Cruz, Afonso (2021). O Vício dos Livros. Lisboa: Companhia das Letras.
Nº de páginas:
128
Início da
leitura: 08/06/2021
Fim da leitura:
08/06/2021
Quando
se chega ao fim de um livro e se diz “já?”, “Não pode acabar agora!”, é porque
nos tocou. Era previsível. Primeiro, o título foi logo um braço estendido a
pedir-me “Lê-me!”, não fosse também meu “O Vício dos Livros”. Depois, Afonso
Cruz é Afonso Cruz.
O
Vício dos Livros de
Afonso Cruz é um livro tão bom que sabe a pouco! Para além de nos conduzir, através
das suas reflexões pessoais, curiosidades e memórias, ao âmago de um “amor
maior”, fala-nos de livros e de autores que, de alguma forma, o marcaram no seu
percurso de leitor. E fá-lo de uma forma simples, com sentido de humor, de
forma poética que cativa e deixa o leitor rendido e sem vontade de pousar o
livro.
Falar
deste livro é citar Afonso Cruz, pois é quase impossível contar o que é
incontável se não pelo autor. Desde a ternura com que fala da avó que se
esquecia do avançado da idade ao contar as suas histórias, que o faz pensar na
“luz por dentro” (de que falava Mário Quintana) que embeleza as “histórias dos
velhos”. Ou quando nos conta como os livros podem influenciar até uma relação
amorosa. Ou quando nos diz que, como “a morte também é leitora”, devemos andar
“sempre com um livro na mão” para a distrair. Ou quando nos conta a história de
uma escritora árabe que se divorciou porque, nas palavras que o autor cita da
mesma “Comecei a ler e libertei-me”. Ou quando explica que o que afasta as pessoas
da leitura são argumentos falaciosos e, citando António Basanta, refere que
“não é a falta de tempo que impede a leitura: é a falta de desejo”. Argumentos
como “gostaria muito, mas não tenho tempo para ler”, “adoro ler, mas o trabalho
não deixa”, “costumava ler, mas as responsabilidades agora são muitas” não
passam de desculpas, porque se pode ler até “entre trabalhos e tarefas” “nos
transportes”, “enquanto almoça”, “na casa de banho”, “antes de dormir”. Adorei
a passagem sobre “O poeta que foi assassinado pelos próprios livros e não pude
deixar de rir com os exemplos, de que cito apenas um: “o pianista e compositor
Charles-Valentin Alkan morreu a 30 de março de 1888 esmagado pela sua
biblioteca”. Literalmente, sentiu “o peso esmagador do que leu”. Depois, a forma como cada um organiza a sua
biblioteca e a surpresa que pode ter ao colocar um livro meio ao acaso e com o
qual tem “encontros inesperados”.
Ainda
tem o poder de dizer o que penso, o que me faz pensar realmente, quando refere,
com alguma mágoa, das histórias que poderia ter ouvido e, pura e simplesmente
ignorou numa dada altura da sua vida. Refere que “a maior viagem possível é
ouvir” e dá conta de uma frase de um livro de Antonio Basanta, que diz “A
primeira biblioteca que conheci na minha vida foi a minha mãe (…) Cada noite,
antes de dormir, visitávamos as estantes da sua memória”.
Termino
com uma passagem que não poderia mesmo deixar de citar, por me identificar
tanto com ela: “Por vezes, os livros que não são lidos podem assumir um ar
acusador. Muitos leitores sentem alguma culpa quando olham para pilhas de
livros por ler. No meu caso, considero estes livros uma possibilidade de ser
livre: não tenho apenas um livro para ler, tenho muitos, e isso permite-me
escolher o próximo”.
1 Comentarios
Maravilhosa opinião 💖
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