Novo, Isabel Rio (2018). A Febre das Almas Sensíveis. Lisboa: Dom Quixote.
Nº de páginas:
200
Início da leitura:
12/06/2021
Fim da leitura:
13/06/2021
A Febre das
Almas Sensíveis,
escrito pela portuense Isabel Rio Novo lê-se num ápice. É absolutamente
viciante!
Ousaria
começar com uma passagem da obra: “A quase todos nós, filhos do tempo, a
eternidade inspira uma angústia involuntária, e o infinito, um medo misterioso.
Talvez por isso gostemos das histórias de assombrações, que escutamos com um
misto de arrepio e espanto.”
Foi
com este misto de “arrepio e espanto” que adentrei nesta leitura.
Intercalando
uma narrativa de primeira pessoa com uma de terceira, surgem-nos personagens distintas
e uma teia de histórias que se cruzam e se fundam na própria História, em que a
tuberculose, doença das multidões operárias das cidades, mal alimentadas e
consumidas pelo excesso de trabalho, dos sobreviventes das guerras, dos
estropiados, dos desnutridos, dos miseráveis. Essas eram, na verdade, as almas
sensíveis.
Assim,
é-nos contada a história de um “estranho” agregado familiar das Fontainhas, a
par da visita a um sanatório em ruínas por uma jovem, que aí descobre umas páginas
escritas e outros objetos, que funcionam como uma espécie de apontamentos que
vai recolhendo, e ainda um outro narrador de terceira pessoa, que vai recordando
vários tuberculosos famosos que foram vítimas desta doença, de entre médicos,
professores e, essencialmente, poetas. E, essencialmente poetas, pela sua
condição de almas sensíveis e frágeis, de quem mais facilmente a doença se poderia
apropriar. De entre estes escritores, são referidos Walt Whitman, as irmãs
Brontë, Anton Tchekov, Balzac e, entre nós, Cesário Verde, António Nobre, Júlio
Diniz, Soares de Passos, Sebastião da Gama, José Duro, entre outros.
Uma
narrativa engenhosa, extremamente bem escrita e cativante.
A
história que mencionei no início é a da família de Alice e Manuel, cujos filhos
foram nascendo em diferentes localidades de Portugal: Figueiró dos Vinhos, Peniche,
Buarcos, tendo vivido ainda em Vila da Barca, Figueira da Foz, Coimbra, uma vez
que Alice era professora e não tinha colocação efetiva. O pai dividia-se entre “vários
sonhos e a frustração de nunca os ver concretizados”. Certo era, que não havia
grande amor naquela casa, com uma mãe ausente e um pai que “oscilava entre a
ternura e a severidade”. Eduardo assumia perante os irmãos, Gilberto e Armando,
as responsabilidades dos pais ausentes. No meio desta desestruturação toda, Alice
começa a trair o marido com outro homem.
Quando
Armando apresenta a futura esposa à mãe, esta rege mal e, perante a afronta que
sente quando Manuel se coloca do lado do filho, Alice decide que, a partir
daquele dia, deixaria de ser mãe deles e nunca mais queria vê-los sequer.
Gilberto foi o único que ficou com a mãe. Quando a mãe diz a Eduardo que nunca
conseguirá concretizar o seu sonho de ser médico, este promete a si mesmo que o
há de conseguir.
Armando
acaba por casar com Natália e têm uma menina, a Laura. A criança é a primeira a
morrer vítima de tuberculose. Armando acaba por ser internado num sanatório, no
Caramulo.
É
incrível a descrição minuciosa que é feita da vida de Armando no Sanatório, os
amigos que faz, o que observa, a solidão que enfrenta, a morte a que assiste. É
tudo de um realismo e, ao mesmo tempo, de uma poeticidade (um decadentismo
romântico) que nos enternecem a alma.
Impressionante
também é conseguir encontrar-se um ideal de beleza feminina nas feições
marcadas por esta febre que tanta gente matou: “A palidez dos olhos húmidos, as
faces enrubescidas e a rouquidão da voz sublinhavam a languidez dos corpos, a
alvura dos dentes e a tonalidade dos cabelos, tornando os anjos tísicos modelos
da estética feminina cultuada pelos românticos”.
Ter-se-á
Armando curado e regressado a casa, para junto de Natália? E Eduardo, conseguiu
ele formar-se? E Alice, conseguiu ela cumprir a sua promessa de nunca mais
querer ver os filhos?
Certo
é que é de forma febril que se lê este livro, absolutamente intenso e brilhante!
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