Histórias Soltas Presas Dentro de Mim

 Jongh, Aimée de (2024). Dias de Areia. Alfragide: Edições ASA.

Tradução: Helena Guimarães
Nº de páginas: 288
Início da leitura: 26/09/2024
Fim da leitura: 28/09/2024

**SINOPSE**
"«Na desolação coberta de areia desta nossa Terra de Ninguém, de chapéus na cabeça, lenços a cobrir o rosto e vaselina nas narinas, temos tentado salvar a nossa casa da poeira soprada pelo vento que penetra por todo o lado. É quase uma tarefa sem esperança, porque é raro haver um dia em que, por um momento, as nuvens de pó serenem. A visibilidade é quase nula e tudo acaba por voltar a ficar coberto de uma espécie de camada de lodo cuja espessura pode variar entre uma película e verdadeiras ondas no chão da cozinha.»
Caroline A. Henderson descreve a vida no Dust Bowl, numa carta datada de 30 de junho de 1935.

Nota para o leitor:
Este é um trabalho de ficção histórica. O cenário e os eventos relacionados com o Dust Bowl e a Grande Depressão são baseados em factos, mas as personagens do livro são fictícias."
Uma novela gráfica completa e excecional: história e ilustração numa harmonia que nos envolve e nos comove. Fantástica!
John Clark é um jovem fotógrafo que é contratado para fotografar a Terra de Ninguém, Dust Bowl, devastada por tempestades de areia que terão destruído tudo e levado muitas famílias à pobreza extrema, à fome e à emigração. A ideia era apresentar fotografias que mostrassem à população o que estaria a acontecer nesse interior devastado. Porém, nem todos aceitariam um trabalho tão arriscado em que, ainda por cima, era incitado a fazer melhoria das fotos ("dar uma ajudinha à verdade"), encenando-as. Para isso, foi-lhe dada uma lista das fotos a tirar.
Terá John Clark conseguido concretizar o que lhe havia sido pedido? Terá compactuado com esta ideia de encenação de fotos? De que forma a experiência dolorosa terá contribuido para a formação da sua personalidade? Que memórias o assolaram toda a sua vida? Para descobrir a resposta a estas e outras questões, aconselho mesmo a leitura desta excecional novela gráfica.

Gardeazabal, José (2023). A Mãe e o Crocodilo. Lisboa: Companhia das Letras.
Nº de páginas: 176

Início da leitura: 27/09/2024

Fim da leitura: 28/09/2024


**SINOPSE**

"A trabalhar numa fábrica de reciclagem algures num lugar centro europeu, ex-fascista, ex-comunista e ex-industrial, Vladimir cria um crocodilo chamado Benito e sobrevive à rotina alimentando sonhos de imigração e de uma relação íntima com uma mulher.

Vladimir trabalha numa fábrica de reciclagem e partilha a sua vida com um crocodilo chamado Benito e uma longa história de esquecimento com a mãe, que recusa revelar-lhe o nome do pai desaparecido. Aprisionado numa geografia do desespero, num lugar centro europeu ex-fascista, ex-comunista e ex-industrial, por esta ordem, Vladimir observa os hábitos do perigoso animal, sonha com uma relação íntima com uma mulher, e resiste às idiossincrasias do seu grupo de amigos, ultrapassando a rotina apoiado na pergunta warum?, o velho porquê alemão.

É então que o seu bocado de Europa é atravessado por um grupo de refugiados que chega à cidade na esteira de Noor, por quem Vladimir se apaixona, e que interrompe a rotina moral da reciclagem de forma violenta. Vladimir descobre numa antiga fotografia do pai uma revelação que muda o seu destino e o do crocodilo Benito. E o que muda, afinal? E warum?"
 
Gosto da forma como José Gardeazabal escreve, como nos envolve nas histórias que conta, como nos confunde (entre analepses e prolepses), como nos faz pensar, como nos cativa e surpreende. Este livro não é exceção, com a sua história simbólica. Numa linguagem e estilo cuidados, ficamos a conhecer o protagonista deste livro - Vladimir, que trabalha numa fábrica de reciclagem e se debate com problemas de autestima, de solidão, de amor, de descoberta, de dúvida, de procura constante da sua identidade e de divagações. Vive com Benito, um crocodilo, que o próprio narrador diz poder "não ter existido", que poderá ter ajudado este homem só "com a sua fome e a sua paciência". A mãe acaba por ir para um Lar de idosos e começa a perder a memória. Uma mãe sofrida, que foi abandonada pelo marido, que fugiu com um homem, pai que a personagem tenta apagar, mas que resiste ao tempo e à memória. E mais não posso contar. Só digo que é maravilhoso!

Santiago, Mikel (2015). A Última Noite em Tremor Beach. Lisboa: Jacarandá.

Tradução: Angela Barroqueiro
Nº de páginas: 336
Início da leitura: 23/09/2024
Fim da leitura: 26/09/2024

**SINOPSE**
"Um compositor que perdeu a inspiração. Uma casa isolada numa praia irlandesa. Uma noite de tempestade que pode mudar tudo...

A Última Noite em Tremore Beach conta a história de Peter Harper, um prestigiado autor de bandas sonoras que, após um divórcio complicado, se refugia num lugar perdido da costa irlandesa a fim de recuperar a inspiração. Situada numa praia enorme e solitária, a casa de Tremore Beach anuncia-se como o local indicado. Tudo parece perfeito... até que, certa noite, rebenta uma enorme tempestade.

«Nessa noite soprou um vento estranho. A dor de cabeça, que me deixara tranquilo durante o dia, começou novamente. Tique. Taque. Tique. Taque... como um relógio. Já tinha tomado metade dos comprimidos e chegara à conclusão de que aquilo não servia para nada. Fechei os olhos e esperei que me deixasse em paz. E foi o que aconteceu, deixou-me dormir durante umas horas, mas depois regressou. Foi crescendo até se tornar numa fisgada horrível, que me fez abrir os olhos e gritar: "Ó meu Deus!". E então estava no meu quarto. Havia uma tempestade enorme lá fora.»

Descubra porque toda a gente recomenda este romance... o livro sensação em Espanha!"
Este é um livro que não me deslumbrou e que serve o propósito de entreter, sobretudo quem aprecia thriller sobrenatural. Confesso que a parte do sobrenatural me deixa sempre um pouco reticente. Ainda assim, tem suspense, ação e romance.
Este livro conta-nos a história de um músico talentoso, que enfrenta uma crise em termos criativos, para o que também terá contribuído o seu divórcio. Para superar este bloqueio criativo vai viver para uma casa num vilarejo, junto ao mar, em Tremore Beach. Poderia ser um local paradisíaco, mas, certa noite, ao se juntar aos vizinhos para um jantar, tudo acaba por mudar: no regresso para casa, é atingido por um raio e passa a ter pesadelos com os vizinhos, e não só. 
Afinal, que segredos esconde Tremore Beach? Serão estes pesadelos fruto das consequências do raio que o atingiu ou terá ele poderes sobrenaturais. Algo que descobrirão se lerem o livro.

Roca, Paco (2020). Andanças e Confissões de Um Homem em Pijama. Lisboa: Levoir.

Tradução: Pedro Cleto
Nº de páginas: 152
início da leitura: 15/09/2024
Fim da leitura: 25/09/2024

**SINOPSE**
"Andanças de um Homem em Pijama recolhe as histórias publicadas semanalmente na revista El País Semanal e uma história inédita, em que Paco Roca continua a relatar de forma divertida o dia-a-dia de um quarentão que conseguiu cumprir o seu sonho de ficar em casa todo o dia de pijama vestido.

Confissões de um Homem em Pijama inclui duas novas histórias feitas expressamente para a edição em livro, além das suas restantes colaborações no El País Semanal e na revista Academia, uma revista de cinema espanhola."
Este livro reúne uma obra publicada em 2013 (Andanças de um Homem em Pijama) e uma história inédita (Confissões de um Homem em Pijama) e é de um sentido de humor ímpar. O protagonista, o homem em pijama, constitui um alterego do próprio autor e aborda questões do quotidiano, banalidades, liberdade, política, escrita, caos, questões sociais, psicoses e paranóias, questões de psicologia social, física, matemática, botânica, telecomunicações, farmacêutica, condições financeiras, entre muitas outras temáticas. Consciente, crítico, mas divertido, este é um livro que nos faz sorrir, ao mesmo tempo que nos faz consciencializar em relação a determinados assuntos.
Recomendo a leitura!

Velho, Susana Amaro (2024). Descansos. Lisboa: Casa das Letras.

Nº de páginas: 432
Início da leitura:16/09/2024
Fim da leitura: 22/09/2024

**SINOPSE**
"Laura Alarcão regressa à vila onde nasceu e cresceu para assistir ao funeral da mãe com quem não se relacionava há treze anos. Regressa a uma família devastada, ao escrutínio dos vizinhos que enfrentam os seus próprios fantasmas, a uma verdade dolorosa que a afastou da família durante anos: sente-se culpada pela morte da irmã mais nova que tragicamente caiu a um poço quando eram crianças.

Após anos de afastamento, e à medida que novas revelações contrariam tudo aquilo em que Laura sempre acreditou, relações familiares são postas à prova, numa jornada emocional e sombria onde a busca por respostas deixará um rasto de sacrifício.

Numa saga familiar profunda e comovente, Susana Amaro Velho convida o leitor a refletir sobre redenção e aceitação, sobre a vida enquanto coleção de eventos e consequências emocionais que se desdobram.

Descansos evoca a beleza dos laços que nos unem mesmo quando as maiores tragédias são capazes de nos devastar."
Num momento em que nos vemos a braços com os incêndios florestais, este livro traz-nos uma história que evoca os incêndios que devastaram Pedrógão Grande em 2017, o que nos faz sentir pequeninos e questionar o que o país aprendeu com essa tragédia.
Laura Alarcão regressa à terra Natal para o funeral da mãe, com quem deixara de se relacionar há treze anos. Sente-se culpada da trágica morte da irmã mais nova, quando esta, ainda criança, caiu num poço, acidente que terá devastado toda a família.
Nesta saga familiar, o narrador incita-nos a refletir sobre a culpa, a superação, a aceitação, a complexidade da vida e o destino. Descansos é um livro cujas personagens nos apaixonam e se tornam inesquecíveis, porque muito reais, porque muito portuguesas.
Aconselho vivamente!

Sinno, Neige (2024). Triste Tigre. Lisboa: Editorial Presença.


Tradução: Catarina Ferreira de Almeida

Nº de páginas: 224

Início da leitura: 14/09/2024

Fim da leitura: 15/09/2024

**SINOPSE**

"A memória é vívida, mas essa memória tingiu todas as outras imagens, todos os acontecimentos, a vida. Neige Sinno teria sete ou nove anos - a cronologia exata, essa, também está turva - quando o padrasto começou a abusar dela. No corpo de Neige, em tudo o que é matéria ou espírito da mulher que se tornou, a memória exata do abuso permanece. Calada, aos 19 anos, decide quebrar o silêncio, denuncia o agressor, passa pelo julgamento público, sai de França, depois da condenação. E, depois, há este livro, que não queria escrever. E, depois, há o passado que a alcança - e a certeza de que é preciso fazê-lo.

Este livro não é a história de uma criança que foi abusada; é a procura incessante e obstinada de Neige para encontrar a verdade sem adornos, por conseguir ouvir a sua voz real, por no-la fazer escutar, sem esquecimento, sem perdão, sem resiliência. Neste lugar de intimidade, onde só ela e nós habitamos, não há Lolitas, não há reparação de danos, não há a retórica da vítima.

Em Triste Tigre - que Annie Ernaux disse ser o livro mais poderoso e profundo que alguma vez leu sobre uma criança devastada por um adulto -, há palavras exatas, há ternura, há violência, há a urgência de testemunhar coletivamente. Porque, no silêncio e na solidão, o abuso acontece, mas o espaço físico que ocupa é o do resto da vida, e a sua dimensão negra torna-se um duplo que se sobrepõe a tudo.

Dialogando com os grandes nomes da literatura que mergulharam nesta dimensão, Neige Sinno escreveu um dos mais extraordinários, inclassificáveis e premiados livros dos últimos anos."
Que livro! Duro, porque real; comovente, porque cru. Qualquer livro que aborda "de corpo e alma" o abuso de menores, perpetrado anos a fio, é um livro que dói. Dói saber que vivemos numa sociedade tão cruel, numa sociedade disfuncional, numa sociedade doente.
A autora tem uma forma peculiar de nos apresentar este tema, uma vez que nos vai contando a história, refletindo, questionando, desbravando caminhos da mente que nos custa ver desnudados. Mas que é imprescindível desnudar, desvendar, eliminar. Este livro poderá constituir uma catarse para as vítimas, porque "convoca ao mesmo tempo o visível e o invisível", se bem que considere que, ainda que as vítimas possam vir a ter vidas perfeitamente normais e até felizes, sob elas estará sempre aquele fantasma que as relembrará a todo o momento da sua "inocência estilhaçada".
Um livro de não ficção.
Recomendo muito.

Maugham, William Somerset. O Fio da Navalha. Alfragide: Edições ASA, 2010.

Tradução: Ana Maria Chaves
Nº de páginas: 332
Início da leitura: 09/09/2024
Fim da leitura: 13/09/2024

**SINOPSE**
"Quando um amigo e colega de combate morre ao tentar salvá-lo, a vida de Larry Darrell muda para sempre. Para o jovem aviador americano, a morte passa então a ter um rosto. O inexorável mistério da morte leva-o a questionar o significado último da frágil condição humana e a embarcar numa obstinada e redentora odisseia espiritual.
Ao recusar viver segundo as convenções impostas pela sociedade para buscar o sentido da vida (que encontrará, certa manhã, algures na Índia), Larry torna-se simultaneamente uma frustração para os que o rodeiam - principalmente para Isabel, a namorada, e Elliott, tio desta, que cultivam acima de tudo a aceitação e o prestígio sociais - e a personificação de um ideal de espiritualidade e não-compromisso."
Um livro diferente, que não é de fácil leitura, e que, para mim, se tornou, no início, um pouco maçador. Depois percebi que isso tinha a ver com a forma como o autor escrevia, muito fora do comum e muito "fora da caixa", pautado por uma grande coloquialidade. Ao longo da obra, o autor vai conversando com o leitor e acaba por envolvê-lo e fazê-lo caminhar por este "fio da navalha". Também se distingue pelo facto de termos sempre muitos diálogos entre as personagens (o que terá facilitado as suas adaptações ao teatro e cinema). A ordem cronológica também acaba por competir ao leitor fazê-la, pelo que deve ser lido com toda a atenção. As personagens são distintas, apresentam diferentes pontos de vista e, entre elas (Larry, Isabel, Elliott, Gray e Sophie), diferentes visões do mundo, que acabam por ser pretexto para uma discussão filosófica.
Gostei do livro. Achei a forma como está escrito muito "à frente" para a época em que foi escrita. Porém, não é um livro que me marque para sempre. Gostei, mas não adorei.

Pereira, Ana Cristina (2022). Mulheres da minha ilha, mulheres do meu país. Lisboa: Bertrand Editora.


Nº de páginas: 264

Início da leitura: 06/09/2024

Fim da leitura: 12/09/2024


**SINOPSE**

"As mulheres deste livro nasceram num intervalo de 50 anos. Entre a mais velha e a mais jovem há um mundo de diferenças: o país mudou, as perspetivas e liberdades expandiram-se e, com elas, vieram novas possibilidades e novos obstáculos. Este livro resgata a história dessa transformação a partir de vozes que não fazem parte das estruturas de poder. Num ziguezague entre o presente e o passado, parte da vida de mulheres comuns, de diversas classes sociais, para contar as suas histórias, entrelaçadas com a história do arquipélago da Madeira, lugar de fronteira, e com a história das mulheres em Portugal, dimensão menos conhecida da história do país. Sempre em diálogo com artistas naturais ou residentes na região. É, de certa forma, um livro-exposição, um livro-viagem, mas acima de tudo um livro-testemunho do legado de Abril."

Este é, sem dúvida, um livro delicioso, que vale mesmo a pena ler. Fala-nos de mulheres nascidas na ilha da Madeira ou lá residentes arrticulando-a com a história das mulheres em Portugal. Entre estas mulheres, estão operárias, bordadeiras, artistas, agricultoras, empregadas domésticas, entre outras, cujas histórias testemunham as "igualdades que Abril abriu". Muito bem escrito, este é um livro que nos prende do início ao fim. Aconselho vivamente!

Couceiro, Rui (2022). Baiôa Sem Data Para Morrer. Porto: Porto Editora.

Nº de páginas: 448
Início da leitura: 05/09/2024
Fim da leitura: 08/09/2024

**SINOPSE**

"Quando um jovem professor decide aceitar a mão que o destino lhe estende, longe está de imaginar que, desse momento em diante, de mero espectador passará a narrador e personagem da sua própria vida. Na aldeia dos avós, no Alentejo mais profundo, Joaquim Baiôa, velho faz-tudo, decidiu recuperar as casas que os proprietários haviam votado ao abandono e assim reabilitar Gorda-e-Feia, antes que a morte a venha reclamar. Eis, pois, o pretexto ideal para uma pausa no ensino e o sossegar de um quotidiano apressado imposto pela modernidade. Mas, em Gorda-e-Feia, a morte insiste em sair à rua, e a pacatez por que o jovem professor ansiava torna-se um tempo à míngua, enquanto, juntamente com Baiôa, tenta lutar contra a desertificação de um mundo condenado.
Num romance que tanto tem de poético como de irónico, repleto de personagens memoráveis e de exuberância imaginativa, e construído como uma teia que se adensa ao ritmo da leitura, Rui Couceiro põe frente a frente dois mundos antagónicos, o urbano e o rural, e duas gerações que se encontram a meio caminho, sobre o pó que ali se tinge de vermelho, o mais novo à espera, o mais velho sem data para morrer."

Fico tão feliz por ver escrever tão bem em Portugal! É um enorme orgulho. A escrita de Couceiro pauta-se pela simplicidade, sem descurar a cultura geral que vai manifestando, não só em várias áreas do saber, como, principalmente, no que toca à tradição oral. Sente-se, também, a infuência de vários escritores portugueses, como Eça de Queirós, Mário de Carvalho, entre outros, criando, porém, um estilo muito pessoal e único e revelando grande destreza linguística.
O narrador é um jovem professor, que se encontra com uma depressão que não o deixa dormir. Vive na capital com os pais e, ao saber que na aldeia alentejana dos pais, Gorda-e-Feia, há um homem que está a reconstruir as casas que se foram degradando com o tempo, decide tirar uma licença sem vencimento e rumar para lá. Mas o seu interesse não se prende na casa enquanto património, tem mais a ver com uma procura de si mesmo, uma tentativa de se encontrar e de se salvar da depressão em que se encontra. Procura a lentidão, a vida onde nada acontece, onde a atualização das redes sociais não interessa.
A partir desta premissa, narra-nos várias histórias de Gorda-e-Feia, das suas gentes, que vão, inevitavelmente, envelhecendo e caminhando para a morte. Adorei estas histórias e, ao mesmo, tempo, senti esta nostalgia da passagem do tempo. Quando as personagens nos cativam, cada uma à sua maneira, ainda que de maneiras tão distintas, então, temos uma história incrível. Recomendo muito a quem gosta de ler boa literatura, pausadamente, aproveitando para refletir.
Adorei e recomendo muito.

Oliveira, Elisabete Martins de (2024). Onde As Garças Voam. Lisboa: Cultura Editora.

Nº de páginas: 400
Início da leitura: 03/09/2024
Fim da leitura: 05/09/2024

**SINOPSE**
"Durante toda a vida, Matilde procurou fugir das memórias opressoras da sua infância. Assim que atingiu a maioridade, partiu do Alentejo que a viu crescer rumo a uma Lisboa cheia de oportunidades.

Na capital, já adulta, constrói a vida com que sonhara: tem o seu próprio negócio e vive com o marido e os dois filhos, distante dos traumas de infância. Contudo, uma sucessão violenta de acontecimentos e de decisões tomadas em momentos errados ameaçam destruir a família de Matilde, e a única solução é voltar ao passado.

O regresso à casa dos pais e a dificuldade que estes têm em lidar com a neta com perturbação do espetro do autismo e com um genro que consideram incompetente vão pôr à prova a resiliência da família. O impacto deste reencontro com os pais — e com outras pessoas do passado — vai levantar o véu de memórias dolorosas que Matilde sempre tentou esquecer."
Esta é a história de um país em crise, sentida especialmente por quem tem profissões mais alternativas, ligadas às artes e comunicação, mas que, no fundo, são o reflexo de uma grande parte da sociedade.
Um casal com dois filhos - um menino e uma menina autista - não escapam à situação de crise, vendo-se, de repente, sem emprego, sem casa própria (ou alugada) para morar e o desespero vai tomando conta deles. Como sobreviverão a esta situação precária em que se encontram e conseguirão ou não enfrentar juntos este momento difícil? Eles, que viviam em Lisboa, onde tinham antes os seus empregos, veem-se obrigados a um regresso não almejado a casa dos pais dela, onde não são bem recebidos.
Esta é uma leitura simples, envolvente e uma história de superação. Apenas ressalvo que a primeira parte da história passa a correr, bem como a conclusão (um pouco alinhavada à pressa). Pelo meio, a narrativa torna-se um pouco repetitiva. Outra repetição constante é a da expressão "criar memórias", que não precisava de surgir tantas vezes, pois percebemos à primeira.
Ainda assim, aconselho a leitura, pelos temas abordados, pela doçura da narrativa e pelas personagens que nos cativam.

MacGregor, Virginia (2015). Com os Olhos do Coração. Lisboa: Edições ASA.

Tradução: Raquel Dutra Lopes

Nº de páginas: 336

Início da leitura: 02/09/2024

Fim da leitura: 04/09/2024

**SINOPSE**

"Milo tem nove anos e é praticamente cego - é como se visse tudo pelo buraco de uma agulha. Felizmente a bisavó, de 92 anos, ensina-o a olhar para o mundo de uma maneira diferente: se ele prestar mesmo muita atenção, conseguirá ver coisas que mais ninguém vê.
E o que ele vê não é bonito. Desde que o pai se foi embora de casa, "com a sua Galdéria para Abu Dhabi", a mãe anda triste, sempre com o mesmo vestido de folhos, e a queixar-se de falta de dinheiro. Resta-lhe apenas o consolo de Hamlet, o seu porquinho de estimação, e as conversas com a bisavó sobre tempos idos.
Um dia, porém, a bisavó quase incendeia a casa e é enviada para um lar de terceira idade. Milo fica destroçado. Ainda por cima ele vê no lar coisas que mais ninguém vê. Por trás da fachada imaculada do edifício, os idosos vivem aterrorizados pela diretora, a sinistra Enfermeira Thornhill. Milo tem agora uma missão quase impossível.
Com os Olhos do Coração é a epopeia heróica de um rapaz que não se conforma em perder a bisavó e que tudo fará para a resgatar.
Obra de culto de Virginia MacGregor, traduzida em mais de vinte países, Com os Olhos do Coração dá-nos a conhecer uma inesquecível personagem e, através dela, a insensatez do mundo em que vivemos."
Este é um romance juvenil, que pode ser lido por pessoas de todas as idades. Aborda temáticas muito importantes, com grande delicadeza: a diferença, os afetos, as convicções, a entreajuda, a traição, a falta de autoestima, a capacidade de sonhar, os maus-tratos em alguns lares, entre outros.
O protagonista é uma personagem que guardarei comigo. Milo, uma criança de 9 anos, possui uma coragem sem limites no que toca ao bem-estar da sua bisavó.
Apenas ressalvo um aspeto que não apreciei tanto e pelo qual não dou 5 estrelas: a infantilidade da linguagem, como o uso de onomatopeias desnecessárias.
Deixo uma passagem:
"Milo não ia deixar que a Mãe enfiasse a Vó num lar. Fingiria alinhar com a ideia e depois a Mãe acalmaria e perceberia que o lugar da Vó era ali mesmo, no pequeno quarto que o pai transformara para ela debaixo do telhado, e que Milo era a melhor pessoa para cuidar dela."
Aconselho a leitura, pela ternura da história e pelos sentimentos e valores que transmite.

Donati, Alba (2024). A Livraria na Colina. Lisboa: Pergaminho.

Tradução: Marta Pinho
Nº de páginas: 200
Início da leitura: 30/08/2024
Fim da leitura: 01/09/2024

**SINOPSE**
"«- Romano, gostava de abrir uma livraria na minha aldeia.
- Muito bem, quantos habitantes tem?
- 180.
- Então, 180 mil a dividir…
- Não é 180 mil, é 180.
- És doida.»
Um crowdfounding, em 2019, permitiu à poeta Alba Donati deixar o seu trabalho numa das maiores editoras italianas e trocar Florença pela sua aldeia natal, Lucignana. Um incêndio e uma pandemia não foram suficientes para enterrar o sonho; pelo contrário, uma vez inaugurada esta pequena cabana nas montanhas, repleta de delícias literárias (incluindo meias e chás inspirados em livros e autores), os amantes da leitura, de todos os tipos e proveniências, juntaram-se para a manter viva - e próspera! Visitada por escolas, turistas, peregrinos, com um festival literário e diversos eventos culturais, a Libreria Sopra la Penna - pequeno espaço cheio de grandes sonhos - tornou-se um destino global para leitores ávidos, curiosos e até principiantes."
Confesso que não entendo a classificação que este livro tem no Goodreads - 3,51, contra outros livros que têm surgido como cogumelos, igualmente sobre livrarias, em que se nota um desconhecimento de o que é realmente uma livraria, abordando todos os assuntos menos o que dá título aos livros.
Este não é um livro ficcional, não é um livro em que a livraria serve de pretexto para contar uma história de amor, não é um livro para passear rapidamente pelas páginas, nem sequer é um livro com um ritmo rápido. Mas é o livro de uma autora/livreira que nos conta, de forma doce, poética e apaixonada, a sua experiência na criação de uma livraria na sua terra natal, Lucignana, de apenas 180 habitantes. E, mesmo que tivesse tudo para correr mal e tenha, de facto, passado por momentos conturbados, é curiosa a forma como a autora lutou pelo seu projeto, o desenvolveu e a cultura geral que foi adquirindo. Adorei conhecer as estratégias concebidas para cativar leitores para a leitura e aquisição de livros (algumas adoraria replicar na Biblioteca Escolar). É igualmente enriquecedor conhecer as listas de encomendas e, de entre os livros referidos, muitos já li, outros registei para depois ler as sinopses e escolher leituras. 
Também gostei de conhecer o passado da autora/livreira, a sua família muito "sui géneris", as gentes de Lucignana, o seu passado humilde, o relacionamento com os leitores e habitantes de Lucignana, que nos vai sendo narrado de forma muito pessoal, em jeito de diário.
Ainda por cima, partilho o gosto pelo livro "A Porta", de Magda Szabó, referido como um dos seus livros favoritos.
Recomendo muito e deixo uma das passagens que me marcou:
" Aconselho que respondam sempre a quatro perguntas após uma leitura:
1. Para que serviu?
2. Porque gostei do livro?
3. O que mudou na minha mente?
4. O que mudará nas minhas ações?"

Aceito o desafio:
1. Serviu para me inspirar, para me reconhecer enquanto livreira (que também já fui) e ficar a conhecer muitos livros e escritores que desconhecia.
2. Gostei não apenas pela temática (razões já evidenciadas no ponto 1), mas pela forma escrita. Adorei as listas de encomendas.
3. Penso que retirarei muito das estratégias utilizadas pela autora para cativar para a leitura e que me fizeram mudar a forma como encaro as pequenas livrarias.
4. Despertada a curiosidade, estarei muito mais atenta a todas as pequenas livrarias, tentarei conhecer mais, apoiar mais. Também aprendi várias estratégias de motivação para a leitura, que pretendo replicar (claro, de forma mais simples).

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Sobre mim

Professora de português e professora bibliotecária, apaixonada pela leitura e pela escrita. Preza a família, a amizade, a sinceridade e a paz. Ama a natureza e aprecia as pequenas belezas com que ela nos presenteia todos os dias.

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