Histórias Soltas Presas Dentro de Mim

Coelho, Rute Pinheiro (2014). Gostas do que Vês?. Alfragide: Oficina do Livro.

Nº de páginas: 176

Início da leitura: 31/07/2021

Fim da leitura: 31/07/2021

Sinopse do livro:

“Natália e Cecília não se conhecem. São duas mulheres jovens muito diferentes, uma introvertida e amargurada, a outra confiante e determinada. Mas têm a irmaná-las o excesso de peso - e, apesar de cada uma lidar com ele à sua maneira, fugindo do espelho ou assumindo o corpo, a verdade é que nem sempre é fácil viver numa sociedade com os cânones de beleza instituídos e na qual se convive diariamente com o preconceito.

Natália está convencida de que não merece ser feliz; Cecília, pelo contrário, numa atitude desafiante, defende a beleza das suas curvas e o seu direito à felicidade, independentemente da diferença e da discriminação social.

Num mundo em que se mascara a felicidade com plásticas e dietas loucas, Rute Coelho construiu uma história realista e surpreendente sobre a forma como podemos e devemos assumir o nosso corpo, aprendendo a gostar dele através das mudanças necessárias.”

Opinião:

Sinceramente, pela capa do livro, nunca apostaria na sua leitura. Porém, fiquei interessada, quando li uma crítica positiva da minha querida Manuela Colaço. Como é pequenino, lê-se num ápice.

Porém, a capa só se percebe realmente ao ler o livro. Esta é uma história de mulheres de XXL para cima, com todas as suas dúvidas, frustrações, que gostam realmente de comer, que se refugiaram na comida, que sempre foram “gordinhas”, mas que, como todas as mulheres, têm sonhos. Só que esses sonhos vão, muitas vezes, ficando em segundo plano, porque acreditam que os sonhos são para as magras. Fecham-se nas suas inseguranças, nas suas reservas em relação à capacidade de serem amadas, não só por alguém do sexo oposto, especialmente por elas. Vítimas de olhares condenatórios, de constantes repreensões até por parte dos que lhes são mais próximos, vivem para comer, deixam de viver, no verdadeiro sentido da palavra.

E estas mulheres acabam por ser extremamente duras com elas próprias, julgando-se inferiores, indignas, impedindo-se de viver plenamente.

Afinal, esta é uma história mais real do que possa parecer, a história de quem vai recusando os espelhos que a própria vida lhes vai apontando. Até quando?

As duas protagonistas têm diferentes formas de lidar com a situação. Contudo, a sociedade ainda lida mal com estas situações, ainda se olha de lado, de forma preconceituosa.

Um romance, apesar de tudo, leve, de escrita fluída, uma boa opção para uma tarde de verão.

Redfearn, Suzanne (2021). Num Instante Tudo Muda. Alfragide: Edições ASA.

Nº de páginas: 352

Início da leitura: 29/07/2021

Fim da leitura: 30/07/2021

Num Instante Tudo Muda é uma obra escrita por Suzanne Redfearn, traduzida por Ana Saldanha.

Sinopse do livro:

“Numa noite fria e escura, um grupo de amigos percorre uma estrada de montanha numa caravana. Rumam a umas férias muito desejadas.

E, num instante, tudo muda.

Um veado. Uma travagem. Uma queda a pique pela encosta.

A jovem Finn Miller não resiste ao acidente. Para os seus companheiros de viagem, começa então uma perigosa jornada. Pois segue-se uma implacável tempestade de neve que os deixa perdidos no meio do nada. Perante a ameaça da morte, são obrigados a tomar decisões irreversíveis. Para os sobreviventes, a vida nunca mais será a mesma.

Jack, o pai de Finn, procura apenas vingança. Mo, a sua melhor amiga, procura somente a verdade. Chloe, a irmã, procura juntar-se a Finn. E a mãe, Ann, vive atormentada com o que aconteceu naquela noite na montanha e com o que descobriu sobre as pessoas que pensava conhecer intimamente.

Num Instante, Tudo Muda coloca-nos perante nós próprios e faz perguntas incómodas: será que nos conhecemos verdadeiramente? Numa situação extrema, o que estaríamos dispostos a fazer?

Um livro sobre o poder do amor, a importância da família... sobre a essência do ser humano (com todas as suas fragilidades) e, acima de tudo, sobre seguir em frente, mesmo quando isso não parece possível.”

 

Opinião:

A narradora, uma jovem de 16 anos, viaja com a sua família e outra família amiga, a sua melhor amiga e o namorado da irmã Chloe, numa caravana, com vista a passarem um aprazível fim de semana. Mas, tal como indicia logo o próprio título “Num Instante Tudo Muda”. Um acidente provocado por um veado, faz com que o carro caia numa ravina.

 

A partir deste momento, é impossível parar a leitura.

 

As descrições são tão intensas e realistas, que nos sentimos a percorrer a neve, em busca de auxílio, com as personagens, a sofrer as suas dores, a fome, a sede, o frio, a ponderar sobre as suas opções e as suas condutas. A luta pela vida pode, com efeito, trazer grandes mudanças nas atitudes das pessoas, ao ponto de não as reconhecermos. Também nos faz questionar se não terão sido sempre assim e estas circunstâncias vivenciadas apenas terão trazido à tona o que já lhes morava no seu âmago.

 

Afinal, conheceremos plenamente os que nos rodeiam? Reconhecer-nos-emos nas nossas próprias atitudes?

 

Este é um livro que se lê de um fôlego e nos deixa inquietos.

Gostei muito e recomendo vivamente a leitura.  

Reis, Patrícia (2019). As Crianças Invisíveis. Lisboa: Publicações Dom Quixote.

Nº de páginas: 224

Início da leitura: 28/07/2021

Fim da leitura: 29/07/2021

Sinopse:

“M. é uma criança habituada a ser usada e devolvida por famílias sucessivas como um produto que não satisfaz o cliente. Cresce numa instituição de acolhimento, onde vai descobrindo o poder da amizade e as armadilhas do desejo e da paixão. Esta é a sua história até chegar à idade adulta, atravessando um processo de invisibilidade, no qual a dor se confunde com a esperança de encontrar uma vida a que possa chamar sua. Ao seu lado existem outras crianças e ainda Conceição, a assistente social que escolhe amar M. incondicionalmente.

As Crianças Invisíveis é um romance que alia um exercício literário ímpar com um profundo trabalho de investigação sobre abandono, maus-tratos e adoção. Construindo toda a narrativa de uma maneira muito original, sem identificar o sexo das crianças, e a partir do olhar delas, a escrita límpida, poderosa e cirúrgica de Patrícia Reis conduz-nos, neste romance avassalador, através dos sonhos, do medo e da intimidade de um conjunto de personagens que percorrem a infância e a adolescência sem pai, nem mãe, nem identidade.”

Opinião:

Este é um livro cuja temática me diz muito, uma vez que trabalhei durante três anos numa Comissão de Proteção de Crianças e Jovens. Infelizmente, é retratada aqui uma dura realidade. As crianças não são objetos, não devendo ser adotadas sem plena consciência de o querer com todas as responsabilidades que implica a adoção. Adotar não é um ato de vaidade, não é um sentimento de pertença, não é uma forma de calar as invasões da sociedade que nos rodeia. Adotar é acolher no coração, é tornar a criança em sangue do nosso sangue. É um ato de entrega, é não pensarmos primeiro em nós, mas sim na criança. Mas, sabemos bem que, muitas vezes, nem os próprios pais agem em conformidade com o dever. M. é uma das muitas crianças institucionalizadas, vítima de vários abandonos, não passando nunca da pré-adoção. Quando não serve os propósitos de quem adota, há que devolver! É revoltante, por ser tão real! E, quando perguntam ao M. de qual das famílias gostou mais, ele prontamente responde que é a que tem na instituição, a que chama de a Casa.

Acompanhamos o crescimento de M., os seus medos, as suas dúvidas, o desenvolvimento da sua sexualidade, a relação com os amigos que fez na instituição, os que partem e os que chegam.

Gosto muito da forma intimista, crua, nua, dura, como o livro está escrito. A forma como é retratado o pensamento da criança face às atitudes dos adultos, faz-nos meditar.

É, sem dúvida, um livro muito bom! É um livro que deve ser lido, não só pela temática, mas pela forma como foi escrito!

Strout, Elizabeth (2018). O Meu Nome é Lucy Barton. Lisboa: Alfaguara.

Nº de páginas: 176

Início da leitura:27/07/2021

Fim da leitura: 28/07/2021

O meu Nome é Lucy Barton é uma obra de Elizabeth Strout (vencedora de um Pulitzer em 2009), traduzida por Rita Canas Mendes.

Sinopse:

“Mais do que uma história de mãe e filha, este é um romance sobre as distâncias por vezes insuperáveis entre pessoas que deveriam estar próximas, sobre o peso dos não-ditos no seio das relações mais íntimas e sobre a solidão que todos sentimos alguma vez na vida. A entrelaçar esta narrativa está a voz da própria Lucy: tão observadora, sábia e profundamente humana como a da escritora que lhe dá forma.”

Opinião: Este é um livro pequeno, mas grandioso no que toca à abordagem dos sentimentos humanos nas relações familiares.

Este não é um livro de ação, mas de reflexão. A protagonista Lucy Barton é internada num hospital em Manhattan, na década de oitenta, devido a complicações decorrentes de uma operação ao apêndice. Como o marido não gosta de hospitais, por ter perdido o pai num, e, atendendo à idade das filhas, demasiado novas para a visitar, Lucy vê-se remetida a uma cama de hospital, imersa na sua solidão.

Entretanto, recebe a visita da mãe, que não vê há muito tempo, que acedeu, instigada pelo genro, a apanhar o avião e a visitar a filha. A partir daqui, decorrem longas conversas entre as duas, onde recuperam memórias ou até a falta delas. Porém, a mãe continua a mulher fria que sempre foi, austera, sem demonstrações de afeto, incapaz de dizer à filha que a ama. Mas não amará ela, à sua maneira? Existe uma maneira de amar? Podem existir várias, o que não pode é haver abuso de autoridade e violência!

 Lucy Barton gosta de ler e de escrever, é profundamente só, pelas circunstâncias da vida, muito vulnerável, carente, mas, ao mesmo tempo, poderosa. Esse poder está nas próprias palavras, na capacidade de abrir o coração, expor o que transporta do seu passado, deixando-nos angustiados, fazendo-nos refletir sobre a condição de vida desta família, a condição das mulheres, a capacidade que cada um tem ou não para superar os traumas de infância e seguir em frente. A escrita de Strout é dura, mas elegante, convidando à reflexão e deixando-nos irremediavelmente presos do início ao fim.

Os diálogos entre as duas são impressionantes e deixo o convite à leitura desta obra tão intensa.

Algumas das frases que me marcaram mais:

“Isso era-nos dito no recreio pelas outras crianças - «A vossa família cheira mal»”.

“a minha mãe… batia-nos de forma impulsiva e com vigor…”

“…quando os nossos seios se desenvolvem, a nossa mãe nos diz que começamos a parecer-nos com uma das vacas do celeiro dos Pedersons?”

“…os livros trouxeram-me coisas…. Fizeram-me sentir menos só.”

“Mas, afinal, queria outra coisa. Queria que a minha mãe me perguntasse pela minha vida”.

Cardoso, Dulce Maria (2021). Autobiografia Não Autorizada. Lisboa: Tinta da China.

 



Nº de páginas: 232

Início da leitura:05/07/2021

Fim da leitura: 28/07/2021

Sinopse do livro:

«Uma autobiografia é uma missão impossível. Deveria escrever um texto rigoroso, só que sou sempre personagem de mim própria, mesmo que narre tudo na primeira pessoa e me apelide Dulce, como se não estivesse a inventar‑me. Escrever é pensar devagar. A lentidão tanto leveda ou germina quanto mirra ou apodrece. E depois existe o outro lado: vós, os que estais aí. Enquanto leitora de ficção procuro inevitavelmente o autor no seu texto. Que verdade esconde o autor na mentira que conta? Uma autobiografia funciona um pouco ao contrário: que mentira esconde o autor na verdade que revela?
Na minha cabeça, a minha vida é um puzzle desmanchado. De tempos a tempos, pego numa peça e detenho‑me a olhá‑la. A pergunta que deveria espicaçar‑me, Onde é que isto se encaixa?, raramente me ocorre. Sempre fui uma má jogadora e sei que há peças perdidas. Também não conheço a imagem que deveria criar com as peças todas. Miro e remiro cada peça a que lanço mão como se estivesse perante o puzzle completo. A determinada altura, coloco‑a sobre a secretária já repleta de outras peças espalhadas.»
— D.M.C

 

Opinião:

Este é daqueles livros que se quer ler devagar, tirar o máximo prazer de cada crónica, de cada palavra, de cada história de vida. A crónica é um género que parte de um acontecimento aparentemente banal do dia-a-dia para o ficcionar, e assim é com Dulce Maria Cardoso, não fosse ela a escrever. A autora, nestas crónicas, ficciona-se a si própria, recorrendo à memória. E o resultado é este: um livro que se quer degustar, completo, bem escrito, intimista, muito bom! Não é, portanto, um diário, um relato autobiográfico puro. É uma obra ficcionada a partir da verdade, não significando isso que seja verdade!

Nestas crónicas temos o espaço da infância, Luanda, onde inicialmente não teve uma plena integração, refugiando-se nos livros; Portugal, desde Cascais, Lisboa à aldeia da infância, em Trás-os-Montes, transpondo-nos, quando a revisita, para as suas memórias de infância, a sua maneira expedita e viva de ser; o Brasil a salvar-lhe a “tristeza salazarenta” e o mundo, onde nos transporta nas viagens que relembra.

Recorda o momento em que voltou para casa da mãe, quando esta começou a sofrer de demência e do quanto esta situação a veio afetar a ela própria.

Fala-nos da situação pandémica vivida e com esta afetou, de alguma forma, a sua vida e da sua família, angústias que são tão nossas, tão reais, na forma como acontecem e como as enfrentamos. As mesmas dúvidas, as mesmas revoltas…

Fala-nos das esperas e perdas da vida, do amor, do fim das relações, dos desconsertos, da felicidade das pequenas coisas, das ínfimas conquistas.

Um livro doce, que abraça, que tanto aconchega como nos deixa desarmados. Adorável!

Ruiz Zafón, Carlos (2020). A Cidade de Vapor. Lisboa: Planeta.

Nº de páginas: 224

Início da leitura: 25/07/2021

Fim da leitura: 26/07/2021

A Cidade de Vapor, Todos os Contos é o livro póstumo de Carlos Ruiz Zafón, composto por 11 contos inéditos do autor, traduzido por Mário Dias Correia.

Sinopse:

«Sou capaz de evocar rostos de miúdos do Barrio de la Ribera com que por vezes brincava ou lutava na rua, mas nenhum que me quisesse resgatar do país da indiferença. Nenhum, exceto o de Blanca.»

Um rapaz decide tornar-se escritor ao descobrir que as suas invenções despertam um pouco mais de interesse por parte da menina rica que lhe roubou o coração.
Um arquiteto foge de Constantinopla com os planos de uma biblioteca inexpugnável. Um estranho cavaleiro tenta Cervantes a escrever um livro como nunca existiu. E Gaudí, a caminho de um misterioso encontro em Nova Iorque, deleita-se com a luz e o vapor, a matéria de que deveriam ser feitas as cidades.

O eco das grandes personagens e temas dos romances de Cemitério dos Livros Esquecidos ressoa nos contos de Carlos Ruiz Záfon.”

Opinião:

Apesar de não ter lido todos os livros da série Cemitério dos Livros Esquecidos – A Sombra do Vento, O Jogo do Anjo, O Prisioneiro do Céu e O Labirinto dos Espíritos, de que li apenas o primeiro, A Sombra do Vento, gostei muito deste livro de contos. Sinto, contudo, que poderei voltar a reler depois de ler a tetralogia, apenas para conhecer mais profundamente as personagens que me despertaram já a atenção nos contos e que, pelo que li, completam a série Cemitério dos Livros Esquecidos. Conhecia, no entanto, outros livros do autor, tendo lido O Príncipe da Neblina, O Palácio da Meia-Noite e Marina.

Em todos os seus contos, perpassa a importância dos livros, dos contadores de histórias, situando-as na Barcelona dos heróis e vilões, do crepúsculo e do gótico.

Gostei de todos os contos, se bem que alguns me tenham marcado mais. É o caso de “Blanca e o Adeus”, cujas personagens infantis me captaram desde logo a atenção, a capacidade de o narrador (David Martín) improvisar histórias, que contava a Blanca, a quem ele chama de a sua “primeira leitora”. O próprio facto de o padre compactuar com os encontros entre eles, em troca de uma ajuda na sacristia, todo o enigma que envolve Blanca, tão ao jeito de Zafón, o tornam num conto cativante. O conto “Uma Rapariga de Barcelona”, Laia, vendida pelo pai, uma história macabra e sombria, tipicamente gótica. Em “O Príncipe de Parnaso” reencontrei Daniel Sempere, o livreiro de A Sombra do Vento através do antepassado Antoni Sempere. Neste conto, surge, como diz o próprio narrador, “a história dentro da história”, que é a história de Cervantes, “um poeta nos infernos”. “Homens de Cinzento” é uma história de crime, repleta de ação, na Barcelona que engole as personagens no seu “bosque de fábricas fantasmagóricas e névoas de enxofre”.

Este é um livro que aconselho a ler, após a leitura da tetralogia, um livro que, com certeza, revisitarei.

Leyson, Leon; Harran, Marilyn J.; Leyson, Elisabeth (2014). O Rapaz do Caixote de Madeira. Barcarena: Editorial Presença.

Nº de páginas: 188

Início da leitura: 24/07/2021

Fim da leitura: 25/07/2021

O Rapaz do Caixote de Madeira é um livro de Leon Leyson com Marilyn J. Harran e Elisabeth B. Leyson, traduzido por Fátima Andrade. Quando o estado de saúde de Leon se começou a revelar mais frágil, Tom Zoellner, da Universidade de Chapman, enviou a proposta de publicação do livro de Leyson à Agência Peter Steinberg, que prontamente reconheceu o valor da história e contactou a diretora editorial da Atheneum Books na Simon & Schuster Publishers.

Sinopse: “Leon Leyson tinha apenas dez anos quando os nazis invadiram a Polónia em 1939 e a sua família foi forçada a viver no gueto de Cracóvia. Neste seu livro de memórias, Leon começa por nos descrever uma infância feliz, na sua aldeia natal e felizmente para a família, o seu caminho cruzar-se-ia com o de Oskar Schindler que os incluiu na célebre lista dos trabalhadores da sua fábrica. Na altura com apenas 13 anos, Leon era tão pequeno que tinha de subir para cima de um caixote de madeira para chegar aos comandos das máquinas. Ao longo desta história, que reproduz com autenticidade o ponto de vista de uma criança, Leon Leyson deixa-nos entrever, no meio do horror que todos os dias enfrentavam, a coragem, a astúcia e o amor que foram necessários para poderem sobreviver.”

Opinião: Este livro é emocionante e é impossível ficar-se indiferente à história de vida de Leon Leyson. É uma história real, passada durante a Segunda Guerra Mundial. O que me prendeu desde logo a este livro, para além do interesse que tenho na temática, foi o facto de ser relatada pela voz de uma criança. É a voz ingénua de uma criança, que não imagina que determinadas atrocidades possam ser ou vir a ser reais. É uma criança que vive nos guetos com a família e que nos conta o valor dessa instituição, que é a família, na comunidade judaica. Foi sempre seu desejo manter a família unida, mesmo nos momentos mais difíceis. Padeceu muitas atrocidades, como a fome extrema, os espancamentos, o trabalho desumano. Conta-nos tudo o que ainda continuaram a passar, mesmo após a libertação, em 1945, voltando como refugiados, estrangeiros, retornados…, sem saberem ser livres. Ainda assim, tem a noção de que não passou nem por metade do que passaram os enviados para Auschwitz e Birkenau. E agradece-o a Schindler. Ele e a família fizeram parte da Lista de Schindler, considerando-se como um dos “filhos” de Schindler. Este valeu-se da sua condição de nazi para traçar uma estratégia que lhe permitisse salvar, como sucedeu, os cerca de mil e duzentos judeus “de uma morte quase certa”. As fotos mostram-nos os locais onde viveram, a família de Leon, as suas conquistas, os amigos, documentando vários momentos da história e deixando-nos irremediavelmente ligados a esta família.

E mais não conto. Apenas sugiro a leitura deste pequeno grande livro.

J. Múñez, Fernando (2020). A Cozinheira de Castamar. Porto: Porto Editora.

Nº de páginas: 616

Início da leitura: 20/07/2021

Fim da leitura: 24/07/2021

A Cozinheira de Castamar é um romance de Fernando J Múñez e traduzido por Carla Ribeiro.

Sinopse:

“Clara Belmonte é uma jovem de uma família abastada que, após a morte do patriarca, um dos mais prestigiados médicos de Madrid, se vê cair na mais completa pobreza.

Apesar da educação primorosa que recebeu, Clara precisa de uma forma de sustento e acaba por se candidatar a um trabalho nas cozinhas do palácio ducal de Castamar, que conquista graças ao talento para a culinária que herdou da mãe.

Clara não é bem recebida nos primeiros tempos. A sua eloquência, bem como o rigor na limpeza das cozinhas e a ousadia no requinte dos pratos, depressa a elevam na atenção dos habitantes da casa e no ciúme dos colegas de trabalho.

Mas é Dom Diego, o duque de Castamar, quem Clara mais impressiona. Arrancando-o à apatia absurda em que vive desde o estranho falecimento da mulher, a jovem cozinheira fá-lo derrubar todas as barreiras, despertando-lhe o palato, o intelecto e, por fim, o coração.”

Opinião:

Como aspetos mais positivos, saliento o ritmo, que é rápido, talvez pelo facto de a ideia de escrever este livro ter surgido ao autor, durante a rodagem do filme Rodolfo Sancho. Um dos conceituados atores, desafiou-o escrever uma série de época e, assim, escreveu a obra ao mesmo tempo que foi preparando o argumento para a televisão. E escreveu a obra, porque não se satisfez apenas com os guiões, afirmando que, e passo a citar, “Os guiões não deixam de ser obras que esperam converter-se em algo mais, como crisálidas que esperam transformar-se em borboletas.”

O facto de haver uma contextualização histórica, que nos permite perceber maneiras de agir e de pensar, também é um aspeto a favor. A história contextualiza-se na Espanha do séc. XVIII, no período da guerra e do pós-guerra, numa sociedade altamente machista, intransigente e esclavagista.

É interessante conhecer melhor a sociedade espanhola da época, as suas tradições (como o facto de não ser um hábito tomarem banho, porque se pensava que o banho trazia doenças), a violência de que eram capazes “por dá cá aquela palha”, o poder das pessoas de linhagem, que tinham imensos criados ao seu serviço, a forma como a mulher era vista, desde deusa a quem veneravam à rameira menor da plebe, um ser inferior, muitas vezes vítima de violência doméstica, por homens que bebiam excessivamente. E algumas atitudes hoje consideradas normais, eram vistas como atitudes de desonra, sendo fácil a mulher cair “em desgraça”. Por sua vez, alguns homens abusavam delas, usando-as a seu bel-prazer.

Mas, ainda a salientar, os senhores de Castamar que, contrariamente a grande parte dos senhores da época, devido à educação que lhes fora dada pelo pai, tinham uma atitude diferente. Tinham adotado um negro, que o protagonista assumia como irmão, seu igual, o que era visto com muito maus olhos pelos restantes. É abordada uma relação homossexual, o que também não é comum, quando se retratam estas épocas. A protagonista revela já, em determinados momentos, uma atitude diferente de algumas mulheres subordinadas, quando impõe a sua forma de pensar, de agir e até de falar, seja com alguém da sua suposta classe, seja de classe superior. A forma como cozinha mostra o requinte a que não estavam habituados na época e é através dos seus cozinhados que vai impondo a sua presença e conquistando o respeito e admiração de grande parte dos que a rodeiam.

A história principal parte de uma premissa, no meu entender, um pouco pobre, a cozinheira que conquista o seu conde, através da atenção posta nos cozinhados.

Tirando algumas questões amorosas demasiado previsíveis e, quanto a mim, algo “melosas”, não deixa de ser um bom livro, bem escrito e apelativo.

Poemas é uma pequena antologia de poemas da Leya, publicado em 2009 e que reúne poemas de 28 poetas de expressão portuguesa e passo a citar: “Dizia Carl Sandburg que a Poesia é um eco que convida uma sombra para dançar. Se esta antologia convocar as sombras, e a dança com o leitor acontecer, estará plenamente justificada a sua publicação” (Grupo Leya).



E, realmente, esta antologia só peca mesmo por ser pequena, porque os poemas foram bem escolhidos e abordam vastas temáticas e poetas. Entre os temas abordados, destaco o “eu errante e mareante”, de Manuel Alegre; a ingenuidade dos nossos contemporâneos, de Fernando Pinto do Amaral; o materialismo em detrimento do sagrado, de João Aparício; o naufrágio da alma humana, de mia Couto; a despedida e solidão por Gastão Cruz; reinvenção da infância, de Manuel Gusmão; o abandono de si mesmo, de Guita Jr; ilusões, de Nuno Júdice; saudade, de Conceição Lima; entre outros.

Termino com dois poemas que apreciei particularmente:

Poema

Deixo que venha
se aproxime ao de leve
pé ante pé até ao meu ouvido

 

Enquanto no peito o coração
estremece
e se apressa no sangue enfebrecido

 

Primeiro a floresta e em seguida
o bosque
mais bruma do que neve no tecido

 

Do poema que cresce e o papel absorve
verso a verso primeiro
em cada desabrigo

 

Toca então a torpeza e agacha-se
sagaz
um lobo faminto e recolhido

Ele trepa de manso e logo tão voraz
que da luz é a noz
e depois o ruído

 

Toma ágil o caminho
e em seguida o atalho
corre em alcateia ou fugindo sozinho

 

Na calada da noite desloca-se e traz
consigo o luar
com vestido de arminho

 

Sinto-o quando chega no arrepio
da pele, na vertigem selada
do pulso recolhido

 

À medida que escrevo
e o entorno no sonho
o dispo sem pressa e o deito comigo

 

                       [Maria Teresa Horta, pp. 27-28]

 

Rondó da Escrita

No que escrevi me traduzi

e traduzi outros também

e traduzindo me escrevi

e a escrever-me fui eu quem

 

das várias coisas que senti

fez sofrimento de ninguém,

depois risquei, depois reli

e publiquei: assim porém

 

havia sempre mais alguém

para o chamar então a si.

também vivendo o que menti,

mas como seu, mas como sem

 

ter sido meu o que escrevi

fosse por mal, fosse por bem,

é a sua vez, e que mal tem?

no que escrevi sobrevivi.

 

                   [Vasco Graça Moura, pág. 43]

User 297783017 · Poema de Maria Teresa Horta e Rondó da Escrita de Vasco Graça Moura

Whitehead, Colson (2020). Os Rapazes de Nickel. Lisboa: Alfaguara.

Nº de páginas: 248

Início da leitura: 18/07/2021

Fim da leitura: 19/07/2021

Os Rapazes de Nickel é um romance de Colson Whitehead, escritor nova iorquino, traduzido por Hugo Gonçalves. Foi prémio Pulitzer de ficção, prémio kirkus e finalista do National Book Critics Circle Award e do Orwell Prize for Political Fiction.

SINOPSE

“Colson Whitehead regressa com a história de dois amigos que lutam pela sobrevivência num reformatório para jovens, num país e num tempo em que a cor da pele determina demasiado.

O seu destino acaba no reformatório Nickel, uma instituição que se vangloria de fazer dos seus rapazes homens honrados e honestos. Mas por trás da fachada de rigor esconde-se uma câmara de horrores.

Do aclamado autor de A Estrada Subterrânea chega-nos esta história baseada em factos reais, de dois amigos que lutam pela sobrevivência num reformatório para jovens onde, por trás da fachada, se esconde uma câmara de horrores.

À medida que o cerco aperta no reformatório, parece haver apenas dois caminhos possíveis: fugir ou aceitar o cruel destino dos que ousam rebelar-se. Turner, o novo amigo de Elwood, está convicto de que a solução passa por repetir a crueldade dos opressores. Já Elwood acredita que é possível seguir o pacifismo que Luther King advogava. O cepticismo de um e o idealismo do outro levá-los-á a desembocar numa decisão com repercussões inescapáveis. Baseada no caso real de um reformatório da Flórida que destruiu a vida de milhares de jovens, Os rapazes de Nickel é um romance de brutal impacto emocional. Uma obra literária que exibe a pujança de um escritor em plena forma, que explora a ferida aberta da segregação racial nos Estados Unidos e levanta uma poderosa voz contra a injustiça.”

Opinião:

Este incrível relato na primeira pessoa, apesar de ficcional, baseia-se em factos reais, ocorridos num reformatório na Flórida, Arthur Dozier Scholl for Boys, nos anos 1950/60, que acabou por ser investigado, quando encontraram campas com corpos não identificados. Os rapazes, especialmente de raça negra, enviados para esta casa de correção, acabavam por ser vítimas de uma crueldade ímpar, agredidos de forma extrema.

A forma direta e dura como esta história cruel nos é contada, choca e faz-nos sofrer com as personagens. Queremos forçosamente acreditar numa mudança, até pela forma como o protagonista, Elwood, pensava, pelo seu interesse pelos estudos, pelos livros. Porque acreditava que poderia almejar um futuro melhor, ao decidir seguir os estudos universitários. Mas, nem sempre o destino é justo e Elwood vê-se apanhado no emaranhado que o destino teceu. Este livro faz-nos sentir as constantes atrocidades a perpassarem-nos a alma, deixando-nos impotentes e com uma grande sensação de revolta, porque “Aqui e lá fora é tudo igual, só que aqui ninguém tem de fugir” (citação do livro). Um livro que aconselho vivamente à leitura!

Esquível, Laura (2020). O Diário de Tita. Alfragide: Edições ASA.







Nº de páginas: 304

Início da leitura: 16/07/2021

Fim da leitura: 17/07/2021

 

O Diário de Tita é um romance de Laura Esquível, traduzido por Tânia Sarmento e que nos dá conta dos segredos que estiveram por detrás da família De la Garza do célebre Como Água para Chocolate.

 

Sinopse:

“Todas nós, cozinheiras, sabemos que dentro das panelas acontecem coisas maravilhosas. Há amor. Há união. Há fogo. Há paixão. Tudo se dissolve. Tudo se mistura. Tudo se transforma. E é isso que eu ofereço a Pedro todas as manhãs. O meu amor transformado em cheiro, em sabor, em calor. Quem diz que isso não é fazer amor?
Tita de la Garza cumpre a tradição do seu país e dedica a sua vida a cuidar da mãe. No seu rosto, sempre um sorriso. No coração, uma mágoa profunda que apenas o seu diário conhece…

Nas páginas gastas deste caderno, Tita revela a sua alma. De receitas a recordações, desenhos a fotografias, amores torturados a infidelidades, é neste local sagrado que Tita partilha os segredos do seu coração.

Um livro íntimo que acompanha todos os passos da família De la Garza - e em que Laura Esquivel nos mostra os mágicos e secretos fios com que se teceu a trama de Como Água para Chocolate, a maravilhosa história que encantou o mundo.”

 

Opinião:

Um livro completamente diferente, em termos gráficos, com a configuração de um diário, não só pelo tipo de letra desenhada, mas pelas imagens de colagens, desenhos, cartas e fotos e pela sugestão de páginas queimadas, de um diário que resistiu às chamas para nos revelar segredos e nos deliciar com a história e as receitas de Tita.

Além do aspeto gráfico, é, Como Água para Chocolate, um livro muito bem escrito. Uma escrita simples, mas íntima, poética, mágica e, realmente, deliciosa. Dramas familiares que se cruzam com tradições mexicanas, muito bem retratadas. Um livro que aconselho vivamente!

Apesar de ser o segundo livro de uma trilogia, é possível ler-se sem se ter lido o primeiro, se bem que o primeiro seja realmente muito bom.

Coelho, João Pinto (2015). Perguntem a Sarah Gross. Alfragide: Publicações Dom Quixote.



Nº de páginas: 448

Início da Leitura: 13/07/2021

Fim da Leitura: 16/07/2021

Sinopse:

“Em 1968, Kimberly Parker, uma jovem professora de Literatura, atravessa os Estados Unidos para ir ensinar no colégio mais elitista da Nova Inglaterra, dirigido por uma mulher carismática e misteriosa chamada Sarah Gross. Foge de um segredo terrível e procura em St. Oswald’s a paz possível com a companhia da exuberante Miranda, o encanto e a sensibilidade de Clement e sobretudo a cumplicidade de Sarah. Mas a verdade persegue Kimberly até ali e, no dia em que toma a decisão que a poderia salvar, uma tragédia abala inesperadamente a instituição centenária, abrindo as portas a um passado avassalador.

Nos corredores da universidade ou no apertado gueto de Cracóvia; à sombra dos choupos de Birkenau ou pelas ruas de Auschwitz quando ainda era uma cidade feliz, Kimberly mergulha numa história brutal de dor e sobrevivência para a qual ninguém a preparou.

Rigoroso, imaginativo e profundamente cinematográfico, com diálogos magistrais e personagens inesquecíveis, Perguntem a Sarah Gross é um romance trepidante que nos dá a conhecer a cidade que se tornou o mais famoso campo de extermínio da História. A obra foi finalista do prémio LeYa em 2014.”

Opinião:

É sempre com imenso prazer que leio um livro de João Pinto Coelho, um escritor completo, que concilia boas histórias, criatividade, boa escrita, ritmo cinematográfico, o que nos deixa sempre irremediavelmente presos às histórias. A narração é alternada entre a época de 1923 e a de 2013, de forma bem concebida.

Entendo perfeitamente a razão de o autor ter sido finalista do Prémio Leya em 2014 com este livro. E creio que seria um justo vencedor, não menosprezando o Pão-de-Açúcar de Afonso Reis Cabral.

Gosto da forma como Pinto Coelho escreve sobre o Holocausto, como desenvolve as questões políticas que estiveram por detrás da História e não apenas o falar por falar de muitos livros que apostam logo, nos seus títulos, em Auschwitz e Birkenau, para se tornarem mais vendáveis. As personagens são credíveis, fortes, muito bem trabalhadas. Sentimos com elas, ouvimos histórias com elas, queremos, como elas, saber mais e perceber tudo o que se passou e, finalmente, surpreendemo-nos com elas e como elas!

É uma história sem heróis, mas com seres humanos, com tudo o que têm de bom e de mau. Ninguém, afinal, é perfeito, não é? E o comportamento destas personagens desperta-nos sentimentos de impotência, de resistência, de arrogância, de repulsa, de indignação, mas também de admiração, de comunhão, de alívio, de perda e de luto. E, ainda que seja um tema pesado, não deixa de nos suscitar ternura e despertar alguns sorrisos. É um livro duro, que nos abana e que toda a gente devia ler! É um livro completo.

Isaac, Maria (2017). Onde Cantam os Grilos. Lisboa: Cultura Editora.


Nº de páginas: 296

Início da leitura: 11/07/2021

Fim da leitura: 12/07/2021

Onde Cantam os Grilos é um romance de Maria Isaac, nascida no norte de Portugal e residente em Lisboa, finalista do Prémio Fundação Eça de Queiroz 2019 e a voz do podcast literário “Palavra”.

SINOPSE:

“Ainda bebé, Formiga foi deixado num cesto nos degraus da casa da Herdade do Lago.

O mistério da sua chegada é apenas mais um na longa história da herdade e das várias gerações dos Vaz, que a assombra de lendas e maldições: uma fonte inesgotável de mistérios fascinantes para a imaginação do rapazinho cabeça de vento.

Deslumbrado pela vida da família que venera de forma atrapalhada, Formiga corre e trepa a árvores, encolhe-se, faz-se invisível, inventa um pouco de tudo para conseguir acompanhar conversas, descobrir mais um segredo.

Mas o último segredo que ele descobre revela-se demasiado grande para a curiosidade bem-intencionada de uma criança, e um erro seu acaba por destruir o único mundo que conhece e pôr fim à sua infância.

Mais de vinte anos depois, Formiga regressa à Herdade do Lago e escreve para um leitor invisível, relembrando tudo o que foi e que não deveria ter sido.

Uma história doce contada pela voz de um adulto que fala pela criança que foi um dia."

OPINIÃO:

Com a simplicidade de um narrador de 10 anos, que se vai apaixonando por poesia, a história chega-nos através de Formiga, a criança que fora deixada num cesto na Quinta do Lago e que foi acolhida e educada pela estranha família Vaz.

Gostei da forma como está escrito, pois a linguagem retrata as personagens que a utilizam, permitindo-nos imaginá-las a tecer algumas considerações entre elas.

É um drama familiar, a que Formiga assiste, vivendo todos os anseios e problemas da família que o acolheu. Em toda a narrativa, vamos tendo regionalismos, menção a tradições, iguarias e superstições do norte do país, o que o torna mais verosímil.

Formiga é uma criança aplicada nas tarefas que lhe são distribuídas. Adora a natureza, calcorrear a quinta, subir às árvores, entre outras. Gosta de saber tudo o que se passa com todos os membros da família. Uma família repleta de segredos, de paixões moralmente não aceites.

Vai desenvolvendo um gosto especial por poesia, que regista num caderno que lhe foi oferecido por Fernando e que passa a ser o seu grande tesouro.

Numa linguagem fluída, damos por nós a dar colo a esta criança, que depressa se torna o nosso Formiguinha e que queremos acompanhar até ao fim. Não sei se esse fim foi o melhor. Senti que faltava algo. Outro aspeto que considerei um pouco forçado, foi a inspiração no “Amor de Perdição”, porque a perdição de amor poderia ser mais consistente e trabalhada.

Em todo o caso, no computo global, gostei.

Nº de páginas: 224

Início da leitura: 10/07/2021

Fim da leitura: 11/07/2021

1984, A Novela Gráfica é uma adaptação do clássico de George Orwell por Fido Nesti, publicada em 2020 pela Penguin Random House.

Sinopse:

“No ano 1984, Londres é uma cidade lúgubre, em que a Polícia do Pensamento vigia de forma asfixiante a vida dos cidadãos. O mais grave dos crimes é ter uma mente livre.

Winston Smith é um peão nesta engrenagem perversa e a sua função é reescrever a História para a adaptar ao que o Partido considera a versão oficial dos feitos. É o que faz, até decidir questionar a verdade do sistema repressor. Na ânsia de liberdade e verdade, arrisca a vida ao apaixonar-se por uma colega, a bela Julia, e rebelar-se contra o poder vigente.

Publicada originalmente em 1949, a obra mais poderosa de George Orwell é, pela primeira vez, adaptada a novela gráfica, no traço do artista brasileiro Fido Nesti, que capta magistralmente os rostos, corpos e cenários de um mundo que, cada dia, é menos difícil de imaginar.”

Opinião:

Esta distopia, com uma realidade prevista quando a obra foi escrita, em 1949, faz-nos pensar que Orwell era um visionário. Não estaremos todos, hoje em dia, sob a mira do “grande irmão”?

Mas quando essa mira é posta ao serviço de um governo totalitarista, lembrados a toda a hora, por cartazes que indicam que “O Grande Irmão está a ver-te”, obrigados a viver “graças a um hábito transformado em instinto”, vigiados de forma constante e meticulosa pelos telecrãs, não podendo manifestar jamais qualquer sentimento (nem sequer de espanto), celebrando “A Semana do Ódio”, constatamos que não é fácil viver sem que se sentir atemorizado, receoso de cometer alguma imprudência. A ação decorre em Londres, designada como Pista Um e Winston Smith vive sob essa pressão, temendo até lembra-se do passado, da mãe e da irmã. Receia manifestar o que realmente pensa (“eu odeio o Grande Irmão”), pois a Polícia do Pensamento está sempre atenta. Então, a verdade tem, necessariamente, de passar a ser a do Partido. Ninguém é livre de viver nem de pensar. Até a língua, sujeita ao novo e reduzido Dicionário de Novilíngua, é uma forma de repressão, porque a tacanhez de espírito é muito conveniente a um Partido repressivo como o vigente.

Gostei muito deste livro, penso que não desvaloriza a obra original e confere-lhe, se possível, mais vivacidade, através do poder evocativo da imagem. As ilustrações são impressionantes, duras, captando de forma tão intensa os pensamentos, emoções, medos e vidas das personagens, que, em alguns momentos, nos arrepiam e nos levam a sofrer com elas.

Melo, Filipe e Cavia, Juan (2021). Balada para Sophie. Lisboa: Penguin Random House Grupo Editorial.

Nº de páginas: 320

Início da Leitura:10/07/2021

Fim da Leitura: 10/07/2021

Balada para Sophie é uma novela gráfica, escrita por Filipe Melo e ilustrada por Juan Cavia, que acabou de vencer os Prémios Bandas Desenhadas 2020 em três categorias: publicação, argumento e ilustração nacionais. Foi também Prémio Livro do Ano Bertrand na categoria de melhor livro de ficção lusófona, a par de O Mapeador de Ausências de Mia Couto. Bem merecidos estes prémios.

Esta novela gráfica é, de facto, extraordinária. Além de ilustrações maravilhosas, o argumento é, realmente, uma delícia.

Sinopse:

“Cressy-la-Valoise, 1933

Dois jovens pianistas, nascidos numa pequena vila francesa, cruzam-se num concurso local. Julien Dubois, o herdeiro privilegiado de uma família rica, e François Samson, o invisível filho do responsável pela limpeza do teatro. Nessa noite, um deles venceu.

Cressy-la-Valoise, 1997

Uma enorme mansão é abalada pela inesperada visita de uma jornalista. Numa nuvem de cigarros e memórias, algures entre a realidade e a fantasia, Julien vai compondo, como numa partitura, uma história sobre o preço do sucesso, rivalidade, redenção e pianos voadores. Afinal, algum deles alguma vez terá vencido? E haverá ainda alguma música por tocar?”

OPINIÃO

Devo dizer que não consegui largar este livro enquanto não o terminei. É uma verdadeira delícia. Uma história profunda que não nos deixa indiferentes. Daquelas que não esqueceremos tão facilmente.

Começamos com a visita de Adelina, que se apresenta em casa de um antigo pianista famoso, Julien Dubois (que ficou conhecido sob o nome artístico de Eric Boujour), como uma jornalista do Le Monde, para fazer uma entrevista. Depois de recusar e de ela ficar a dormir ao relento à porta de sua casa,  Julien acaba por aceder a dar-lhe a entrevista. É aí que passamos a conhecer o verdadeiro Julien Dubois, como se tornou pianista, quais as verdadeiras motivações, as rivalidades, o mundo da fama e o pedantismo, o que o tornou, aos seus olhos, um vilão.

E mais não conto, porque aconselho vivamente a deliciar-se com esta excelente obra. Bem escrita, com um argumento incrivelmente bom! Este protagonista é um anti-herói, que nos revolta e, ao mesmo tempo, nos comove. Duro, verosímil e enternecedor, é uma leitura a não perder!

“É incrível a força que se ganha…Quando alguém acredita em nós mais do que nós próprios.” (pág. 103).

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Professora de português e professora bibliotecária, apaixonada pela leitura e pela escrita. Preza a família, a amizade, a sinceridade e a paz. Ama a natureza e aprecia as pequenas belezas com que ela nos presenteia todos os dias.

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