Almoço de Domingo, José Luís Peixoto

Peixoto, José Luís (2021). Almoço de Domingo. Lisboa: Quetzal Editores.


Nº de páginas: 264

Início da leitura: 05/06/2021

Fim da leitura: 05/06/2021 

Almoço de Domingo é um romance biográfico do comendador Rui Nabeiro. O próprio facto de o narrador ser, na maioria da obra, de primeira pessoa, na pessoa do próprio Rui, confere-lhe esse caráter ficcional. As memórias apresentadas são as de um homem de 90 anos. Talvez por esse facto, surjam, na maior parte das vezes, alternadas, diria mesmo quase fundidas, mescladas. Porém, sem nunca perder a lucidez que ainda o caracteriza e que é por demais evidente nas mesmas memórias. É de louvar esta lucidez, a forma como recorda lugares, gentes, acontecimentos, cheiros, sabores, regressos a casa.

Se fosse, à letra, uma biografia, haveria com certeza muito mais que dizer. Assim, nota-se que José Luís Peixoto escolheu os episódios que considerou mais marcantes e mais ligados à vida pessoal deste homem.

Rui Nabeiro é-nos apresentado com toda a humildade, convicções e espírito de sacrifício que o tornaram no empresário de sucesso e de renome como há poucos.

Quando, em 1961, cria a marca Delta, poderia pensar-se num empresário como tantos outros. Mas Rui era diferente. Fazia questão de se fazer presente. Nas fábricas, junto dos comerciantes e donos de cafés e restaurantes que lhe comprariam o café, no estrangeiro… A sua presença não era, contrariamente à de tantos empresários, uma presença distante. Ele falava com todos, sorria a todos, sempre pouco preocupado com, por exemplo, o “fato de treino fora de moda” que envergava. Eram esta simplicidade e humildade que cativavam.

Muitos são os acontecimentos que recorda, desde os pais, os irmãos, a irmã mais nova doente e que morre demasiado nova; quando é chamado à inspeção; os tempos de escola; o pão que ajudava a migar, na infância, para as sopas de pão; o tio Joaquim e os jantares com ele; o olhar de Marcelo Caetano; o jogo que foi ver, onde estava também Jorge Sampaio; o rapaz de quem o pai tomava conta; a morte do “amigo sincero”; o almoço com Mário Soares e Felipe Gonzalez nas mesas improvisadas da Cooperativa Progresso Campomaiorense, entre muitos muitos outros acontecimentos em que nos envolvemos e nos cativam.

Porém, de todos os acontecimentos, o que mais me emocionou foi, sem dúvida, a sua relação com a esposa, Alice. Não imagina “que vida teria tido sem ela”. Recorda o dia do casamento, um casamento simples, no qual “havia demasiada igreja para um ajuntamento tão modesto”. Casou aos 22 anos. Alice tinha 20 e trabalhava na costura. São setenta e sete anos que recorda com carinho. Relembra, com especial ternura, as manhãs de sábado com Alice, mesmo quando já tem de a ajudar a levantar-se, quando ela lhe pede que abra algumas persianas para entrar “mais sábado sobre os tapetes”. Relembra a voz dela “a ganhar primaveras no momento em que dizia o nome dos filhos, netos e bisnetos”, nestes sábados “que acrescentavam mais sabor à comida”. E que bonita a passagem em que nos fala do amadurecimento da sua relação: “…havia uma delicadeza especial, uma espécie de segredo, um encanto a que apenas se chega depois de muitos anos. Alice, esse nome atravessava o tempo, e o tempo era a vida”.

E, por fim, o regresso a Campo Maior, agora tão diferente do que era antes, mas que continua a considerar como o seu “regresso a casa”. É um regresso a casa para um almoço de domingo, onde celebrará os seus 90 anos, com toda a família e amigos.

Para além de uma vida riquíssima, dos episódios eximiamente escolhido pelo autor, temos a linguagem e o estilo de José Luís Peixoto, que nos consegue cativar e prender à narrativa. As repetições utilizadas concedem intensidade à mensagem que se quer transmitir, como se se tornassem parte dos nossos pensamentos, ficando a “martelar”. E depois, depois o mais importante: a poeticidade da linguagem de Peixoto, que nos comove, que nos arrepia, e que, neste livro, me fez sentir este regresso a casa como meu, como se nesta memória de um almoço de domingo, fosse um dos presentes, a sentir este aconchego de família. E que aconchego nos dá este livro! Recomendo tanto!

 

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