Filho da Mãe, Hugo Gonçalves

Gonçalves, Hugo (2019). Filho da Mãe. Lisboa: Companhia das Letras.

Nº de páginas: 240

Início da Leitura: 09/06/2021

Fim da Leitura: 11/06/2021

 


Filho da Mãe é um romance biográfico de Hugo Gonçalves, no qual o autor faz uma incursão ao passado, na tentativa de recordar a mãe, o impacto que a sua doença e morte tiveram nele.

Não foi um tema fácil para mim, uma vez que me revejo sobretudo no que concerne à doença, de que foram vítimas os meus pais, com 49 e 55 anos.

Num relato pessoal e introspetivo, começa por nos contar sobre o momento em que perdeu a mãe, em 1985, tinha ela apenas 32 anos e ele 8. Vai intercalando vários momentos da sua vida, numa busca pelo passado, por tudo o que ficou esquecido nas brumas da memória e a procura que fez, ouvindo familiares e amigos que, de alguma forma, conheceram a mãe.

Em 2015, a avó entrega-lhe um saco de plástico com o testamento do avô, que ele só abrirá um ano depois.

Sobre a doença da mãe pouco sabia e pouco ficou a saber pelo pai que se fechou “à beira do precipício de uma depressão”.

Recorda que, quando tinha 8 anos, sabendo que a mãe estava doente, embora não se falasse nisso, achava que “se andasse pela casa de joelhos, esfolando a pele”, as suas feridas poderiam, de alguma maneira, substituir as da sua mãe. Nesta altura, combatia o mistério da doença, refugiando-se no sobrenatural e na ficção. Estas são breves recordações. Muitas são as perguntas que se coloca, uma vez que grande parte das suas vidas “em comum foi apagada”. Sabia apenas que “A doença era uma criatura incorpórea, capaz de atravessar paredes” e “O cancro: um apaixonado pacto suicida unilateral”.

Em breves conversas com o pai, anos depois, fica a saber que ele e a mãe tinham uma forte ligação.

Quando a mãe morreu, “…sentia a brutalidade da sua ausência – inarredável, sem solução, o silêncio soprado nas veias como no interior das paredes de uma casa devoluta.”

No momento em que o pai refez a sua vida com Rita, ele passou a andar com uma foto dela para não lidar “mais com o constrangimento de dizer aos novos colegas” que a mãe tinha morrido.

Aos 17 anos, entregou-se aos vícios - sexo, drogas e álcool – formas de “escapismo, um recurso simples para algo profundo”, porque “por vezes, revolta e autodestruição são a mesma coisa”.

Com quase 40 anos, assume, pela primeira vez, que a perda exige o luto. Foi então que abriu o testamento do avô.

Termino com mais uma frase do autor, que, quanto a mim, resume bem esta obra: “de todos os eventos biográficos da família, nenhum foi tão decisivo e irrevogável. A ausência da minha mãe é aquilo que sou”, sendo que a sua maior mágoa foi nunca se ter despedido da mãe.

Este foi um livro que li de forma íntima, revendo-me na dor sentida, nas perguntas que o autor ia colocando (“Como era a voz dela? Como era a voz do seu cansaço ou entrecortada por um soluço?... Qual o tom do seu riso? Cantava ao estender a roupa? Como dizia o meu nome?").

É impossível ficar indiferente, por exemplo, quando, ao falar do pai, refere: “Um homem que teve de a deixar no hospital, entregue a estranhos, que pegariam no corpo e o levariam para a morgue…O meu pai esperou na sala de embarque e entrou no avião sabendo que, nas duas horas e meia que se seguiam, a sua mulher morta estaria no porão, debaixo dos seus pés, viajando a três quilómetros da face da terra onde seria enterrada”.

Um livro que se lê com um aperto no peito, uma amálgama de memórias que nos contraem os músculos e nos fazem, inevitavelmente, deixar escapar umas lágrimas teimosas.

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