Histórias Soltas Presas Dentro de Mim

Peretti, Paola (2018). A Distância entre Mim e a Cerejeira. Lisboa: Nuvem de Tinta.


     Quando iniciei a leitura de A Distância entre Mim e a Cerejeira, primeiro romance da italiana Paola Peretti, traduzido para português por Simonetta Neto, pensei que seria um livro tristíssimo, uma vez que inspirado na vida da autora que teve, em criança, uma doença macular degenerativa que a levaria a uma cegueira irreversível. Porém, logo nas primeiras páginas, pude mudar de opinião, uma vez que a sensibilidade e até infantilidade com que uma narradora de nove anos aborda a temática, é tão comovente e suave, que chegamos a sorrir e o sentimento que nos domina não é o de pena, mas sim de admiração e orgulho.
     Mafalda tem nove anos, sabe que em pouco tempo ficará cega. Para que se torne todo este processo mais fácil, faz uma lista com as coisas que poderá fazer, mesmo sem ver… Estella, uma auxiliar da escola onde estuda, é, para ela, uma referência, compreende os seus medos, as suas necessidades, parece mesmo, por vezes, entrar dentro da sua cabeça e desvendar os seus pensamentos.
     Os pais, com o intuito de facilitarem a vida à filha, pensam em mudar de casa e ir para uma mais perto da escola. No entanto, Mafalda não quer deixar a sua casa, a casa que viu, que ficará gravada na sua memória. Decide fugir de casa quando a mudança se tornar iminente. Para essa fuga, que vai projetando, recolhe uma série de objetos que pensa que serão imprescindíveis para empreender o que tem em mente: ir viver para a cerejeira da escola. O dia em que, ao abrir os olhos, não sente necessidade de pôr os óculos, pois o cinzento apoderou-se de tudo em seu redor, é o dia da prova de fogo, pois terá de fugir e terá de, na escuridão que a rodeia, concretizar tudo o que havia planeado. Mas terá Mafalda, na sua escuridão, conseguido atingir o que julgava ser o último objetivo da sua lista – viver na cerejeira? Será que os passos que contou até à cerejeira a conduzirão ao local certo?
     Passo a citar algumas frases que demonstram bem a poeticidade e simplicidade deste livro:
“Quando era pequena imaginava ter seis filhos, cinco raparigas e um rapaz, mas depois chegou a neblina nos olhos e deixei de pensar nisso. Iria perdê-los na neblina, ou penteá-los mal, e até podiam morrer à fome porque não posso guiar o carro para ir às compras. Talvez pudesse encomendar pizza para o jantar. Mas então iriam ficar gordos. Não, nada de filhos para mim.” (pp. 117-118).
“O ar é uma senhora sorridente que passa o seu cachecol de seda azul pelo meu rosto e pelo cabelo”. (pág. 156)
“Ali onde devia estar a janela com a Lua dentro e a estrela polar, e de dia o Sol, não vejo nada. O meu quarto é cinzento. A minha mão é cinzenta quando a movo à minha frente. O escuro é cinzento-escuro. Que, para mim, é muito mais feio do que o preto.” (pág. 165).



Acabadinho de ler!

Veletzos, Roxanne (2018). Abandonada por Amor. Lisboa: Edições ASA.


     Não se escolhem os livros pela capa, mas este, Abandonada por Amor, romance de estreia de Roxanne Veletzos, uma escritora nascida na Roménia, é um livro que convida a entrar, pela suavidade das cores, a emotividade do título e das relações humanas. Tem, sem dúvida, daquelas capas que cativam desde logo. Se bem que, se a analisarmos, vai contando duas histórias, porque, a suavidade do cinza, não deixa de ser cinza, impedindo o sol de resplandecer e esta mãe e filha que olham para o horizonte, sabem, e está presente na imagem, ainda que de forma discreta, a prisão representada pela dureza de um arame farpado, como o dos campos de concentração.
     Tudo começa com uma família feliz que, quando, em 1941, a Roménia se alia aos Nazis e se dá início a perseguições aos judeus, se vê obrigada a fugir, para um futuro incerto, sendo que o mais certo é que esta seja uma fuga para a própria morte. São estas circunstâncias que os levam a abandonar, à porta de um prédio em Bucareste, a filha de quatro anos.
     A criança é recolhida num orfanato, onde permanece até ser adotada por um casal, que não conseguia ter filhos e que lhe poderia proporcionar uma vida melhor, uma vida poder-se-á mesmo dizer, de luxos. Assim, começa a ter aulas de piano, é-lhe comprado um piano para casa e tem todos os luxos que, a maior parte das crianças da sua idade não tem, como uns brincos de rubi verdadeiro, que lhe são dados por ocasião do seu 7º aniversário. É neste ambiente que Tália (Natália), vai esquecendo o seu passado, para se encontrar e ser totalmente feliz e amada nesta nova vida.
     Mas outros acontecimentos diretamente relacionados com a guerra por que estão a passar, II Guerra Mundial, levam a uma reviravolta na vida deste casal que adotou Natália. A vida de Anton e Despina vai-se degradando de dia para dia, vendo-se obrigados a vender todos os seus bens que não foram saqueados (inclusive o piano de Tália), até não terem mesmo o que comer e até se consciencializarem de que a origem judaica de Tália poderia ser um fator de risco em relação ao seu futuro.
     O pai de Tália começara, entretanto, a conviver com Victor, um jovem pobre mas com ambições e ideais políticos divergentes dos desta família rica. Tália apaixona-se por Vítor.
     O amor dos pais e de Vítor por Tália é também levado ao limite. Mais uma vez se vê abandonada por amor, quando abdicam dela para a salvar. Viaja para os Estados Unidos. Aqui Tália terá mais uma descoberta surpreendente, a que só terão acesso, se mergulharem neste magnífico livro, baseado nas experiências da mãe da autora, que foi abandonada pelos pais biológicos na II Guerra Mundial. 
                                                                                                                                 Célia Gil
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Professora de português e professora bibliotecária, apaixonada pela leitura e pela escrita. Preza a família, a amizade, a sinceridade e a paz. Ama a natureza e aprecia as pequenas belezas com que ela nos presenteia todos os dias.

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