Histórias Soltas Presas Dentro de Mim

 Michaelides, Alex (2022). As Musas. Lisboa: Editorial Presença.

Tradução: P. Vieira
Nº de páginas: 360
Início da leitura: 17/05/2023
Fim da leitura: 18/05/2023

**SINOPSE**
"Se Edward Fosca é um assassino? Disso, Mariana tem a certeza. Mas Fosca é intocável. O belo e carismático professor de Tragédia Grega na Universidade de Cambridge é adorado por funcionários e alunos? Principalmente pelas alunas que fazem parte das Musas, uma sociedade secreta. Mariana é uma terapeuta de grupo extraordinária, mas as suas tragédias pessoais perseguem-na. Quando Tara, membro das Musas, é encontrada esfaqueada e sem vida, Mariana fica obcecada com o caso. Como antiga aluna de Cambridge, suspeita imediatamente de que, por detrás da beleza do edifício medieval que abriga a instituição secular e as suas antigas tradições, se esconde algo sinistro.

Apesar de Edward Fosca ter um álibi, para Mariana ele é o responsável por aquela morte. Mas o que faria o professor atacar assim uma das alunas? E por que razão não para de falar dos ritos de Perséfone e da sua viagem ao Submundo?

Quando outro corpo é encontrado, Mariana fica descontrolada. Tem de conseguir provar a culpa de Fosca. Esta obsessão ameaça minar todas as relações que tem, mas ela está determinada e quer deter este assassino, ainda que isso lhe possa custar tudo… inclusive a própria vida."
Ainda que tenha gostado mais de A Paciente Silenciosa, este livro é também bastante bom, prendeu-me à narrativa, fazendo-me identificar suspeitos ao longo da história e que, no fim, surpreende, porque nenhuma das minhas suspeitas se confirmou. 
O autor utiliza uma linguagem bastante descritiva, que nos faz prestar atenção aos pormenores, e todos eles são, com efeito, importantes. Também imprime um grande visualismo às descrições, o que nos faz sentir ao lado das personagens a presenciar todos os acontecimentos. Não possui um ritmo alucinante, nem faz perder o fôlego, mas é uma história muito bem pensada e inteligente. As referências à arte e literatura gregas encaixam perfeitamente e até nos induzem em erro. Acabamos por perceber que, nesta história, não há apenas um crime, são vários e de ordem diversa. Uma boa história para entreter!
Se ainda não leram, é um bom livro para entreter num dia de praia ou piscina.

 Lo, Malinda (2022). Ontem à Noite no Telegraph Club.

Tradução: Elga Fontes

Nº de páginas: 392

Início da leitura: 14/05/2023

Fim da leitura: 17/05/2023

**SINOPSE**

«O livro. Era sobre duas mulheres apaixonadas uma pela outra. — E então, proferiu a pergunta que se enraizara nela e que agora desenrolava as suas folhas e exigia mostrar-se à luz do Sol: — Alguma vez ouviste falar de tal coisa?»

Lily Hu não se consegue recordar do momento exato em que a pergunta se enraizou na sua mente, mas a resposta surgiu, como se um candeeiro de rua se acendesse numa noite negra, quando ela e Kathleen Miller caminharam sob o letreiro néon de um bar lésbico chamado Telegraph Club.

Em 1954, Chinatown, nos Estados Unidos da América, não é um lugar seguro para duas raparigas se apaixonarem. A Ameaça Vermelha intimida a população, sobretudo pessoas sino americanas como a família de Lily. Com o risco de deportação a pairar sobre o seu pai, apesar da cidadania duramente conquistada, Lily e Kath arriscam tudo para que o seu amor possa sair da escuridão e ver a luz do dia."
Este livro, como o refere a autora na nota final, foi inspirado em dois livros: Rise Of The Rocket Girls The Women Who Propelled Us. From Missiles To The Moon To Mars, de Nathalia Holt e Wide-Open Town- A History Of Queer San Francisco To 1965, de Nan Alamilla Boyd, que lhe "deram um vislumbre da história da América Asiática".
Assim nasceu esta ficção histórica, que decorre nos anos de 1950, em San Francisco. Lily é uma jovem estudante, de 17 anos, que vive com a sua família no bairro de Chinatown e que não se identifica com os interesses das suas colegas, ambicionando especializar-se em Aeronáutica ou Engenharia, pois tinha o sonho de um dia poder ir a Marte ou à Lua. Ao mesmo tempo, nutre uma grande curiosidade em conhecer o Telegraph Club, um bar de lésbicas e sente uma admiração profunda por mulheres vestidas de calças, como um homem. Assistimos, neste livro, à procura, por parte desta adolescente, da sua essência, da sua sexualidade, o que, de certa forma, é despoletado por Kath, uma colega sua, que a convida para ir ao Telegraph Club.
Gostaria, em alguns momentos, de ver mais aprofundados outros interesses da protagonista, mas penso que acabou por se focar muito no seu relacionamento pessoal, deixando o resto um pouco aquém das minhas expetativas. É um romance que poderá ser especialmente apreciado por YA

Paixão, Bruno (2023). Os Segredos de Juvenal Papisco. Porto: Porto Editora.

Nº de páginas: 272
Início da leitura: 10/05/2023
Fim da leitura: 13/05/2023

**SINOPSE**
"Orão é um lugar de sangue quente, cheio de superstições, habitado por personagens memoráveis como a benzedeira Xêpa Alma, o corrupto alcaide Heitor Raimundo ou o diligente boticário Zaqueu Soeiro. Destaca-se, entre eles, Juvenal Papisco, um padre de temperamento espontâneo e cru que sucumbe sem pudor aos prazeres e às imperfeições e que não suporta as injustiças que se perpetuam em Orão, avivadas pelo predomínio dos senhores de sempre.
Quando o jornal clandestino A Trama acusa Ismael Macho de andar metido com a mulher de outro, todos temem uma desgraça, e Ismael acaba mesmo por morrer durante a procissão da Virgem Santíssima, em circunstâncias estranhas. Todos as suspeitas recaem sobre o marido enganado, mas este nem à força de porrada admite a autoria do crime, para desespero do coronel Moniz.
Os segredos de Juvenal Papisco é um romance de estreia memorável, que com uma fina ironia e um apurado sentido caricatural se apresenta como uma metáfora social, expondo a traição, a urdidura política, as fraquezas da justiça, o espaço conjugal como campo de sonhos e de utopias e as mezinhas respondendo ao que a medicina não pode."
Este livro surpreendeu-me pela positiva. Bruno Paixão escreve de forma bastante literária, uma história passada no séc. XIX, num lugar imaginado da América do Sul, um tributo ao realismo mágico.
O protagonista desta obra é Juvenal Papisco, que nos cativa e nos repudia em igual medida, porque tanto é capaz de manifestar o seu lado bom, justo e humano, como é capaz de atos de grande crueldade. Apesar de a história se passar num local imaginado pelo autor, sem ser Portugal, há determinados pormenores que somos todos (os mais velhos) capazes de reconhecer em aldeias portuguesas: as crendices, as mezinhas, o abafador (que me fez lembrar o "Alma Grande" de Miguel Torga), a benzedeira, o médico, o barbeiro, as questões de ordem política, as falcatruas...
Um romance envolvente, muito bem escrito, muito bem pensado e que recomendo vivamente. Não foi à toa que esta obra, romance de estreia do autor, venceu o Prémio Literário Luís Miguel Rocha 2019.

Zerán, Alia Trabucco (2023). Limpa. Lisboa: Elsinore.


Tradução: Isabel Pettermann

Nº de páginas: 248

Início da leitura: 08/05/2023

Fim da leitura: 09/05/2023


**SINOPSE**

"Vinda do campo para a capital do país, Estela García encontra trabalho junto do abastado casal Jansen como criada de quarto e ama da sua filha recém-nascida, Julia, a mesma que educará e verá crescer. Serão sete anos divididos entre tarefas domésticas invisíveis e repetitivas e a falsa intimidade que estas proporcionam. Entre solidão, afetos, conflitos e segredos, Estela encontrará o seu lugar no seio da família. Porém, quando a tragédia irrompe na vida dos Jansen e Julia aparece morta, os ódios de classe expressam-se sob a forma de preconceitos sociais enraizados.

Um romance fulgurante sobre os conflitos de classe e a intimidade do trabalho doméstico por uma das vozes mais promissoras da literatura sul-americana."

A escritora prende-nos imediatamente à narrativa, através de uma narradora que se vai dirigindo ao leitor e explicando que todos os pormenores da história são importantes. E, com efeito, todos os momentos, mesmo parecendo à partida insignificantes, têm interesse para a progressão da história.

Estela veio do sul, onde vivia num contexto de pobreza, para trabalhar como empregada de limpeza em casa de um casal de posses, de Santiago do Chile. Instalada num quarto contíguo à cozinha, Estela não passa da empregada, sendo apenas quem limpa e cuida da filha. Não existe enquanto ser humano. Refere que, quando começou a trabalhar, pensou que seria até arranjar algo melhor. Mas, ao cabo de sete anos, continua a trabalhar para o casal, como empregada de limpeza e ama da filha do casal, Julia. Esta é uma criança muito inteligente e os pais são extremamente exigentes com ela (uma vez que vivem de aparências), que tem de ser a melhor em tudo, nem que para isso, deixe de ter tempo para ser apenas criança. Penso que a alteração de uma " suposta paz" que reinava na família (digamos que uma família pouco convencional, com os seus desequilíbrios e um pai extremamente calculista e frio), vem com a descoberta de que Estela recebe nesta casa um cão, pelo qual começa a nutrir um grande afeto. 

Regista-se até ao fim um clima de grande tensão, o medo de Estela em fazer algo errado, o ressentimento, a crescente raiva, a injustiça, a desigualdade social... E quantas mulheres não vivem nesta situação? Sem que sintam a sua dedicação, sem que a sintam como fundamental,  como uma pessoa não descartável, como um ser humano e não um capacho...

Recomendo a leitura!


 Rufino, Lénia (2021). O Lugar das Árvores Tristes. Lisboa: Manuscrito Editora.

Nº de páginas: 224
Início da leitura: 07/05/2023
Fim da leitura: 08/05/2023

**SINOPSE**
"Isabel não tinha medo dos mortos. Gostava de passear por entre as campas do cemitério, a recuperar as histórias da morte daquelas pessoas. Quando a falta de alguma informação lhe acicatava a curiosidade, perguntava à mãe...
Quando esta se recusa a dar-lhe uma resposta sobre uma mulher chamada Eulália, Isabel inicia uma busca por esclarecimentos. Só que ninguém quer falar sobre o assunto e, inesperadamente, Isabel vê-se confrontada com uma teia de mentiras, maldade, enganos e crimes que a levam a compreender o passado misterioso da mãe e a forma quase anestesiada da sua existência.
Um romance de estreia profundamente sagaz e envolvente que faz um retrato do interior português preso na tradição religiosa da década de 1970."
Já há algum tempo que tinha este livro para ler. Não me voltem a dizer que não se escreve bem em português. Lénia fê-lo irrepreensivelmente. Uma história de famílias, que, apesar de ficcional, poderia bem ser real, pois é uma história de um tempo antigo, em que muitos crimes ficavam impunes, em que dominava o medo, a mulher não tinha voz e o pároco era a voz absoluta das aldeias.
Esta é a história de Lurdes, uma mulher, que, nos anos 60, numa aldeia alentejana, é ainda uma criança. Vê a sua infância roubada pelo abuso de um homem. O pároco assiste a tudo, sem nada fazer. Fica grávida. É-lhe retirado o filho e enviada para casa de uma tia, numa outra localidade. Conseguirá Lurdes vir a ser feliz e a esquecer toda a mágoa que ficou?
Mais tarde, com uma ordem narrativa invertida, conhecemos a filha de Lurdes, Isabel, que faz tudo para descobrir os segredos que suspeita a família guardar. Aconselho a leitura. 

 Montero, Rosa (2004). A Louca da Casa. Porto; ASA Editores.

Tradução: Helena Pitta
Nº de Páginas: 176
Início da leitura: 05/05/2023
Fim da leitura: 06/05/2023 

**SINOPSE**

"Um romance? Um ensaio? Uma autobiografia? A Louca da Casa é, em qualquer dos casos, a obra mais pessoal de Rosa Montero: uma viagem através do misterioso universo da fantasia, da criação artística e das recordações mais secretas da própria autora, que neste livro empreende uma viagem ao mais profundo do seu ser através de um jogo narrativo pleno de surpresas, onde literatura e vida se misturam num cocktail afrodisíaco de biografias alheias e de autobiografia romanceada. E assim descobrimos, por exemplo, que Goethe adulava os poderosos, que Tolstoi era um energúmeno, que Rosa, ela própria, em criança, se julgava anã, e que, com vinte e três anos, manteve um extravagante e arrebatador romance com um ator famoso. Todavia, não devemos fiar-nos por completo em tudo o que a autora conta sobre si mesma: as recordações não são sempre o que parecem."

Não é fácil definir o género deste livro, certo é que nos fala essencialmente do processo de escrita, da forma como os livros são recebidos pelo leitor, dos escritores que, não tendo sido bestsellers, acabaram remetidos ao esquecimento, tendo as suas obras morrido, porque não foram republicadas. Fala dos sentimentos que dominam o escritor ao escrever um livro, de como cada escritor encara a sua obra, independentemente de ser boa ou má. "(...) nos momentos de graça da criação do livro, sentimo-nos tão impregnados pela vida daquelas criaturas imaginárias que o tempo, a decadência ou a nossa própria mortalidade deixam de existir. (...) Escreve-se sempre contra a morte." (pp. 9-10).
A propósito da escrita, a autora, vai dando a sua opinião sobre os bons escritores, os medianos e os maus escritores, se bem que esta linha nem sempre seja fácil de delinear. Confesso que registei algumas das propostas que ia sugerindo e de quem ainda não li nada. Noutras situações, entendi perfeitamente a sua opinião e, em vários momentos, partilho da sua crítica. Fala-nos da diferença entre os homens que escrevem e as mulheres que escrevem, exemplificando a época em que as mulheres escreviam como homens, para que as suas obras fossem aceites. A esse propósito fala de "feminismo", partilhando a sua opinião em relação ao seu conceito.
Para além de falar do processo de escrita, fala de amor, de amores infelizes, de amores adiados, de sonhos defraudados. Faz também o paralelismo entre o amor e o processo de escrita.
Explica-nos que "A Louca da Casa" é a imaginação, porque "Escrever, enfim, é ser habitado por um amontoado de fantasias, às vezes preguiçosas como lentos devaneios de uma sesta estival; às vezes agitadas e febris como o delírio de um louco." ou "Regressamos assim à imaginação. A essa louca às vezes fascinante e às vezes furiosa que mora no sótão. Ser romancista é conviver harmoniosamente com a louca de cima. (...) O romance é a autorização da esquizofrenia."
Para quem gosta de livros que falam de livros, de escrita, de amor e loucura, este é o livro indicado para ler nos próximos tempos, pois, tal como eu, vai adorar!

Venturini, Aurora (2023). As Primas. Lisboa: Alfaguara Portugal.

Tradução: Rita Custódio e Àlex Tarradellas
Nº de páginas: 208
Início da leitura: 04/05/2023
Fim da leitura: 05/05/2023

**SINOPSE**
"A obra-prima de uma escritora catapultada para a fama literária mundial aos 85 anos. A história de uma família em que as mulheres procuram fugir à norma, com ecos de Lucia Berlin, Shirley Jackson e Carson McCullers.

Na cidade argentina de La Plata, nos anos de 1940, conhecemos Yuna e Petra, duas primas que pertencem à mesma família disfuncional, precária e destinada à desgraça. Pela voz de Yuna, vemos um universo tortuoso de mulheres abandonadas à sua sorte, a braços com a pobreza, a deficiência, o delírio fantasmagórico e a pressão social.

Para se evadir do cerco das histórias de ameaças, violações e homicídios, Yuna recorre à sua imaginação artística: a cada episódio de violência, pinta uma nova tela. Vendo na arte uma fuga ao estropiamento familiar, Yuna lança sobre o seu mundo um olhar selvático — ora cândido e perspicaz, ora violento e ensimesmado — e protagoniza uma história que desafia todas as convenções literárias.

Aurora Venturini poderia ser uma das peculiares personagens dos seus romances, já que o seu percurso ficou marcado pelo fait-divers de ter vencido um concurso literário para novos talentos quando já tinha escrito dezenas de livros e se aproximava do fim da vida.

Entre o romance de formação, a delirante autobiografia, o divertimento literário e a radiografia de uma época, As Primas é uma obra que celebra, ao mesmo tempo, as dimensões universal e privada da literatura, revelando a desconcertante originalidade de uma autora que ousa colocar perguntas quase sempre cuidadosamente mantidas em silêncio."

Que livro! De louvar a lucidez com que a autora, de 85 anos, escreveu esta história fantástica.
A narradora, protagonista, Yuna, nasceu e vive no seio de uma família, toda ela marcada por várias deficiências graves, quer físicas e/ou mentais. De realçar que Yuna nos narra a sua história de vida, sempre alertando o leitor para possíveis problemas com a pontuação, especialmente os pontos finais, uma vez que, para adquirir algum vocabulário, ainda que restrito, precisou de consultar persistentemente o dicionário. Talvez seja essa forma quase oral e oralizante que me cativou, pois escreve como quem conta uma história. E fá-lo com tanta naturalidade e sem pejo, que torna a história feia, crua e dura numa narrativa que nos prende e surpreende. No seio desta família, que é tudo menos convencional, não apenas pelas deficiências, mas pelas formas de vida (o pai desapareceu, a mãe é como se não existisse, a irmã é a pessoa com maior deficiência e cuja descrição pode repugnar os mais sensíveis ou que nunca lidaram com estes problemas, a prima é prostituta...), Yuna tenta, apesar das suas limitações intelectuais, fugir ao estigma da família, faz tudo para conseguir estudar (estuda muito o dicionário para vencer algumas das suas limitações vocabulares) e entrega-se à pintura, tendo um jeito natural que lhe permite viver da venda das suas obras e tornar-se famosa e apreciada pela crítica.
Um livro duro, como já referi, mas imperdível!

Page, Sally (2023). A Guardiã de Histórias. Porto: Porto Editora.

Tradução: Ana Mendes Lopes
Nº de páginas: 372
Início da leitura: 01/05/2023
Fim da leitura: 03/05/2023

**SINOPSE**
"Todos temos uma história para contar.
Mas nem todos temos a coragem de a partilhar...

Janice, empregada de limpeza, sabe que é através das histórias que as pessoas nos contam que as conhecemos verdadeiramente.
Quando começa a trabalhar para a Sra. B – uma mulher astuta de 92 anos –, Janice encontra, finalmente, alguém que quer conhecê-la a sério.
Mas Janice não se deixa enganar: coleciona as histórias dos outros, mas não quer revelar a sua. Porque nela se esconde um segredo que não está preparada para partilhar.
Mas a Sra. B é muito perspicaz e sente que a mulher que lhe limpa a casa tem muito que se lhe diga.
Afinal, todos temos uma história para contar, certo?
Um romance comovente e um sucesso instantâneo de vendas em todo o mundo."

Se há um livro viciante, é este! Prendeu-me do início ao fim e, a cada página lida, ficava sempre o desejo de continuar. É um livro cativante, com personagens às quais nos afeiçoamos, outras que detestamos. Mas é a forma como está escrito que nos agarra. No fundo, é uma história, com muitas histórias dentro, uma vez que a protagonista, uma empregada de limpeza, é uma colecionadora de histórias. Adorei igualmente a Sra. B, uma das patroas de Janice (a protagonista) que, de certa forma, com mais de 90 anos, consegue desbravar caminhos insondáveis em relação à protagonista, fazendo-a repensar a sua vida, a sua culpa... ou não, a sua forma de viver e a capacidade de ser ou não feliz.
Depois, realço ainda o facto de a maior parte das narrativas terem partido de histórias reais, adornadas, depois, pela autora, pois, como disse Fernando Pessoa, "o poeta é um fingidor/Finge tão completamente/ Que chega a fingir que é dor/A dor que deveras sente." Penso que o escritor é assim, esse fingidor, porque é um criador de ficção.
Um livro que aconselho vivamente!

Costa, Mélissa da (2023). Todos os Amanhãs. Lisboa: Suma das Letras.

Tradução: Inês Fraga
Nº de páginas: 296
Início da leitura: 29/04/2023
Fim da leitura: 30/04/2023

**SINOPSE**
É num verão brilhante e insuportável que a jovem Amande Luzin entra pela primeira vez na casa que arrendou na zona rural francesa de Auvergne. Para a acolher, encontra janelas fechadas, escuridão e silêncio: um refúgio.

É ali, longe de todos, que decide esconder-se para viver o seu luto. Amande nunca abre as portadas e raramente sai à rua, evitando a interferência da luz na sua vida. Até que, um dia, encontra os diários e calendários da antiga proprietária, a senhora Hugues. Numa caligrafia redonda e elegante, há instruções detalhadas para os cuidados do jardim e para a confeção de receitas, uma espécie de almanaque caseiro.

Amande é uma mulher da cidade que nunca usou galochas nem utensílios de jardinagem. No entanto, apesar da dor que a corrói, decide seguir as instruções da senhora Hugues e recuperar o jardim abandonado, um espaço que parece mágico. A cada semente, encontra um rebento: no pântano da sua dor, cada amanhã traz uma pequena e perfumada promessa de futuro.
Este é, provavelmente, o livro mais doce que li nos últimos tempos. Com isso, não quero dizer que seja lamechas. Pelo contrário. Fala-nos de acontecimento muito duro: como lidar com a perda, através de uma mulher que, após perder o marido e a filha ter nascido morta, aluga uma casa numa zona rural, para se fechar na sua dor. Efetivamente, é o que acontece. Mas, nesta história, percebemos que é possível renascer das cinzas e que o espaço, a terra, a semente, os cadernos e calendários escritos pela antiga proprietária da casa, a companhia de um gato, não a deixarão, por muito tempo, permanecer enclausurada na dor (como ela queria), numa casa sombria e sem vida, a que não abre portadas, numa cama, numa espécie de coma emocional. Poderá Amande sair deste torpor em que a sua vida se encontra? É pela voz da própria Amande enquanto narradora, que vamos seguindo avidamente toda a sua história de vida, que nos comove e nos aquece a alma. Afinal, como diria Sebastião da Gama "Pelo Sonho é que vamos,/comovidos, mudos. Chegamos? Não chegamos?/ Haja ou não haja frutos,/pelo sonho é que vamos." Recomendo muito a leitura!

Cardoso, Dulce Maria (2014). Tudo São Histórias de Amor. Lisboa: Tinta da China.

Nº de páginas: 248
Início da leitura: 28/04/2023
Fim da leitura: 29/04/2023

**SINOPSE**
"Inclui «Não esquecerás», o conto sobre a tragédia de Entre-os-Rios que já inspirou uma peça de teatro (de Mónica Calle) e um filme (de João Mário Grilo).
Uma velha que em clausura depende do que o seu cão fiel lhe recolhe, uma mulher que mata a sua alma gémea, nós que nos tornamos cúmplices num autocarro em noite de temporal, um rio que devolve os ecos de duas crianças a quem aguarda um terrível milagre, uma ilha onde congeminam os faroleiros e suas zelosas esposas, um assassino a salvo na biblioteca, uma menina desaparecida, uma mulher intrigada pelo homem desconhecido. Um destino chamado amor.

Neste inquietante livro, Dulce Maria Cardoso revela mais uma vez a sua mestria literária."
Dulce Maria Cardoso não desilude. Numa linguagem forte, com personalidade, traz-nos várias histórias, algumas delas que partem de acontecimentos reais. A triste história de Dóris, em "Este Azul que Nos Cerca" coloca-nos logo perante a crueldade humana. Até onde pode ir a crueldade de mulheres que veem a chegada de uma mulher bonita à terra como uma ameaça? Em "A biblioteca", "livremente inspirado em factos reais", somos confrontados com um narrador, que assassinou vários homens e que nos diz "Os livros salvaram-me" e "As vidas que li não foram menos minhas. Não há diferença entre o que se vive lendo e o que se vive vivendo." "Não esquecerás" é um conto sobre a tragédia de Entre-os-Rios, onde percebemos que o "amanhã, ama-nhã, a-ma-nhã, a-m-a-n-h-ã, o tempo em que cabem os sonhos", pode não chegar. E tantos outros contos a que não ficamos indiferentes. Adorei e recomendo a leitura!

Seidel, Romy (2023). A Filha de Freud. Lisboa: Alma dos Livros. 

Tradução: Nazaré Matias
Nº de páginas: 336
Início da leitura: 25/04/2023
Fim da leitura: 27/04/2023

**SINOPSE**
"Viena, 1923. Na Europa vivem-se tempos turbulentos. No período entre duas grandes guerras mundiais, uma jovem divide-se entre a devoção pelo pai, Sigmund Freud — o fundador da psicanálise —, de quem é secretária e confidente, e o desejo de realizar os próprios sonhos.

Este livro acompanha a vida de Anna Freud, a filha mais nova do casal Martha e Sigmund Freud, desde Viena, onde cresce e começa a trabalhar, abrindo o seu primeiro consultório no apartamento dos pais, até Londres, onde a família se refugia no alvorecer da Segunda Guerra Mundial.

O eclodir do nazismo e os ventos de mudança que alastram por toda a Europa impelem a jovem Anna a decidir afirmar a sua individualidade e a seguir o seu rumo, independente da vontade dos outros. Mas, terá ela a força e a capacidade de vencer o peso do nome da família, enquanto luta por sobreviver ao espectro ditatorial que está prestes a destruir a Europa?"

Gostei muito de ler este livro. A autora parte de vários acontecimentos reais que giraram em torno desta figura de que pouco se fala, Anna, a filha mais nova de Sigmund Freud, e ficciona parte da história, que é, com efeito, desconhecida. Resultou muito bem. 
Anna foi uma jovem determinada, muito preocupada com a família, em especial com o pai, acompanhando-o durante a doença dele, até ao fim da vida deste. Anna seguiu as pisadas do pai, mas optou por fazê-lo com crianças, que já soubessem expressar o que sentiam. 
Anna revela-se também determinada a nível sentimental, sentindo, desde cedo, que não nasceu para casar e ter filhos. Acaba por se afeiçoar a Dorothy Burlingham, com quem viveu.
Mais não posso contar. Destaco as conversas de Anna com o pai e várias personagens, com as quais a protagonista se terá cruzado: Virgínia Woolf, Stefan Zweig, Salvador Dalí, entre outras. Aconselho a leitura!

 Gonçalves, Hugo (2015). O Filho da Mãe. Alfragide: Casa das Letras.

N.º de páginas: 200

Início da Leitura: 22/04/2023

Fim da leitura: 24/04/2023

**SINOPSE**

"Quando José é convocado pelo velho patriarca da família, com quem não fala há anos, a sua perplexidade é enorme e, por isso, inescapável a recordação do verão de 1982, em que o avô - nadador de longas distâncias e anticomunista fanático, a quem o cancro levou todas as mulheres - o foi buscar a uma aldeia algarvia onde a mãe o deixara com uma estranha, decidido a tornar-se o pai que ele nunca tivera.
Foi nesse verão que a perigosa quadrilha de Mancha Negra fugiu da cadeia, provocando uma caça ao homem sem precedentes que deixou o País em sobressalto; que José mergulhou da rocha mais alta e que foi atingido por um raio, julgando assim ganhar os superpoderes necessários para descobrir o paradeiro dos bandidos e resolver o mistério do desaparecimento da mãe; e que, na companhia de um rafeiro chamado Rocky e de três amigos extraordinários, viu nascer dentro de si uma força e uma ferida que, mais tarde, o levariam a tentar corrigir os males do mundo pelas próprias mãos. As memórias da vida numa mansão do Estoril, com o avô austero, uma tia devota e uma prima cúmplice, levam-no a regressar à serra algarvia 30 anos depois, para resgatar o que ficou dessas férias grandes, descobrindo, afinal, o que precisava de saber sobre si próprio.
O Caçador do Verão é um romance fascinante sobre a importância da família e da infância nas nossas vidas, que recupera um tempo em que Portugal se aproximava velozmente da Europa, com tudo o que isso tinha de grato e fatídico."
Ainda que tenha gostado mais de O Filho da Mãe, devo reconhecer que Hugo Gonçalves escreve muito bem. Num discurso fluído, cria personagens credíveis, intercalando analepses e presente da narrativa, o que nos permite perceber o que levou o protagonista a ser como é, a comportar-se como se comporta. Gostava, porém, de ficar a conhecer melhor a relação do protagonista com o avô, porque muito poderia ter sido dito...
Quero muito voltar a ler mais livros do autor, mas mais na linha narrativa de O Filho da Mãe.

 Agualusa, José Eduardo (2017). As Mulheres do Meu Pai. Lisboa: Quetzal Editores.

Nº de páginas: 416
Início da leitura: 15/04/2023
Fim da leitura: 22/04/2023

**SINOPSE**
"Ao morrer, o famoso compositor angolano Faustino Manso deixou sete viúvas e dezoito filhos. A filha mais nova, Laurentina, realizadora de cinema, tenta então reconstruir a atribulada vida do falecido músico. Em As Mulheres do Meu Pai, realidade e ficção correm lado a lado, a primeira alimentando a segunda. Nos territórios que José Eduardo Agualusa atravessa, porém, a ficção participa da realidade. As quatro personagens do romance que o autor escreve, enquanto viaja, vão com ele de Luanda, capital de Angola, até Benguela e Namibe.
Cruzam as areias da Namíbia e as suas povoações-fantasma, alcançando finalmente Cape Town, na África do Sul. Continuam depois, rumo a Maputo, e de Maputo a Quelimane, junto ao rio dos Bons Sinais - e dali até à ilha de Moçambique. Percorrem, nesta deriva, paisagens que fazem fronteira com o sonho, e das quais emergem, aqui e ali, as mais estranhas personagens. As Mulheres do Meu Pai é um romance sobre mulheres, música e magia.
Nestas páginas anuncia-se o renascimento de África, continente afetado por problemas terríveis, mas abençoado pelo talento da música, o sempre renovado vigor das mulheres e o secreto poder de deuses muito antigos."
Não vou falar da história em si, uma vez que a sinopse já o faz, de forma bastante completa. Quero apenas realçar que é sempre um prazer ler Agualusa, não apenas pela linguagem que utiliza e que tem o dom de nos prender às histórias, mas pelos lugares por onde nos leva a viajar (Angola, Moçambique, Namíbia e África do Sul), as personagens que nos dá a conhecer, tão bem concebidas, que a fusão entre realidade e ficção ocorre de forma tão natural, conferindo uma grande verosimilhança ao que nos é contado. Não é um livro de leitura fácil, mas é um livro que fica connosco, que nos dá a conhecer espaços únicos e mulheres fantásticas e diferentes entre si. Recomendo muito a leitura!
Deixo duas passagens, de entre muitas que me captaram a atenção:
"Há silêncios plácidos e outros convulsos. Silêncios alegres e outros dramáticos. Há aqueles que cheiram a incenso, e os que tresandam a estrume. Há os que sabem intensamente a goiabas maduras; os que se guardam no bolso interior do casaco (...); os que andam nus pelas ruas; os silêncios arrogantes e os que pedem esmola." (pág. 94).
"- Leve os sonhos a sério - sussurrou - Nada é tão verdadeiro que não mereça ser inventado." (pág. 413).

Ferreira, José Gomes. Aventuras de João Sem Medo. Panfleto Mágico em Forma de Romance. 5ªedição, 2012. Alfragide: Biis.

Nº de páginas: 173

Início da leitura: 14/04/2023

Fim da leitura: 15/04/2023

**SINOPSE**

João Sem Medo habita na aldeia Chora-Que-Logo-Bebes, cujos habitantes vivem presos à tradição de que tanto se orgulham: chorar de manhã à noite. Um dia, o nosso herói decide saltar o Muro que protege a aldeia da Floresta Branca, local onde «os homens, perdidos dos enigmas da infância, haviam estalado uma espécie de Parque de Reserva de Entes Fantásticos». Tem assim início uma viagem surpreendente, na qual João Sem Medo se irá cruzar com bichas de sete cabeças, gigantes de cinco braços, fadas, bruxas, animais que falam, e ainda com o mítico Príncipe das Orelhas de Burro. História fantástica que recorre ao imaginário mágico, por vezes de inspiração surrealista, este romance de José Gomes Ferreira é um prodígio de efabulação e engenho narrativo. Uma obra intemporal que continua a arrebatar tanto adolescentes como adultos.

Já tinha lido vários excertos desta obra, mas nunca a obra completa. Desta vez, peguei-lhe e surpreendi-me. Primeiro, pela capacidade imaginativa do autor, pelas sucessivas aventuras e desventuras do protagonista, pela coloquialidade da linguagem, capaz, com certeza de captar miúdos e graúdos e pela metáfora tão atual das características humanas: o pessimismo tão português, a irresistível gastronomia portuguesa "temperada de lágrimas", a crítica irónica a uma sociedade que se guia pelas aparências, precipitada e que não teme as consequências, a cegueira, a monstruosidade humana, a insensatez, a maldade, a crueldade, a malícia, as crenças e crendices, o medo ante os obstáculos, a frieza, a luta pela sobrevivência, a persistência, a aceitação e o regresso. Estes são alguns dos temas que perpassam ao longo de uma série de aventuras que leva João Sem Medo a ousar sair das normas impostas pelas tradições familiares e sociais em que vive em "Chora-Que-Logo-Bebes" e a saltar o "descomunal" Muro em redor da Floresta Branca. Farto de "choriquice", de ver andar de "monco caído", das "canções de cemitério", de lástimas "de manhã até à noite", João Sem Medo resolver enfrentar esses seres dessa espécie de "Parque de reserva de Seres Fantásticos". 
Quem ainda não leu, convido a viajarem com João Sem Medo e a acompanharem-no nas suas aventuras, que, com certeza, não deixam ninguém indiferentes.

 Burton, Jessie (2017). A Musa. Queluz de Baixo: Editorial Presença.

Tradução: Manuela Madureira
Nº de páginas: 392
Início da leitura: 11/04/2023
Fim da leitura: 14/04/2023
**SINOPSE**
"Londres, anos sessenta do século vinte: uma imigrante proveniente das Caraíbas trabalha numa galeria de arte onde surge um quadro perdido durante a Guerra Civil espanhola e envolto em segredos inexplicáveis.

Quem terá pintado este quadro admirável que surgiu de parte nenhuma?

A verdade acerca desta pintura remonta a 1936 e a uma grande casa rural em Espanha, onde Olive Schloss, filha de um abastado negociante de arte, acalenta ambições que os pais desconhecem.

Por este frágil paraíso, na Andaluzia, passam o artista revolucionário Isaac Robles e a sua meia-irmã, Teresa.

Ambos se insinuam no seio da família Schloss, com consequências inimagináveis e desastrosas..."

Gosto da escrita elegante de Jessie Burton e da forma como conduz a narrativa. Neste caso, como tem vindo a ser comum em vários romances, há uma alternância entre tempos da história: os anos sessenta e 1936. Na primeira data referida, conhecemos Odelle Bastien, uma imigrante vinda das Caraíbas e que trabalha numa galeria de arte e, na segunda data, contactamos com uma imigrante espanhola, Olive Schloss, filha de um abastado negociante de arte e que tem interesses que não vão ao encontro do que o pai imaginou para ela. A ação decorre em Londres e, tendo estado lá, durante a leitura do livro, foi uma aventura ainda maior, pois fui traçando um roteiro geográfico, na minha mente, de todos os locais mencionados. A acrescentar ainda mais visualismo à história, está a mestria com que a autora tece as descrições dos espaços. De realçar a importante contextualização histórica que vai sendo feita, não só em termos geográficos e históricos, mas também nas mentalidades, formas de agir e de pensar.
Alguém tem exatamente a noção do que está por detrás de uma obra de arte? Quem foi realmente o pintor, as suas escolhas, os seus sentimentos? Será mais importante o desejo de fama ou o reconhecimento, ainda que anónimo, de uma obra de arte?
Neste livro reflete-se sobre arte, sobre os conflitos geracionais no que concerne aos interesses dos filhos, sobre as inseguranças  e dilemas provenientes do medo e do respeito pelos pais, sobre a visão sexista da arte, os papéis sociais de uma determinada época, 
Ambas as histórias nos despertam a atenção e nos mantêm presos ao livro até ao fim, momento em que tudo se interliga na perfeição.
Apesar de ter gostado mais de "O Miniaturista", também aconselho muito a leitura desta obra.

Moriarty, Liane (2023). Quem Sai aos Seus. Alfragide: Edições ASA.

Tradução: Isabel Veríssimo

Nº de páginas: 528

Início da leitura: 04/04/2023

Fim da leitura: 10/04/2023

**SINOPSE**

"Vista de fora, a família Delaney é perfeita. Joy e o marido, Stan, são treinadores de ténis famosos e arrasam nos courts e fora deles. Os seus quatro filhos - Amy, Logan, Troy e Brooke - já são independentes. Após vidas ativas tão intensas, Joy e Stan decidem vender a sua reputada academia de ténis e desfrutar da tranquilidade da reforma.

Mas quando uma mulher misteriosa entra inesperadamente na vida do casal e Joy desaparece sem explicação, deixando apenas uma mensagem enigmática, tudo é subitamente posto em causa. A polícia interroga Stan. Para alguém que se diz inocente, o marido parece ter muito a esconder. Dois dos filhos acreditam na inocência do pai, mas os outros dois não têm assim tanta certeza.

Divididos, eles têm pela frente o desafio mais duro e a pergunta mais arrepiante das suas vidas: será que alguma vez conheceram verdadeiramente os pais?
Está na hora de os irmãos Delaney reavaliarem a história da família…   Os direitos para TV de Quem Sai aos Seus foram já adquiridos, após o estrondoso sucesso das adaptações televisivas das obras da mesma autora: Pequenas Grandes Mentiras e Nove Perfeitos Desconhecidos (ambas protagonizadas por Nicole Kidman)."

Tenho lido os livros da autora e gosto muito da forma como escreve. Apesar de ser um livro grandinho, não cansa e prende à narrativa. A entrada de uma estranha na vida "perfeita" de um casal é o mote para se começar a perceber melhor que a perfeição não existe e que todos têm o seu feitio muito peculiar e os seus defeitos e virtudes. À medida que a ação avança, conhecemos melhor esta família, o que vai intercalando com um momento mais avançado da ação - o do desaparecimento da mulher, mãe e esposa, Joy Delaney.

Savannah, a suposta desconhecida, será mesmo uma desconhecida? Até que ponto esta família será tão feliz, harmoniosa e bem-sucedida como gosta de se apresentar? 

Convido-vos a desvendarem as respostas a estas perguntas com a leitura deste livro, que aconselho!

Luís, Agustina Bessa (1987). A Sibila. 10ºed. Viseu: Guimarães Editores.

Nº de páginas: 252

Início da leitura: 01/04/2023

Fim da leitura: 03/04/2023

**SINOPSE**

"No norte de Portugal, em finais do século XIX, na propriedade da Vessada, há já muito tempo que são as mulheres que, perante a indolência e os sonhos de evasão que os homens alimentam, asseguram como podem a gestão da propriedade. Quina era uma adolescente franzina e inculta, que desde cedo participava nos trabalhos do campo ao lado dos trabalhadores. Com a morte do pai, com a propriedade quase em abandono, Quina passa a ter que ter uma ainda maior responsabilidade na administração da mesma. Graças ao seu esforço a todos os níveis, começa a acumular de novo a riqueza que seu pai desperdiçara, o que lhe vale a admiração da sociedade. Quina era uma pessoa lúcida, astuta e sempre em demandas, o que faz com que esta se torne conhecida por Sibila…

O romance A Sibila foi concluído no dia 16 de Janeiro de 1953 e logo depois apresentado ao Prémio de romance Delfim Guimarães, instituído pela Guimarães Editores, que lhe foi atribuído. Foi publicado pela primeira vez, logo depois, em 1954, há 55 anos. Esta edição fixa o texto definitivo da obra. É o livro mais famoso da autora, traduzido em várias línguas."
Passados 36 anos, revisitei A Sibila, de Agustina Bessa Luís. Em 1987, li-a pela primeira vez, no meu 12º ano. Foi, na altura, uma obra difícil de ler e de entender. As muitas personagens e situações narradas, tornaram-na confusa à minha faixa etária. Continuo a considerar que não é um livro para ser lido aos 17 anos e, acredito até, que nessas idades, não havendo uma perceção plena do que se lê, é um livro que pode arredar da leitura, quem se está a estrear em romances mais complexos.
Porém, passados tantos anos, não o li com os mesmos olhos e gostei. Foi uma forma de tentar perceber o que não compreendi antes, me passou despercebido, não me cativou.
A linguagem é cuidada e ornamentada, as personagens trabalhadas de forma complexa, as reflexões vastas e a realidade outra, que, em tenra idade, é difícil entender.
Nesta obra acompanhamos a história de uma família, na qual se destaca Quina. Esta é a Sibila, que dá título à obra e que terá sido escolhido tendo como ponto de referência a vida da Sibila de Delfos (sé. VIII a.C.), que vivia sé e em castidade. Guardava a casa do seu Deus. Ouvia as preocupações, os problemas, as angústias, os segredos da vida e entendia o mistério da existência.
Ficamos a conhecer os proprietários da emblemática Casa da Vessada, as suas histórias de vida, os diferentes estratos sociais, as diferenças de poder entre homens e mulheres, num ambiente rural de uma dureza incontornável, num contexto entre o Douro e o Minho.
As personagens adquirem uma grande densidade, e, por mais que se tentem apresentar ou as tentemos compreender, ficamos sempre com a noção de serem impenetráveis, o que, de certa forma, é o espelho da complexidade humana.
Apesar de nos depararmos com várias personagens extremamente ricas, destaca-se Quina, de quem acompanhamos a infância, a juventude, a pitonisa ligada aos poderes ancestrais - sibila, a herança de sangue, a velhice e a morte.
Não é uma obra feminista, ainda que tenham sido as mulheres a manter a casa, encontramos sim estas mulheres que mais não são do que vítimas de um machismo e que tentam manter o patriarcado que lhes foi legado.
E esse legado fica para Germa, a quem compete dar continuidade à obra de Quina. Eis Germa, eis a sua vez agora e o tempo de traduzir a voz da sua sibila. Talvez, porém, o seu tempo seja improdutivo e nefasto, e ela fique de facto silenciosa, porque - quem é ela para ser um pouco mais do que Quina e esperar que os tempos novos sejam mais aptos a esclarecer o homem e a trazer-lhe a solução de si próprio? Talvez a sua história fique hermeticamente fechada no círculo de aspirações que não conseguiu detalhar e cumprir, porque aconteceu ser cedo ou ser tarde, porque não se compreende ou não se crê o bastante, porque se deseja demasiado, e isto é todo o destino, porque... porque..."
Se é um livro fácil? Não. Se é um livro para qualquer leitor? Não.
Se é um bom livro? Sim, é um livro muito bom!

 Mãe, Valter Hugo (2015). Contos de Cães e Maus Lobos. Porto: Porto Editora.

Nº de páginas:160
Início da leitura: 30/03/2023
Fim da leitura: 31/03/2023

**SINOPSE**
"A escrita encantatória de Valter Hugo Mãe chega ao conto como uma delicadíssima forma de inclusão. Estes contos são para todas as idades e são feitos de uma esperança profunda. Entre a confiança e o receio, cães e lobos são apenas um símbolo para a ansiedade perante a vida e a fundamental aprendizagem de valores e da capacidade de amar. Entre a confiança e o receio estabelecemos as entregas e a prudência de que precisamos para construir a felicidade."

Que contos deliciosos! Considerados para a infância, são contos que merecem ser lidos por todas as faixas etárias, contos com "sensibilidade e valores". São 11 contos que, mesmo abordando questões difíceis, duras e, por vezes, dramáticas, o faz com uma poeticidade e delicadeza que nos emociona e nos transmite um carinho especial. É um livro ao qual voltarei, sem dúvida. Inclusive nos clubes de leitura da escola. É uma ficção tão pura que nos entra pela alma e a aconchega, como a uma criança, ao deitar. Desde "A menina que carregava bocadinhos" e que fez uma peça de vestuário magnífica de um lenço velho rasgado e que não pôde voltar a usar pois era uma ofensa para a patroa e para a própria comunidade. "O Rosto", no qual o narrador, uma pequena criança, aprende que "somos feitos daquilo que chega à alma e a alma tem um tamanho muito diferente do corpo." No conto "O rapaz que habitava os livros", em que o narrador acaba por perceber que "os livros acontecem dentro de nós. Claro que eles podem ser bonitos de ver, mas são sobretudo incríveis de pensar. Eu disse que ler é como caminhar dentro de mim mesmo". N'"As Mais Belas Coisas do Mundo", onde o pequeno narrador aprende a aceitar a morte, com a morte da avó, primeiro e, depois, a morte do avô, a quem puseram "debaixo de flores como se fosse solteiro e esperasse o amor." Acabou por entender que o avô "era como todas as mais belas coisas do mundo juntas numa só." E a acreditar que "fazer-lhe justiça era acreditar que, um dia, alguém poderia reconhecer a sua influência" nele. A obra termina com um conto sublime, "Bibliotecas" e, por mim, o excerto que selecionaria era o conto na íntegra, de tão bom que é. Mas, termino apenas com uma passagem, na certeza de que lerão todo o conto: "As bibliotecas só aparentemente são casas sossegadas. O sossego das bibliotecas é a ingenuidade dos ignorantes e dos incautos. Porque elas são festas ou batalhas contínuas e soam a canções ou trombetas a cada instante" e "Adianta pouco manter os livros de capas fechadas. Eles têm memória absoluta. Vão saber esperar até que alguém os abra." Vamos, pois, esperar que abram este livro e o saboreiem, porque é uma verdadeira delícia!
E não falo das ilustrações, que ainda embelezam mais os contos!

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Professora de português e professora bibliotecária, apaixonada pela leitura e pela escrita. Preza a família, a amizade, a sinceridade e a paz. Ama a natureza e aprecia as pequenas belezas com que ela nos presenteia todos os dias.

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