda Guerra Mundial.

Como em todos os seus livros, Afonso Cruz presenteia-nos, mais uma vez, com a sua prosa poética. Além disso, é um livro repleto de personagens muito sui generis. A título de exemplo, temos o homem que tem reticências na cabeça e que olha para tudo com o deslumbramento de uma primeira vez; temos o jovem Isaac que se esconde de uma perseguição nazi numa loja de pássaros, em Dresden; a história verídica de Oskar Kokoschka, que, abandonado pela mulher amada, decide fazer uma boneca à sua semelhança, que leva para todo o lado (até ao teatro) e que, a certa altura, a deita fora; o homem que encontra a boneca no lixo e considera que é uma deusa; Adela é uma personagem que procura desenterrar o passado e acaba por descobrir que a avó, sem saber, mantivera relações com um sobrinho. Mas o que parecem personagens de histórias desligadas entre si, num enviesado labirinto, acaba por não ser bem assim. A certa altura, percebemos que há entre elas uma ligação. E não posso dizer muito mais, pois a ligação entre estas personagens tem de ser feita pelo leitor.

A guerra é o pano de fundo nas várias histórias, que nos vão sendo magistralmente contadas, quer na fase da guerra propriamente data, quer no pós-guerra.

Apesar de não ser dos livros que mais gostei de Afonso Cruz, tenho de reconhecer a qualidade literária do autor, a subtileza metafórica da linguagem, a riqueza da mensagem que transmite.

Lefteri, Christy (2019). O Apicultor de Alepo. Alfragide: ASA II.

Tradução: Hugo Gonçalves

Nº de páginas: 320

Início da leitura: 28/04/2022

Fim da leitura: 30/04/2022

**SINOPSE**

Nuri é apicultor; a sua mulher, Afra, uma artista. Vivem uma vida simples, com uma bela família e amigos, na bonita cidade Síria de Alepo. Até que o impensável acontece. Quando tudo aquilo que lhes importa é destruído pela guerra, são forçados a fugir.

Mas aquilo que a Afra viu é tão horrível que ela fica cega, e por isso embarcam numa perigosa viagem pela Turquia e Grécia, até ao futuro incerto no Reino Unido. Na travessia, o Nuri agarra-se à esperança de reencontrar o seu primo Mustafa, e sócio nos negócios, que criou apiários na Inglaterra e que ensina apicultura aos refugiados em Yorkshire. Nuri e Afra viajam por um mundo despedaçado e têm de confrontar a indizível dor da sua perda, enquanto enfrentam perigos que assustariam a mais corajosa das almas.

Acima de tudo — e talvez esta seja a coisa mais difícil que eles enfrentam —, têm de se encontrar um ao outro. Comovente, poderoso, escrito com enorme beleza e compaixão, O apicultor de Alepo é um testemunho do triunfo do espírito humano. Contado de uma forma clara, é o tipo de livro que nos recorda o poder das boas histórias.

Esta é uma história duríssima, mas necessária. Se já vamos tendo um ínfimo conhecimento das atrocidades da II Guerra Mundial, graças a pessoas que as vivenciaram e humildemente partilharam connosco para que não se voltem a repetir, reconheço que tinha ainda algum desconhecimento, fora do que ia sendo noticiado, sobre a guerra na Síria. Muita crueldade, muito terror, muitas doenças provocadas pelo choque de se perderem entes queridos.

A autora trabalhou em Atenas como voluntária num centro para refugiados e, percebendo que estas pessoas queriam partilhar com ela as suas histórias, que as crianças desenhavam balões, árvores e cadáveres, marcaram-na a ponto de, ao regressar a Londres, não conseguir esquecer-se das atrocidades descritas. Este romance foi a forma que encontrou para contar essas histórias, preservando as identidades. As personagens foram ficcionadas a partir de acontecimentos e pessoas reais.

Acompanhamos as personagens, sempre na expetativa de as ver libertarem-se de todos os horrores, por isso, sofremos com elas. Mas também nos congratulamos com as pequenas conquistas e com o amor que é a âncora da sobrevivência e da renovação.

Aconselho vivamente!

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Professora de português e professora bibliotecária, apaixonada pela leitura e pela escrita. Preza a família, a amizade, a sinceridade e a paz. Ama a natureza e aprecia as pequenas belezas com que ela nos presenteia todos os dias.

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