Histórias Soltas Presas Dentro de Mim

Marsé, Juan. O Feitiço de Xangai. Alfragide: Publicações Dom Quixote, 2010. 

Tradução: Cristina Rodriguez e Artur Guerra
Nº de páginas: 240
Início da leitura: 16/02/2024
Fim da leitura: 19/02/2024

**SINOPSE**
"Os sucessivos aparecimentos e desaparecimentos dos maquis que vêm do outro lado da fronteira são a única coisa que anima a vida cinzenta de um bairro de Barcelona na época mais dura do pós-guerra. Este romance é o relato da aventura de um desses heróis míticos, que embarca rumo a Xangai para cumprir uma missão perigosíssima entre pistoleiros, ex nazis, belas mulheres e sinistros clubes noturnos; é ainda a história do efeito que tal relato provoca num grupo de jovens que se encontra sem rumo na vida. Daí que o feitiço deste romance não esteja tanto na apresentação da vida real quanto na da imaginada, provavelmente a única verdadeira.
O Feitiço de Xangai, um dos mais significativos romances de Juan Marsé, é uma lufada de ar fresco num tempo morto de um país morto e, ao mesmo tempo, um magistral romance dentro do romance."
Este livro foi publicado, pela primeira vez, em 1993, por Juan Marsé, um escritor de Barcelona, falecido em 2020, que recebeu vários prémios literários. Gostei muito deste livro, da forma envolvente como nos é contada a história. Esta passa-se entre Barcelona do Pós-Guerra Civil até ao exótico submundo de Xangai. Em Barcelona, o narrador, um jovem, que deixara a escola e se ainda não tinha trabalho, revela talento para a pintura. Conhece, entretanto, o alucinado capitão Blay que empreende uma luta solitária contra o vazamento de gás e a poluição de uma fábrica, pensando resolver a situação com um abaixo-assinado contra essa situação. Porém, as pessoas pouco ligam ao ambiente e poucas assinam o documento. Daniel, o jovem narrador, começa a ajudá-lo nesta tarefa e o capitão Blay faz-lhe uma proposta: para que as pessoas realmente acreditem nele, era preciso que Daniel fizesse um retrato da menina Susana, uma jovem que não podia sair da cama, por ter um pulmão infetado pela tuberculose. Para provar que o gás estivera na origem da doença e que ficariam todos doentes, agravando-se também a doença de Susana, Daniel teria de a pintar a definhar na sua cama. Seria Daniel capaz de corresponder às expetativas depositadas por Blay na sua capacidade artística? Vale a pena ler para descobrir!

Roca, Paco (2016). A Casa. Lisboa: Levoir.

Tradução: Carlos Xavier
Nº de páginas: 136
Início da leitura: 14/02/2024
Fim da leitura: 16/02/2024

**SINOPSE**
"Paco Roca (Valencia, 1969) é um versátil autor de banda desenhada e ilustrador, e um dos mais premiados autores espanhóis da atualidade. De entre as suas obras, destacamos O Inverno do Desenhador, editado pela Levoir e pelo Público na série de Novelas Gráficas de 2016, vencedor do Prémio de Melhor Obra e Melhor Argumento no Salón del Cómic de Barcelona em 2011. Com A Casa, obra intimista em torno da figura do seu pai desaparecido, Paco Roca afirmou-se como autor de primeiro nível internacional. Ao longo dos anos, o dono de uma casa enche-a de recordações, testemunhos silenciosos de uma vida. Uma casa é a imagem fiel do seu dono. Como os casais que vivem longos anos juntos. Assim, quando o seu ocupante desaparece para sempre, o recheio da casa fica intacto, à espera do regresso do seu dono. Os três irmãos que protagonizam esta história, tornam um ano após a morte do seu pai à casa de família onde cresceram. A sua intenção é vendê-la, mas em cada velharia que deitam fora, enfrentam as suas memórias. Temem estar a apagar o passado, a memória do seu pai, e as suas próprias memórias."

Que novela gráfica sublime! A história e as ilustrações numa harmonia perfeita. Simplesmente, inesquecível!
Tudo começa com a saída de um idoso de casa, uma saída que se vê que é tão lenta quanto dolorosa, numa metáfora da partida ou da morte. A casa permanece vazia durante várias estações do ano, até à chegada dos filhos, que vêm arranjar o que for necessário para venderem a casa. Mas esta é a CASA, assume aqui dimensões humanas, oferece às personagens memórias do passado, recordações de momentos com o pai, que foi o impulsionador de tudo. Os filhos recordam-na com mágoa, pois, para eles, que eram convidados pelo pai a trabalhar para a erguer e manter, representou a impossibilidade de irem de férias, de usufruírem de momentos de puro lazer. Agora, todos casados e afastados, voltam e, apesar da intenção inicial, ainda se questionam? Ficamos com a casa?
Aconselho a ler esta história que é a história de tantas famílias, de tantas pessoas que lutam uma vida inteira para terem a casa dos seus sonhos (ou o mais semelhante a isso) para, no fim, ninguém dar o real valor (será?).
E mais não digo. Apenas sugiro que se deixem habitar pela casa desta história.

Sumino, Yoru (2024). Quero Comer o Teu Pâncreas. Alfragide: Edições ASA.

Tradução: Ana Saldanha
Nº de páginas: 304
Início da leitura: 12/02/2024
Fim da leitura: 13/02/2024

**SINOPSE**
"O sentido da vida e a alegria de amar num romance que desafia todas as convenções. Sakura é uma rapariga popular e extrovertida. Mas há algo que ela mantém em segredo, algo de que apenas a sua família tem conhecimento: está a morrer de uma doença no pâncreas. Acima de tudo, Sakura não quer que as pessoas passem a tratá-la de forma diferente, mas um dia a sua condição é descoberta por um colega de turma. Ele percebe que lhe resta pouco tempo de vida e ela fá-lo prometer não contar a ninguém. Sakura decide então tirar o melhor partido da situação e realizar os seus últimos desejos na companhia do rapaz, um introvertido e solitário amante de livros.

É assim que Sakura e o estudante dão por si a partilhar um segredo devastador. E o que resulta é uma amizade única, tão intensa quanto breve, tão poderosa como a própria vida."

Quando escolhi este livro, um pouco em função do título bizarro, estava longe de imaginar a história que ia ler. Conhecer Sakura, uma jovem do 11º ano, com uma doença terminal, foi uma surpresa muito positiva. Para além de ser uma jovem muito positiva, sociável e amigável, é uma jovem que desafia as convenções, que se entrega a uma amizade improvável com o rapaz menos sociável da escola. E foi ele o escolhido para partilhar o que ninguém, a não ser a família sabia: tinha, no máximo, um ano de vida. Sakura não queria que os amigos sofressem. O tempo que passam juntos é um tempo de crescimento pessoal, de uma cumplicidade que comovem e nos enchem a alma. Gostei tanto deste livro! Recomendo muito!

Adón, Pilar (2014). De Bestas e Aves. Alfragide: Dom Quixote.


Tradução: Rui Elias
Nº de páginas: 216
Início da leitura: 10/02/2024
Fim da leitura: 12/02/2024

**SINOPSE**

"Uma pintora conduz em plena noite sem saber que está prestes a chegar a Betânia - uma espécie de território fora do mundo, habitado por cabras, cães e mulheres que, no entanto, parecem estar à sua espera.

Ela carrega a culpa de uma irmã afogada num desastre de automóvel e não contou a ninguém para onde ia, nem levou telemóvel porque não pensava demorar-se. Detém-se ali apenas porque se perdeu e precisa de gasolina para regressar a casa.

Desconhece, porém, que, para lá do portão a que bate, as mulheres se vestem e comportam de forma bizarra, que há entre elas uma menina sem pais que não vai à escola, que um estranho aparece de vez em quando a reclamar a casa, que um lago delimita as fronteiras do terreno, sobrevoado por aves de rapina. Não quer estar ali, mas algo lhe diz que aquele pode ser o último lugar da sua vida.

De Bestas e de Aves foi galardoado em Espanha com o Prémio Nacional de Ficção, o Prémio da Crítica, o Prémio Francisco Umbral/ /Melhor Livro do Ano e o Prémio Cálamo, na categoria La outra mirada, tendo ainda sido finalista do Prémio Dulce Chacón de Romance e nomeado para o Prémio Bienal de Romance Mario Vargas Llosa."
Devo dizer que não foi um livro que me tenha atraído particularmente. A história em si é toda ela um pouco bizarra e estranha. Uma mulher conduz até uma floresta e procura ajuda, porque não tem combustível. Encontra uma comunidade matriarcal que a retém. Apesar de estar sempre a dizer que não quer estar ali,  no meu entender não faz grande coisa para sair daquele sítio que funciona como uma espécie de magnetismo para expurgar a sua dor. Apesar dos prémios atribuídos, não senti que fosse uma obra que me enchesse as medidas!

Zidrou; Lafebre, Jordi (2023). Lydie. Estorial: Arte de Autor.

Tradução: Helena Romão
Nº de páginas: 60
Início da leitura: 09/02/2024
Fim da leitura: 11/02/2024

**SINOPSE**
"Têm razão ao dizer que uma mãe não é nada sem o seu filho.
Sei do que falo: não foi à toa que me apelidaram de «Nossa Senhora do filho perdido»!
Por isso, quando a Camille Tirion — sabem, a filha do Augustin, o maquinista de locomotivas — pois bem, quando a Camille perdeu o seu à nascença, fiquei muito abalada.
Uma menina. Era uma menina. Iria chamar-se Lydie…

Primeira colaboração de grande fôlego da premiada dupla de criadores da série Verões Felizes, Lydie é uma história belíssima e comovente, uma pérola de amor, humor e ternura, que mostra como é possível abordar um tema tão delicado como a morte de uma criança recém-nascida, com delicadeza e boa disposição.

Magnificamente ilustrado por um Jordi Lafebre que já mostra aqui um inultrapassável talento para representar as expressões e os olhares das personagens, Lydie é um conto de fadas terno e luminoso, e o título perfeito para abrir a nova coleção que A Seita e a Arte de Autor dedicam ao maior e mais prolífico argumentista de língua francesa da atualidade."
Mais uma novela gráfica tão boa! Gostei tanto! Não há muito que contar, depois de ler a sinopse. Apenas sublinho que é um livro com humor e, ao mesmo tempo, uma história que nos comove.
A filha de Camille, Lydie, morre no parto. Passado um tempo, Camille acredita ver a filha e assume que ela existe, de facto. A comunidade não quer, contudo, desiludi-la e acaba por compactuar com esta existência irreal de Lydie, a ponto de ser batizada, inscrita na escola e participar de todos os eventos diários e sociais da comunidade onde vive. É comovente como o amor de uma mãe, consegue trazer à presença de todas uma criança que morreu à nascença. Gostei muito das ilustrações, que dão ainda mais força à história. Aconselho muito a leitura! 

 Abel, Susanne (2023). Fique Longe de Greta. Alfragide: Casa das Letras.

Tradução: Fátima Andrade
Nº de páginas: 504
Início da leitura: 06/02/2024
Fim da leitura: 10/02/2023

**SINOPSE**
"Tom Monderath, o famoso apresentador de notícias de Colónia, está preocupado com a sua mãe. Greta, de 84 anos, está cada vez mais esquecida. Quando o diagnóstico de demência surge, Tom fica horrorizado. Até que a doença da mãe se torna uma dádiva: pela primeira vez na sua vida, pouco a pouco, Greta fala de si própria - da infância na Prússia Oriental, sobre a fuga dos soldados russos durante o Inverno gelado, a saudade do pai desaparecido e os seus êxitos no mercado negro de Heidelberg e do seu encontro com o soldado Robert Cooper. Será tudo isto a chave para compreender a tristeza de Greta, que também ensombrou a infância de Tom? Quando Tom se depara com cartas e fotografias do tempo que se seguiu à Segunda Guerra Mundial, descobre um mistério incrível. Quem é a criança de pele negra da fotografia que Greta guarda como um tesouro? Greta fica em silêncio. Pela primeira vez, Tom começa a olhar e investigar mais profundamente o passado da sua mãe e começa a aperceber-se que a sua felicidade está também ligada ao passado desta...

O romance de estreia de Susanne Abel conta a história comovente e autêntica das crianças da Ocupação, o Plano Brown Baby, desvendando factos pouco conhecidos, mas muito perturbadores do pós Segunda Guerra Mundial."
Nesta obra, a história vai alternando entre o presente de 2015- 2016 e um passado entre 1939-1953.
No presente, Tom Monderathum, um conceituado apresentador de notícias de Colónia, é confrontado com a doença da mãe, Greta, que sofre de Alzheimer. Com a perda de memórias a curto prazo, Greta começa a falar de um passado esquecido na memória e que o filho desconhece, na Prússia oriental do pós Segunda Guerra Mundial.
É desta forma que Tom vai descobrindo parte desse passado, que começa a investigar, ficando a saber que tem uma irmã negra de quem não sabe absolutamente nada. 
Gostei muito deste livro, apesar de, em termos de tradução, poder ter sido evitado alguma repetição de vocabulário (por exemplo, a referência constante a "o aludido", acaba por mexer com os nervos, sendo mesmo desnecessária). É uma história comovente e apresenta-nos um momento da história da discriminação racial, onde muitas crianças sofreram por serem simplesmente negras. Eram afastadas das mães, internadas em asilos, afastadas das crianças brancas... E as mulheres não podiam, com efeito, amar um negro. Apesar de ser uma história ficcional, como a autora nos diz nos posfácio, baseia-se em muitos factos reais, pesquisas, conversas, o que dá credibilidade e força à história.
E, depois, temos a história deste filho, Tom, que consegue perceber o passado da mãe e trazer-lhe todos os que lhe pudessem avivar a memória. Recomendo!

Melo, Filipe (2021). Os Vampiros. Lisboa: Companhia das Letras.

Nº de páginas: 248
Início da leitura: 06/02/2024
Fim da leitura: 08/02/2024

**SINOPSE**
"Neste livro, Filipe Melo e Juan Cavia - a dupla multipremiada por Balada para Sophie ou Comer / Beber - entrega-se a um tema controverso: a guerra colonial portuguesa.

Em 1972, na Guiné-Bissau, um grupo de comandos portugueses avança no mato com a missão de localizar uma base secreta no Senegal. Pelo caminho, à medida que vão perdendo os alicerces da sua própria humanidade, estes soldados enfrentam uma ameaça muito pior do que poderiam imaginar."
Sou absolutamente fã desta dupla: Filipe Melo e Juan Cavia. Conseguem aliar escrita e ilustração de uma forma que nos vicia. É impressionante!

A partir da citação inicial "É a guerra aquele monstro que se sustenta das fazendas, do sangue, das vidas, e quanto mais come mais consome, tanto menos se farta. (Padre António Vieira)". Assim é, com efeito, a guerra. Quem está certo? Quem está errado? De que lado está a verdade? Se todos matam, se todos podem morrer. E quanto mais se mata, mais vontade tem de se matar e quanto mais morrem os que são mais próximos, maior é a vontade de abater o inimigo. Mas quem é inimigo de quem?
A segunda citação é de Herman Melville (em Moby Dick) e diz que "A loucura humana é a coisa mais matreira e felina que existe. Quando pensamos que desapareceu, pode apenas ter-se transfigurado numa forma ainda mais subtil." Realmente, a loucura está lá, sempre, do início ao fim e a guerra alimenta-a constantemente. Até que ponto o que está do nosso lado está verdadeiramente do nosso lado? Terá a sanidade mental para ver o outro como seu aliado, mesmo em situações de crise?
Por fim, a última citação, que penso terá servido de inspiração ao título do livro, é do grande Zeca Afonso (em Os Vampiros) e diz que "No céu cinzento, sob o astro mudo, batendo as asas, pela noite calada, vêm em bandos, com pés de veludo, chupar o sangue fresco da manada. Eles comem tudo, eles comem tudo, eles comem tudo e não deixam nada." E na guerra, neste caso na guerra colonial portuguesa, em 1972, na Guiné-Bissau, quem serão os vampiros? Os turras, os portugueses? Pensem nisso, acompanhados destas ilustrações tão expressivas!
A banda desenhada tem o poder de conciliar texto e imagem, de tal forma que conseguimos ver e mais facilmente sentir o medo, a dor, a saudade, o arrependimento, o hábito, a vontade de matar e muito muito mais. Leiam que não se arrependerão. Uma obra que não se esquece!

Gutiérrez, Mónica (2024). A Livraria dos Pequenos Milagres. Barcarena: Editorial Presença.


Tradução: Ana Rita Sintra
Nº de páginas: 200
Início da leitura: 03/02/2024
Fim da leitura: 05/02/2024

**SINOPSE**

"Agnes Martí é uma jovem arqueóloga de Barcelona que decide mudar-se para Londres em busca de uma oportunidade de trabalho. Depois de várias semanas sem êxito, uma chuva repentina surpreende-a enquanto dá um passeio e decide abrigar-se na livraria Moonlight Books. Por coincidência, o seu proprietário, Edward Livingstone, está à procura de uma assistente e oferece-lhe o cargo.

A jovem aceita e, aos poucos, vai descobrindo o encanto daquela pequena livraria. Até que, um dia, um dos seus livros mais preciosos e antigos desaparece. É então que o inspetor da polícia John Lockewood entra em cena para se encarregar da investigação e revolucionar a tranquila vida de Agnes.

Uma história para todos os que já sentiram que a literatura os salvou."
Este é um livro de que me custa falar, daqueles livros "fofinhos" que nos transportam para as livrarias (esta, em Londres), lugares de que gosto particularmente e que nos apresenta personagens também elas "agradáveis". Gostei particularmente do rezingão mas astuto livreiro. Já Agnes... não tanto. 
Vamos por partes, o livro é bem escrito, tem um nível de língua até bastante cuidado, o que se coaduna com a livraria e as personagens em causa, especialmente o livreiro. Gostei também da criança prodígio (cuja mãe era detestável), que fazia da livraria o seu ATL. E gostei da Agnes que lia as histórias à criança e  que, com o passar do tempo, se deixa encantar pela livraria.
E, apesar das referências literárias, que são sempre bem-vindas, a partir do momento em que começa o romance de Agnes com o inspetor Lockwood, torna-se demasiado previsível e até um pouco aborrecido. 
Ainda assim, para quem gosta desta temática conjugada com romance, este é um bom livro para entreter durante umas horas.

Roca, Paco (2022). Rugas. Lisboa: Levoir.

Tradução: Joana Neves (adaptação)

Nº de páginas: 112

Início da leitura: 02/02/2024

Fim da leitura: 04/02/2024

** SINOPSE**

Rugas conta a história de Emilio, um antigo bancário de 72 anos, que quando começa a demonstrar os primeiros sinais de Ahlzeimer, começa a confundir a casa com a sucursal do banco onde trabalhou e a sua família com os clientes. Estes vêm-se na necessidade de o colocar num lar de idosos. Ali faz amizade com outros residentes, cada um com o seu passado e história que parece já não interessar a ninguém. Miguel um dos residentes é quem lhe dá a conhecer o lar, solteiro, sem filhos não se preocupa que ninguém o visite para não cair na deceção dos restantes idosos.

Através da rotina do lar, é-nos dado a conhecer os outros personagens. Roca decide escrever Rugas, porque um dia ao desenhar um casal de idosos num anúncio publicitário, a agência que tinha pedido o trabalho lhe pede que os elimine porque os considerava antiestéticos. Explicaram-lhe que ninguém quer ver velhos. É então que o autor se dá conta de uma tremenda verdade: se a publicidade, que é o reflexo da sociedade vira as costas à velhice é porque o resto da sociedade também o faz.

Para se vingar faz uma novela gráfica repleta de anciãos. Assim nasce Rugas, que em 2008 recebeu o Prémio Nacional do Comic e o Gran Guinigi Festival Lucca, em 2012 o Excellence Award Japan Media Art Festival e em 2018 foi Nomeada Melhor Edição Internacional Eisner Awards, entre outros.

Jiro Taniguchi refere-se deste modo à obra de Paco Roca. «Fiquei surpreendido com Paco Roca pela valentia e a sua técnica para abordar temas difíceis como a demência senil e a vida nos lares. Rugas é uma grande obra que se manifesta no poder que a arte do comic tem».


Pouco posso acrescentar ao que nos é apresentado na sinopse. É um livro magnífico, maravilhosamente ilustrado, muito bem escrita e que toca em temáticas que, por norma, tendemos a evitar, porque nos doem. 
É triste quando os filhos se querem, literalmente, "livrar dos pais". Uma coisa é ter de ir para um Lar de Idosos, porque os filhos não conseguem cuidar dos pais, por terem eles próprios problemas que os impedem de cuidar deles ou porque trabalham e consideram que o facto de os deixarem sozinhos em casa o dia todo não é a melhor solução e pode tornar-se perigoso. E, afinal, quem somos nós para questionar as decisões de quem quer que seja? Mas este livro toca noutro ponto sensível, no abandono a que os idosos são votados. Afinal, não haverá um tempinho em alguma hora da semana para, pelo menos, os visitar?
Sempre me chocaram certas realidades nos lares: as horários para tudo, o terem de ficar sentados numa "sala de convívio" horas infindas e, neste livro, a espera interminável, por que uma assistente os deite. É uma vida sem vida, é uma rotina sem opção de escolha. E são tantas as histórias que cada vida ali prostrada nos conta! E, pior, quando não se é verdadeiramente idoso, mas se tem uma doença como o Alzheimer, capaz de os remeter para o piso dos "imprestáveis", os dementes. 
Mas o que verdadeiramente me tocou neste livro foi o poder da amizade, amizade esta que também se pode fazer num Lar. Não deixem de ler este livro. É cru, é duro, mas é, também, perfeito de tão real. Uma lição de muitas vidas!

Saramago, José. Memorial do Convento. Porto: Porto Editora, 2022.

Nº de páginas: 402
Início da leitura: 23/01/2024
Fim da leitura: 03/02/2024

**SINOPSE**
"«Um romance histórico inovador. Personagem principal, o Convento de Mafra. O escritor aparta-se da descrição engessada, privilegiando a caracterização de uma época. Segue o estilo: "Era uma vez um rei que fez promessas de levantar um convento em Mafra... Era uma vez a gente que construiu esse convento... Era uma vez um soldado maneta e uma mulher que tinha poderes... Era uma vez um padre que queria voar e morreu doido". Tudo, "era uma vez...". Logo a começar por "D. João, quinto do nome na tabela real, irá esta noite ao quarto de sua mulher, D. Maria Ana Josefa, que chegou há mais de dois anos da Áustria para dar infantes à coroa portuguesa a até hoje ainda não emprenhou (...). Depois, a sobressair, essa espantosa personagem, Blimunda, ao encontro de Baltasar. Milhares de léguas andou Blimundo, e o romance correu mundo, na escrita e na ópera (numa adaptação do compositor italiano Azio Corghi). Para a nossa memória ficam essas duas personagens inesquecíveis, um Sete Sóis e o outro Sete Luas, a passearem o seu amor pelo Portugal violento e inquisitorial dos tristes tempos do rei D. João V.» (Diário de Notícias, 9 de outubro de 1998)".
Cada vez que leciono uma obra, gosto de a reler. É a primeira vez que vou ensinar esta obra, sendo que antes tínhamos escolhido «O Ano da Morte de Ricardo Reis». Mas, acreditem, a cada revisitação, há sempre novos pormenores, novas passagens que nos indagam e fazem com que seja uma viagem única! Tão bom revisitar Saramago em qualquer das suas obras!

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Sobre mim

Professora de português e professora bibliotecária, apaixonada pela leitura e pela escrita. Preza a família, a amizade, a sinceridade e a paz. Ama a natureza e aprecia as pequenas belezas com que ela nos presenteia todos os dias.

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