Jesus, Miguel (2020). Lugar para Dois. Alfragide: Casa das Letras.
Nº de páginas: 240
Início da leitura: 09/12/2024
Fim da leitura: 09/12/2024
**SINOPSE**
"Depois do sucesso da inauguração do Metropolitano de Lisboa, Daniel Stoffel, responsável financeiro do projeto, parece poder escolher o futuro que quiser. Porém, a morte da filha num acidente estúpido enche-o de uma culpa que de não se consegue libertar.
Desfeito o casamento, começa a afundar-se na bebida, até que um amigo lhe sugere que deixe Portugal, onde tudo aconteceu, e tente recomeçar a vida noutro lugar. Instala-se, então, num lugar recôndito de Moçambique, onde uma velha negra o ajuda nas tarefas domésticas e lhe leva jornais que o põem a par dos movimentos independentistas das Colónias e das mudanças por que a Metrópole vai passando.
Apesar da vontade de ficar sozinho, o frondoso embondeiro que o protege da curiosidade alheia tem uma frase riscada no tronco que parece traçar-lhe um destino diferente, insistindo na paternidade que lhe estava destinada. E, por mais que Daniel a renegue, é nesse caminho que poderá encontrar o próprio perdão.
Belo, duro, mágico e ternurento - com uma banda sonora exclusiva e um toque africano no colorido das palavras e das paisagens -, Lugar para Dois é um romance excecional sobre a culpa, o amor e aquilo que ainda tem para dar quem julga que, afinal, já perdeu tudo."
Que livro! Ainda não o tinha lido, pensando que pudesse ser um pouco "lamechas". Não! Neste livro, temos o poder da palavra escrita e ouvida, porque o acompanham canções originais do escritor, que também canta, e que resultam, a cada momento narrativo, de uma forma ímpar. A história, que começa em Lisboa com o protagonista Daniel a ter de fugir de Portugal, optando por se refugiar num local remoto de Moçambique - o "Lugar para Dois" - é muito mais do que uma história de amor. É uma fuga aos sentimentos, é uma história de quem se dá e cria afetos sem os demonstrar, sem se pronunciar. É uma história de superação, de busca da paz interior, que todos almejamos.
Esta história é-nos contada, a partir do aparecimento de um gato, que veio a chamar-se 31 de fevereiro e é-nos contada pelo próprio gato. A linguagem flui e traz-nos Moçambique aos olhos (muito ao jeito de Mia Couto) Impossível largar depois de começar. É viciante. Recomendo muito!
"Daniel fitou-a, com lágrimas nos olhos, as primeiras que lhe vi.
- Tinhas de vir para eu poder ir... - Nora escondeu o rosto nas mãos cansadas do velho, ouvindo-lhe as palavras soluçadas." (pág. 204)
"Há restos de uma história, pores do sol feitos de paz/ sabor de sal nos sonhos que um dia eu deixei para trás" (pág. 235)
"Escolhi um mundo sem ninho/corda bamba por caminho/Nunca tive um lugar para dois" (pág. 238)