Sento-me ao lado da solidão..
Tenho o peito a querer sair pela boca.
"Não te quero desiludir,
minha solidão,
Sigamos juntas, em silêncio,
para não dizermos o que não queremos,
para não nos magoarmos...
Um dia, já velhinhas,
talvez me deite no teu regaço
e te aceite,
de coração tranquilo,
sem te questionar.
Talvez eu até aprenda a amar-te.
Agora, minha solidão
ainda és um murro no estômago,
ainda te sinto estrangeira de mim.
Ainda me dói a tua presença
embora lamente tantas vezes
a tua ausência".
Célia Gil
Gilbert,
Elizabeth (2006). Comer, Orar, Amar.
Lisboa: Bertrand Editora.
Ao
fazer 30 anos, Liz Gilbert, apesar de ter tudo o que uma mulher americana
moderna deveria querer: um marido, uma casa de campo e uma carreira de sucesso,
não se sentia feliz, passando horas a chorar.
Este
livro é sobre a vida da própria autora, que acabou por pedir o divórcio para se
reencontrar. Apreciadora de boa comida, descrente e infeliz no campo amoroso, Elizabeth
resolve fazer o que quer: deixar tudo, vender à sua Editora um livro que iria
escrever, para empreender uma viagem de um ano a Itália, onde procurou o prazer
de comer; depois à Índia, onde indagou a sua fé e finalizaria na Indonésia, em
Bali, onde esperava encontrar o seu equilíbrio, o seu eu, através do amor.
O
livro é, então, dividido em três partes, uma dedicada a cada país que Liz determinou
visitar.
Começou
por Itália, onde se dedicou à aprendizagem da língua italiana, que já antes
começara a aprender e que constituía uma paixão e ao prazer de comer, prazer
hoje tantas vezes negado (para não engordar). Em Itália redescobre o prazer de
estar viva e sai da depressão em que se encontrava.
Na
segunda parte, passada na Índia, Liz passa por um momento mais introspetivo,
num país que, apesar de
precário, possui uma fé inabalável, procurando, na fé, respostas às suas
questões pessoais.
Na
Indonésia, terceira e última parte, procura o seu próprio equilíbrio. Aí
encontra Felipe, um homem brasileiro, pelo qual se apaixona. Encontrará Liz em
Felipe o seu equilíbrio?
Não
deixe de empreender esta viagem que, de algum modo, nos leva a questionar se
não seremos nós responsáveis pelas escolhas e decisões que vamos fazendo ao
longo da vida, pela nossa própria vida e felicidade? Porquê esperar que a dor
passe sem mexer uma palha? Não conseguiremos nós resolver os nossos conflitos
interiores e ultrapassar as mágoas?
Esta
é a minha sugestão de leitura.
Célia
Gil
Maria
sabe que o pai tivera razão. Como todos os pais. Como quase todos os pais.
Como tão sabiamente o seu sabia ter.
Olhando
para trás, vê levitar, fora do tempo e do espaço, um tempo que se esfuma na
memória e, pela névoa do seu olhar, consegue ainda vislumbrar, muito para lá de
qualquer tempo, os seus próprios olhos cor de terra molhada, muito abertos, muito
despertos, curiosos de vida. Olhos de criança, no tempo em que os sonhos ainda
são pássaros a pousar no ombro e onde não mora a solidão e a ausência.
Não
sabe bem quando uma névoa toldara o brilho dos seus olhos grandes. Provavelmente,
o mundo era demasiado grande e seria tão fácil perder-se nele…
Tem
muito presente a voz do pai a sonhar-lhe futuros risonhos, a afagar-lhe o rosto
com uma mão de amor, a aspereza e rigor do que dizia a traçar-lhe hipóteses de
percursos de vida, a intransigência e a exigência a erguer-lhe a face ante as
maiores dificuldades, para que as pudesse ver bem de frente e deixar de as
temer.
Fora
uma criança teimosa e arredia. E fora essa marca da sua personalidade que, na adolescência,
a levara a decidir que não queria mais continuar a estudar. Os pais não tinham
estudado e tinham conseguido singrar na vida, exercer a sua profissão, sem
nunca terem passado por grandes dificuldades.
Apesar
de a sua decisão ter sido uma mão fria e certeira numa bofetada no coração dos
pais, a reação não foi a que esperava. Não houvera gritos, ameaças, nada…E
isso, de certa forma, tinha-a deixado apreensiva. Afinal o que esperariam eles
dela? Estariam já à espera do seu fracasso? Seria mesmo incapaz de prosseguir e
a sua decisão não constituía mais um capricho?
Porém,
quando menos esperava, quando já nem esperava, o pai, que tão sabiamente sabia
ter razão, teve uma conversa com ela.
-
Maria, estás a tomar uma decisão que condicionará todo o teu futuro. Por isso,
terás de pensar muito bem e não decidir nada de ânimo leve. Entre nós, desde o
momento em que fomos pais, houve um pacto. Um pacto de amor, o de zelarmos por
ti, pelo teu futuro, pela tua felicidade. E, para fazer face a esse futuro, é
preciso adquirir conhecimento. Se aceitarmos a tua decisão sem nada ponderar,
estamos a aceitar e a compactuar com a tua desilusão futura, com o ser frágil e
inábil em que te tornarás. Por outro lado, se nos opusermos de forma radical,
como provavelmente estarias à espera, acabarás por fazer o mesmo: nada. Nada
por ti. Acabarás por reprovar, na tua decisão contrariada. Se continuarmos o
braço de ferro, voltarás a reprovar até provares que a decisão de abandonar os
estudos é a mais sensata.
Não queremos que desistas de ti, não queremos que quebres o pacto que fizemos desde
que nasceste: lutar pelo que é sempre o melhor para ti. Não seremos nós a quebrá-lo.
Gostaríamos que também não o fizesses. Preocupamo-nos contigo. Estaremos aqui
para te ajudar a levantar quando algum obstáculo te derrubar. Mas, queremos,
sobretudo, que aprendas a levantar-te sozinha. Só tu poderás escolher entre
ficar na escuridão do charco em que caíres ou te reergueres para renasceres
para a vida. E há tanta gente que vive toda a vida nesse charco…Não foi esse o
nosso pacto.
Entendia,
agora, muito bem o que o pai lhe tentara dizer. Afinal, eles só queriam que nos
seus olhos cor de terra molhada continuasse a morar o brilho da curiosidade e a
sede do saber. As palavras do pai foram decisivas nas suas escolhas, no seu
percurso de vida. Reconhecia que o pai, que tão sabiamente o sabia ser,
ter-lhe-ia facultado a chave da vida.
Pensativa,
Maria olhava o horizonte, um horizonte com percalços. Quem os não tem? Mas era, com efeito, um
horizonte com história, com futuro, com o presente que sonhara para si. Soubera cumprir o pacto de amor.
Célia Gil
Sobre mim
Professora de português e professora bibliotecária, apaixonada pela leitura e pela escrita. Preza a família, a amizade, a sinceridade e a paz. Ama a natureza e aprecia as pequenas belezas com que ela nos presenteia todos os dias.
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