(imagem do Google)
E o olhar? Desde tempos remotos que o olhar era dotado de um poder mágico, instrumento de pensamentos interiores. Segundo crenças populares, falar de mau-olhado significava que o observador lançava um olhar maléfico ao observado. Este podia ser alguém ou algo. Explicavam-no como pertencente a alguém com um dom, alguém que, com o olhar, seria capaz de se vingar, matar, seduzir. Motivos? Amores não retribuídos, bens materiais cobiçados (especialmente terras de cultivo muito produtivas e animais de criação, que crescessem depressa e viçosos). Este olhar, segundo dizem, tinha o poder de fazer mirrar os legumes plantados, secar cultivos, adoecer animais. Talvez uma forma que encontravam para explicar fenómenos incompreensíveis, doenças e mortes súbitas inexplicáveis.
Também a Lua, segundo o que me dizem as minhas avós, merecia um certo respeito por parte do homem, simbolizando conhecimento, fecundidade, fertilidade, auxiliando o homem nas colheitas, já que as fases lunares influenciavam nos acontecimentos terrenos. Acreditava-se que a lua cheia podia provocar loucura. A lua nova simbolizaria fecundidade, cura de doenças, casamento, amor. No quarto minguante, tudo o que fosse podado não cresceria, representando um momento aziago para a realização de casamentos ou nascimento de uma criança. Seria, no entanto, um excelente momento para mudar de casa e para semear o feijoeiro trepador e as ervilhas. A maioria das pessoas acreditava que as plantas e sementes se deviam deitar na terra no quarto crescente, havendo mais probabilidades de êxito. Na lua velha semeavam-se as cebolas e as flores. Estas são apenas algumas das crenças de que se lembram as minhas avós. A estas se juntarão, com certeza, muitas outras igualmente interessantes.
A par das fases da lua surgiam provérbios, relativos aos meses do ano, que explicavam também fases de sementeira ou serviam de boletim meteorológico. Em Janeiro espiga o nabeiro / Janeiro tem uma hora por inteiro/ Se queres ser bom milhareiro, faz o alqueve em Janeiro/ Os bons dias em Janeiro vêm-se a pagar em Fevereiro/ Janeiro quente traz o diabo no ventre; Em Fevereiro ribeiro cheio/ Fevereiro enganou a mãe ao soalheiro/ Quando não chove em Fevereiro, nem bom centeio nem bom lameiro; Em Março, tanto durmo como faço/ Março marçagão, de manhã Inverno, à noite Verão/ Quem não poda até Março, vindima no regaço/ Nasce a erva em Março ainda que lhe dêem com um maço/ Vento de Março, chuva de Abril, fazem Maio florir/ Março ventoso, Abril chuvoso e Maio amoroso, fazem o ano formoso; Em Abril águas mil / Em Abril ainda a velha queima o carro e o carril e uma canga que ficou em Maio a queimou/ Uma água de Maio e três de Abril valem por mil; Em Junho, foice em punho/ Junho calmoso, ano formoso/ Junho floreiro, paraíso verdadeiro/ Lavra por S. João, se queres haver pão; em Julho ceifo o trigo e o debulho, e em vento soprando o vou limpando/ Água de Julho, no rio não faz barulho/ Por muito que queira o Julho ser, pouco há-de chover; Em Agosto cada dia com seu rosto/ Chuva de Agosto apressa o mosto/ Em Agosto secam os montes, em Setembro as fontes; Em Setembro, planta, colhe e cava, que é mês para tudo/ Setembro molhado, figo estragado/ Lua nova setembrina, sete luas domina; Em Outubro sê prudente: guarda o grão, guarda a semente/ Logo que Outubro venha, procura logo lenha/ Outubro quente traz o diabo no ventre/ Outubro meio chuvoso, torna o lavrador venturoso; Tudo em Novembro guardado: ou em casa, ou enterrado/ Novembro à porta, geada na horta; Em Dezembro descansar, para em Janeiro trabalhar/ Ande o frio por onde andar, no Natal cá vem parar.
Crenças ou superstições, por elas se rege o povo e se cria a cultura popular, que não deve ser, de modo algum, desconsiderada, pois faz parte de uma sabedoria de há séculos. Maravilho-me perante esta sabedoria que ultrapassa toda a livresca que eu possa ter adquirido com os estudos ou ao longo da vida. Os nossos antepassados são um poço de riqueza, são a origem da nossa cultura, a urze da nossa civilização, por isso ouso fazer um pedido: não menosprezem as crenças, não riam das superstições, antes tentem entender o que esteve na sua origem e aproveitem a riqueza que os vossos antepassados ainda vos podem transmitir. De histórias que se contam, igualmente interessantes e surpreendentes, falarei numa próxima oportunidade.
Célia Gil