Histórias Soltas Presas Dentro de Mim

 Schmitt, Eric-Emmanuel (2013). O Senhor Ibrahim e as Flores do Alcorão. Lisboa: Marcador Editora.


Início da leitura: 31/08/2020

Fim da leitura: 31/08/2020

Este foi, seguramente, o melhor livro que li deste autor, não desprestigiando os outros, igualmente bons.

O Senhor Ibrahim e as Flores do Alcorão é um pequeno livro escrito por Eric-Emmanuel Schmitt e traduzido por Luzia Almeida.

Basicamente, conta-nos a história de Moisés ou Momo, um rapazinho que vive com o pai, um advogado judeu. Logo em criança, é rejeitado pela mãe, que, segundo o pai, terá fugido com o irmão, Popol. O pai faz questão de o inferiorizar em relação ao suposto irmão e Moisés sente-se rejeitado, pois nunca atingiria a perfeição do “irmão”.

Aos 11 anos, decide partir o mealheiro para ir às putas. Foi por essa altura que conheceu O Senhor Ibrahim, um merceeiro árabe do bairro, com o qual trava conhecimento. É com ele que Moisés aprende a arte de amealhar, de, através do sorriso, conseguir o que quer das pessoas, de tirar partido das coisas, mas também aprende a apreciar tudo o que a vida lhe oferece.

Quando o pai de Moisés, se vai embora e, mais tarde, é encontrado morto numa linha de comboio, quando a mãe regressa e diz que não teve mais nenhum filho, Moisés pede ao Senhor Ibrahim para o adotar. Assim acontece. Ibrahim vende a mercearia e compra um carro, no qual partem para o país natal do velho homem.

Esta acaba por constituir uma viagem de aprendizagens de Moisés para a vida.

Aprende o quão interessante é o universo com o Senhor Ibrahin e a sua tagarelice; a distinção entre os países pobres e os países ricos a partir da forma como têm ou não o seu lixo (um momento tão interessante!); que é através de pequenos caminhos que mostram “tudo o que há para ver” que se deve viajar; que a felicidade está na lentidão pois só assim o tempo ganha qualidade; que se consegue adivinhar as religiões através dos cheiros (que máximo!); ensinou-o a dançar, rodopiando com os dervixes (religiosos muçulmanos da Ordem Dervish Mevlevi), e foi rodopiando que libertou todo o ódio que tinha dentro dele e encontrou a felicidade; que, para conquistar uma rapariga, não deve olhar para ela pensando o quão bonito se deve achar, mas achando-a a ela a rapariga mais bela que já viu.

Como terminará esta viagem de Moisés e Ibrahim? Como será este regresso à terra natal? O que esconderia o livro de Alcorão?

Um livro imperdível, doce, terno, sábio e tão bem escrito. Recomendo vivamente!

⭐⭐⭐⭐⭐ Estrelas.

                                            Célia Gil

Hosseini, Khaled (2018). Uma Prece ao Mar. Barcarena: Editorial Presença.


Início da leitura: 30/08/2030

Fim da leitura: 30/08/2020

Uma Prece ao Mar é um pequeno livro escrito por Khaled Hosseini, maravilhosamente ilustrado por Dan Williams e traduzido por Manuela Madureira.

O escritor inspirou-se na história de um menino sírio de 3 anos, Alan Kurdi, que morreu no mar Mediterrâneo quando fugia com a família, em busca de um porto de abrigo na Europa. É também dedicado a milhares de refugiados que morreram ao fugirem da guerra e da perseguição nos seus países.

Narrado de uma forma poética, em que as imagens valem por muitas palavras, este é um livro enternecedor, que facilmente nos faz chorar.

Conta a história de um pai que, enquanto espera o barco que lhes poderá devolver a esperança, vai embalando o filho e reconfortando-o com histórias da sua própria infância feliz, quando se divertia a ser criança com os irmãos na casa de quinta do avô. 





Mas o balido das cabras, o som dos tachos da avó, o ar fresco e o sol, as frutas, as flores, os passeios do filho com a mãe, o som das represas e regatos, os passeios pelas mesquitas repletas de vida de Homs, deram lugar aos protestos, ao cerco, às bombas, à fome, aos funerais, aos escombros de um passado que ruiu. 





Na praia escura e fria, aguardam um barco que os possa salvar. Este pai sente-se dilacerado pela fé que o filho deposita nele e resta-lhe apenas rezar pela "carga mais preciosa de sempre", que a embarcação transportará, o filho.




É impossível não se ficar comovido, não sofrer com este pai. Tão lindos os sentimentos numa realidade tão dura e cruel.

⭐⭐⭐⭐⭐ Estrelas.

                                            Célia Gil


Alegre, Manuel (2010). O Miúdo que Pregava Pregos numa Tábua. Alfragide: Publicações Dom Quixote.


Nº de páginas: 112

Início da leitura: 29-08-2020

Fim da leitura: 29-08-2020

O Miúdo que Pregava Pregos numa Tábua é uma novela, escrita por Manuel Alegre em 2009, que adorei ler.

Estou ainda a pensar “Como hei de falar deste livro?” Um livro tão pequeno e, ao mesmo tempo, com tantas histórias e vida lá dentro!

É um livro pequeno porque, segundo o próprio autor, estas coisas da escrita são como o jogo de escondidas que joga com os netos, em que muito se quer dar a mostrar e outro tanto se esconde e, apesar de escondido, anseia-se por se ser descoberto.

Numa espécie de “ziguezague” narrativo, entre os vários momentos da sua vida, o narrador/autor vai revelando e entrelaçando acontecimentos. Conta-nos do menino que pregava pregos numa tábua, mas que, afinal, é ele próprio, que engoliu os comprimidos do avô, que caçava narcejas, que se sentia nu quando o obrigavam a vestir manga curta, que contava sílabas pelos dedos, que tamborilava com os dedos todos os ritmos da vida, que decidiu continuar Os Lusíadas, que veio com a equipa de natação da Académica à inauguração da Piscina Municipal do Fundão… A par disto, vai-nos contando sobre os poetas que lê; os que conheceu, como Sophia de Mello Breyner Andresen e Miguel Torga. Narra a sua passagem pela guerra colonial, quando foi preso pela PIDE; o momento em que, devido a uma artéria bloqueada, esteve entre a vida e a morte e o único pedido que fez foi acabar o romance que andava a escrever, “o livro da vida”, “o pulsar do mundo a bater no coração de um homem, é isso a escrita”.

Estes são fragmentos da história de vida de um escritor que confessa que pouco ou nada sabe de literatura, mas “sabe da respiração da terra, que essa, sim, tem a ver com o ritmo e a respiração da escrita”.

Muitos outros excertos mereceriam destaque, mas prefiro deixar a sugestão de leitura. Deixem-se cativar, como eu me cativei, por este miúdo que pregava pregos numa tábua e surpreendam-se com esta novela, onde se respira poesia, ritmo e vida.

Dou a este livro ***** estrelas.

 

 Hart, Angela (2019). A Força do Amor. Lisboa: Marcador Editora.


Nº de páginas: 240

Início da leitura: 26-08-2020

Fim da leitura: 28-08-2020


A Força do Amor é um livro de Angela Hart, traduzido por Carla Morais Pires.

Para quem gosta de histórias reais e que envolvam crianças, esta é uma dessas histórias.

Angela e Jonathan constituem uma família de acolhimento, que vive em Inglaterra, já com alguma vasta experiência em acolhimento de crianças e jovens, quando acolhem Keeley. Porém, esta menina de oito anos vai revelar-se diferente de todas as crianças e jovens que acolheram.

 Keeley é uma criança verdadeiramente difícil e com a qual não sei se conseguiria lidar. Embirrenta, má, capaz das maiores atrocidades em relação a outras crianças e mesmo adultos, capaz de ofensas graves e de utilizar uma linguagem muito malcriada e ofensiva.

Admirei a coragem desta mãe de acolhimento, pela sua resiliência, paciência, capacidade de ponderar sempre o que estava para trás e que terá tornado esta criança assim, tão amarga e maquiavélica. Nem sempre foi fácil, momentos houve em que Angela ponderou se estaria a fazer o correto, se conseguiria ultrapassar estas dificuldades e tornar a vida de Keeley mais feliz. Mas há em Angela uma força interior capaz de perdoar, capaz de ponderar, que a torna tão forte e tão compreensiva, o que, realmente, me leva a admirá-la.

Como já mencionei, eu não teria este “estofo” para ultrapassar todas estas provações. Em determinados momentos, fiquei com os nervos em franja e com vontade de dar umas boas reprimendas a esta criança de comportamento tão detestável. Porém, fez-me pensar, qual a melhor forma para lidar com crianças que tiveram uma infância de abusos e rejeições? Até que ponto se pode aceitar tudo, todo o comportamento atual em função desse passado? Onde se situa o limite, quando esta situação ultrapassa todos os limites? Será o amor uma força suficientemente forte para ultrapassar todos os traumas?

Um livro que nos envolve, nos faz “suar”, questionar e ponderar. Vale a pena ser lido por quem gosta destas temáticas.

O facto de ter sido representante da Educação numa Comissão de Proteção de Crianças e Jovens durante três anos, faz com que sejam temáticas que me interessam.

Dou a este livro **** estrelas.

                                                                                  Célia Gil

Kate, Lauren (2020). A Canção do Órfão. Amadora: Topseller.

Nº de páginas: 336

Início da leitura: 23-08-2020

Fim da leitura: 25-08-2020

 

A premissa deste livro é interessante. Violetta e Mino vivem no Incuráveis, um hospital convertido em orfanato, cujo conservatório se dedica a ensinar música aos órfãos.

Violetta é uma soprano sonhadora, malgrado o ambiente rígido em que vive e anseia conhecer o mundo que vislumbra do telhado do orfanato, a bela Veneza. É ali que a sua vida se cruza com a de Mino, um violinista, que também anseia por se libertar do orfanato para rapazes onde vive e encontrar a sua mãe. Ambos sonham ter uma família, um lar e apoiam-se numa amizade crescente, ligada pela música. Mas acontecerá tudo como ambicionam? Que dificuldades os esperam no mundo lá fora?

Devo referir que não foi dos meus livros preferidos, pela forma como está escrito. Tem, inicialmente, momentos muito parados, onde tudo decorre com grande morosidade e, mais à frente, bem como no final, parece que foi alinhavado à pressa, carecendo de um maior desenvolvimento.


Dou a este livro três estrelas.

 

 


Ferro, Maria Eulália (2010). Recordações do Mato. Lisboa: Editorial Minerva


Nº de páginas: 104

Início da leitura: 23-08-2020

Término da leitura: 23-08-2020

Recordações do Mato é um livro escrito de Maria Eulália Ferro, uma transmontana, nascida em 1933 em Mirandela.

Lê-se num ápice, não só pela extensão, mas pela acessibilidade e caráter denotativo da mensagem. De forma simples e direta, a autora recorda os 27 anos em que viveu em Moçambique, relatando-nos vivências, tradições, episódios hilariantes, constrangimentos e, acima de tudo, a felicidade que caracterizou a sua estadia em África.

É evidente que gostei das histórias, que me relembram Angola, por várias características e vivências semelhantes.

Porém, penso que a autora poderia ter tido um cuidado maior com a linguagem, o texto poderia ter sido revisto e poderia ainda ter desenvolvido mais alguns relatos, uma vez que a sua magia se perde na forma como a mensagem surge condensada e breve. Talvez um pouco mais de uma partilha mais intensa de sentimentos, nos tivesse deixado mais emocionados. Neste tipo de relatos, queremos, nós leitores, sentir os cheiros, arrebatar-nos com o pôr-do-sol, esmagar-nos com a tamanha beleza daqueles locais quase virgens, numa época em que ainda não tinham sido devastados pela guerra.

                                                                                                                 Célia Gil

 Adlington, Lucy (2020). À Procura de Summerland. Amadora: Topseller.


Nº de páginas: 320

Início da leitura: 18-08-2020

Término da leitura: 22-08-2020

À Procura de Summerland é um livro escrito por Lucy Adlington e traduzido por Dina Antunes.

A primeira coisa que me despertou a atenção neste livro foi a capa, que considero belíssima e sabemos que “os olhos também comem”, apesar de nem sempre o conteúdo corresponder à expetativa inicial criada.

Depois, li a sinopse e pensei “Bom, prepara-te, Célia, espera-te mais um livro duro sobre a temática da II Guerra, e este mês já leste A Coragem de Cilka!”.

Quando comecei a ler, fiquei irremediavelmente presa à história. É o primeiro livro que leio que aborda o pós-guerra através da luz da esperança. E apesar dos fantasmas que povoam a vida da personagem principal, das lembranças dolorosas, dos segredos que guarda e que magoam, é uma personagem otimista, que quer esquecer tudo o que ficou para trás e viver, realmente viver tudo de que foi privada. Respira música, que sempre trauteou baixinho e tocou mentalmente.

Brigid é uma das muitas jovens judias órfãs, que não sabe do pai e perdeu a mãe em Auschwitz. Quando a guerra acaba, em 1946, parte para Inglaterra com o objetivo de encontrar Summerland, uma luxuosa casa de campo de que a mãe tanto lhe falara. Todo o espírito de vingança que pretende levar a cabo com uma faca que transporta, se vão desvanecendo e perdendo o sentido, à medida que se vai integrando em Summerland. A casa esplendorosa que esperava encontrar dera lugar a uma mansão decrépita, fria, mas, mesmo assim, muito melhor do que o guarda-vestidos onde a mãe a escondera dos nazis. Em Summerland procura encontrar respostas sobre a sua família.

Curioso vermos a outra parte desta guerra miserável. Joe é o filho da aparentemente arrogante dona da mansão, Lady Summer. Regressou da guerra mutilado, repleto de marcas da guerra e sem um braço.

Neste momento pensei “Queres ver que, depois disto tudo, vem um romance cor-de-rosa?”. Não, não veio um romance cor-de-rosa, mas sim um final surpreendente, que nos põe à prova e nos deixa surpreendidos.

Este é um livro de fácil leitura, penso que acessível a um público mais jovem, mas que pode ser lido em qualquer idade.

É cativante a forma como está escrito, os capítulos intitulados com o nome de comidas que são um marco de mudança na vida de Brigid.

Aconselho vivamente a leitura deste livro e dou-lhe ****estrelas.

 Hosseini, Khaled (2013). O Menino de Cabul. Barcarena: Editorial Presença.


Nº de páginas: 336

Início da leitura: 10-08-2020

Término da leitura: 17-08-2020

O Menino de Cabul é um livro escrito por Khaled Hosseini e traduzido por Sofia Gomes. É um livro recomendado pelo PNL como sugestão de leitura para o ensino secundário.

Apesar de uma temática dura, a forma como o autor escreve é comovedora e ternurenta. Os sentimentos suscitados são de extremos. Deliciamo-nos com a beleza das paisagens descritas (que, infelizmente, já não passam de memórias, uma vez que já não existem), sofremos com realidades que nos esmagam, arrepiamo-nos e revoltamo-nos com a maldade humana, comprazemo-nos com as pequenas conquistas e aprendizagens da própria vida.

O narrador é Amir, um jovem afegão, que tudo fazia para agradar ao pai, um mercador rico de Cabul e que desejava ganhar o concurso de lançamento de papagaios apenas para lhe agradar. Amir frequenta a escola, lê muito e escreve. Em determinadas circunstâncias, mostra-se mimado, egoísta e cobarde em relação ao melhor amigo, Hassan. Esse facto marcá-lo-á para sempre e massacrá-lo-á. Alguma vez seria capaz de se perdoar?

Hassan era um hazara que servia Amir e era uma criança de estatuto social inferior, mas de um grande coração, leal, franco e sempre disposto a esconder as “asneiras” de Amir.

No entanto, há um passado em comum que unirá para sempre estes dois jovens, um passado que se tornará fundamental para um futuro de paz, de perdão, de reconciliação. Mas, serão eles capazes de ultrapassar a traição? Terão direito a uma segunda oportunidade?

E quando parece que as personagens conseguem vir à tona, há mais um obstáculo a contornar, uma necessidade muito grande de resiliência, de nunca desistir e de procurar sempre a felicidade.

Muitas são as frases que realçaria como belas e moralizantes. Porém, deixo apenas um exemplo:

“Só há um pecado. O roubo…Quando dizes uma mentira, estás a roubar a alguém o direito de saber a verdade” (pág. 208).

 

***** estrelas


                                                                                                    Célia Gil

 Claudel, Philippe (2004). Almas Cinzentas. Lisboa: ASA Editores Lda.

Nº de páginas: 192

Início da leitura: 07-08-2020

Término da leitura: 09-08-2020

Almas Cinzentas é um livro escrito por Philippe Claudel e traduzido do francês por Isabel ST. Aubyn. Philippe Claudel nasceu em Lorena, em 1962 e este romance ganhou o Prémio Renaudot em 2003.

Almas Cinzentas constitui uma metáfora da alma humana, uma vez que esta não é propriamente linear, está muitas vezes entre o preto e o branco, o mal e o bem. É nesse limiar cinzento que vive a alma humana.

É um romance duro, muito bem escrito, sobre mistérios que nunca se chegam a perceber, porque nem tudo tem de ser explicado, nem tudo tem explicação, entre o lado certo e o errado há uma linha tão ténue e fácil de transpor… Como nos é dito no livro “…o mal não é mais do que uma ideia e a dor uma efabulação da alma” (pág. 131).

Tudo se passa numa pequena povoação, Lorena, onde é encontrado o cadáver de uma menina de dez anos. O assassinato é atribuído a um jovem desertor que é executado, ainda que haja uma testemunha que terá presenciado um encontro da criança com outra personagem.

Este romance acaba por extrapolar todos os estereótipos em relação ao perfil dos criminosos. Decorre toda em torno de um inquérito sobre um crime, a dor do narrador e dos próprios homens, numa tentativa de entender a alma humana. Até que ponto podemos ou estamos aptos a julgar os outros?

Adorei esta incursão pela alma humana, que convida à introspeção, à reflexão sobre nós próprios, a nossa existência, os nossos princípios, medos, angústias.

É incrível como se pode falar de um crime hediondo numa linguagem simples, bonita, quase poética! Aconselho vivamente.

***** estrelas

 Morris, Heather (2020). A Coragem de Cilka. Barcarena: Editorial Presença.


Nº de páginas: 352

Início da leitura: 02-08-2020

Término da leitura: 06-08-2020

A Coragem de Cilka é um livro escrito Heather Morris e traduzido por Miguel Romeira.

Supostamente, é baseado numa história verídica. E digo supostamente, pois li notícias que davam conta de que a autora estava a ser alvo de processo judicial nos EUA, pelo enteado de Cecilia Kovachova, uma sobrevivente do Holocausto que terá inspirado a protagonista do livro Cilka Klein, o qual afirma que ela nunca foi uma escrava sexual. Ainda assim, Cilka representa todas as mulheres que o foram.

Neste livro, é-nos narrada a história de uma jovem judia de 16 anos que sobrevive a Auschwitz-Birkenau, onde se torna alvo de obsessão de Johann Schwarzhube, comandante de Auschwitz, que faz dela sua escrava sexual. Ao sair do campo de concentração, com 19 anos, é condenada e acusada de ter colaborado com os nazis, sendo enviada para um campo de trabalhos forçados em Vorkuta, na Sibéria, no qual, mais uma vez, é posta à prova a sua coragem e vontade de sobreviver.

Uma líder nata, depressa conquista a admiração das colegas de quarto. Mas o passado acompanha-a em pesadelos de que não se consegue livrar.

Até onde iria a coragem de Cilka? O que estaria disposta a fazer para sobreviver? Teria ainda direito à felicidade, após tudo por que passou?

Deixo o convite para lerem A Coragem de Cilka e lembro que choca, embate, mas é um momento da história da humanidade que não deve nem pode ser esquecido. É impensável ser repetido!

Tokarczuk, Olga (2019). Conduz o Teu Arado Sobre os Ossos dos Mortos. Amadora: Cavalo de Ferro.

Nº de páginas: 288

Início da leitura: 28-07-2020

Término da leitura: 01-08-2020

Conduz o Teu Arado Sobre os Ossos dos Mortos é um livro de Olga Tokarczuk, Prémio Nobel da Literatura, nascida em Sulechów, uma pequena cidade polaca e traduzido por Teresa Fernandes Swiatkiewicz. Este é um livro completo, muito bem escrito, com todos os ingredientes para ficarmos imediata e irremediavelmente presos à narrativa. E se pensam que partem para apenas mais uma leitura “desenganem-se”, porque é um livro que nos vai deixando cada vez mais emocionados à medida que vai sendo lido para, no fim, ficarmos boquiabertos com um final totalmente inesperado. Um romance duro e cru muito, mas muito bom.

Janina Duszejko é a protagonista e narradora deste livro. É uma mulher polaca, idosa, ágil, refém das suas “maleitas”, conhecedora, misteriosa, interessada em astrologia, que gostava de traduzir poemas de Blake e defensora dos animais. É uma mulher rara, única, com uma personalidade forte. No início, simpatizamos com esta velhinha invulgar, que nos surpreende pela sua maneira de pensar. Depois, respeitamo-la pelas próprias ideias sólidas que apresenta, consciência cívica, racionalismo e poder de reflexão únicos. Por fim, surpreendemo-nos com ela.

Na pequena aldeia polaca, começam a morrer membros do clube de caça local. Janina decide, com a ajuda do seu vizinho e admirador (?) Papão, investigar estes casos, chegando à conclusão de que os mesmos teriam sido levados a cabo pelos próprios animais, para se vingarem. Chega a escrever várias cartas à polícia, com esta sua teoria, que é desvalorizada e considerada tresloucada.

Janina é uma defensora dos animais e do seu bem-estar. Considera que, caso sejam mortos, devem ter um fim condigno como os humanos e arranja-lhes um cemitério na sua propriedade, mantendo uma lamparina nas suas sepulturas cobertas de neve. O padre Sussurro achava que não se podiam tratar os animais como as pessoas, uma vez que os animais não tinham alma, não sendo salvos e tinham um lugar no mundo inferior aos dos homens, vivendo apenas ao serviço deste. Era contra esta ignorância que Janina lutava. Eram estas atitudes que a deixavam irada. E a ira “deixa sempre atrás de si um imenso espaço vazio, onde, logo a seguir, como uma inundação, a tristeza transborda e um grande rio corre, sem princípio nem fim”. A ira impulsiona o homem, é ela que o leva a agir. Penso até que a ira poderá condicionar a existência humana e ser responsável por atitudes de que o Homem não se saberia capaz. Até onde poderia a ira levar as personagens?

É um livro que nos faz pensar sobre a ação do homem relativamente, por exemplo, aos animais. Até que ponto o ser humano maltrata os animais? Certo é que esta relação homem-animal está incutida desde o início dos tempos como uma relação de domínio, subjugação dos animais. O padre Sussurro chega a proferir que “os caçadores são embaixadores e colaboradores de Deus na obra da criação, proteção dos animais e cooperação (…) A palavra «caçador» vem do latim captare, que figuradamente significa «compreender uma ideia; logo, na palavra «caçador» está implícita a aceção de compreender o significado da missão de cuidar da dádiva de Deus que é a natureza”.

Estaria a teoria de Janina certa? Nada nos faz prever o final, imprevisível e surpreendentemente bom!


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Sobre mim

Professora de português e professora bibliotecária, apaixonada pela leitura e pela escrita. Preza a família, a amizade, a sinceridade e a paz. Ama a natureza e aprecia as pequenas belezas com que ela nos presenteia todos os dias.

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