Tokarczuk,
Olga (2019). Conduz o Teu Arado Sobre os Ossos dos Mortos. Amadora:
Cavalo de Ferro.
Nº de
páginas: 288
Início
da leitura: 28-07-2020
Término
da leitura: 01-08-2020
Conduz
o Teu Arado Sobre os Ossos dos Mortos
é um livro de Olga Tokarczuk, Prémio Nobel da Literatura, nascida em Sulechów,
uma pequena cidade polaca e traduzido por Teresa Fernandes Swiatkiewicz. Este é
um livro completo, muito bem escrito, com todos os ingredientes para ficarmos
imediata e irremediavelmente presos à narrativa. E se pensam que partem para
apenas mais uma leitura “desenganem-se”, porque é um livro que nos vai deixando
cada vez mais emocionados à medida que vai sendo lido para, no fim, ficarmos
boquiabertos com um final totalmente inesperado. Um romance duro e cru muito, mas muito bom.
Janina
Duszejko é a protagonista e narradora deste livro. É uma mulher polaca, idosa,
ágil, refém das suas “maleitas”, conhecedora, misteriosa, interessada em
astrologia, que gostava de traduzir poemas de Blake e defensora dos animais. É
uma mulher rara, única, com uma personalidade forte. No início, simpatizamos
com esta velhinha invulgar, que nos surpreende pela sua maneira de pensar. Depois,
respeitamo-la pelas próprias ideias sólidas que apresenta, consciência cívica,
racionalismo e poder de reflexão únicos. Por fim, surpreendemo-nos com ela.
Na
pequena aldeia polaca, começam a morrer membros do clube de caça local. Janina
decide, com a ajuda do seu vizinho e admirador (?) Papão, investigar estes
casos, chegando à conclusão de que os mesmos teriam sido levados a cabo pelos
próprios animais, para se vingarem. Chega a escrever várias cartas à polícia,
com esta sua teoria, que é desvalorizada e considerada tresloucada.
Janina
é uma defensora dos animais e do seu bem-estar. Considera que, caso sejam
mortos, devem ter um fim condigno como os humanos e arranja-lhes um cemitério
na sua propriedade, mantendo uma lamparina nas suas sepulturas cobertas de neve.
O padre Sussurro achava que não se podiam tratar os animais como as pessoas, uma
vez que os animais não tinham alma, não sendo salvos e tinham um lugar no mundo
inferior aos dos homens, vivendo apenas ao serviço deste. Era contra esta
ignorância que Janina lutava. Eram estas atitudes que a deixavam irada. E a ira
“deixa sempre atrás de si um imenso espaço vazio, onde, logo a seguir, como uma
inundação, a tristeza transborda e um grande rio corre, sem princípio nem fim”.
A ira impulsiona o homem, é ela que o leva a agir. Penso até que a ira poderá
condicionar a existência humana e ser responsável por atitudes de que o Homem não
se saberia capaz. Até onde poderia a ira levar as personagens?
É um livro que nos faz pensar sobre a ação do homem relativamente, por exemplo, aos animais. Até que ponto o ser humano maltrata os animais? Certo é que esta relação homem-animal está incutida desde o início dos tempos como uma relação de domínio, subjugação dos animais. O padre Sussurro chega a proferir que “os caçadores são embaixadores e colaboradores de Deus na obra da criação, proteção dos animais e cooperação (…) A palavra «caçador» vem do latim captare, que figuradamente significa «compreender uma ideia; logo, na palavra «caçador» está implícita a aceção de compreender o significado da missão de cuidar da dádiva de Deus que é a natureza”.
Estaria
a teoria de Janina certa? Nada nos faz prever o final, imprevisível e
surpreendentemente bom!
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