A Matéria das Estrelas, Isabel Rio Novo

Novo, Isabel Rio (2025). A Matéria das Estrelas. Alfragide: Publicações Dom Quixote.

N.º de páginas: 192
Início da leitura: 03/08/2025
Fim da leitura: 04/08/2025

**SINOPSE**

"Na manhã do dia 21 de janeiro de 1971, o guarda-marinha Jacinto da Silva Fernandes não comparece à chamada do navio-patrulha Flamínio, pronto a largar do porto de Ponta Delgada. O jovem oficial será encontrado na casa que arrendava na cidade, deitado por terra, inanimado.

O trágico e misterioso incidente suspende o percurso de um jovem cujas qualidades e aspirações pareciam talhá-lo para a carreira dos mares. Ao mesmo tempo, marca o início de uma investigação, conduzida por Eduardo, médico e familiar dos Silva Fernandes, que traçará a história de Jacinto, desde a sua infância até à sua sobrevivência arrastada como deficiente, passando pelos dias anteriores ao incidente.

Revolvendo os rastos e os indícios deixados pelo jovem (fotografias, cartas, livros, amigos), na ânsia de encontrar respostas, Eduardo confrontar-se-á com segredos abafados e revelações dolorosas, que expõem hipocrisias que são, também, as de Portugal nas décadas de 60 e 70 do século passado. E compreenderá que, mais do que a procura da verdade sobre Jacinto, está no fundo a conduzir uma pesquisa existencial.

Obra de um notável fôlego narrativo, servida por uma linguagem apuradíssima, segundo o júri que o premiou, o romance A Matéria das Estrelas traz o registo inconfundível de uma das grandes vozes da literatura portuguesa contemporânea."
Isabel Rio Novo oferece-nos, em A Matéria das Estrelas, uma narrativa profundamente sensível e estruturalmente ousada, que se distingue tanto pela elegância da escrita como pela inteligência da construção narrativa. O romance, centrado na figura do astrofísico Carlos Ribeiro — figura real, pouco conhecida do grande público — é muito mais do que uma biografia ficcionada. É uma meditação sobre a memória, a ciência, a perda e, acima de tudo, sobre o desejo de permanência num mundo em constante desaparecimento.

Um dos aspectos que mais me cativou foi precisamente a estrutura fragmentada, em que diferentes momentos da história se entrelaçam com fluidez. Cada capítulo inicia com uma carta do protagonista aos pais, espécie de fio condutor emocional que nos ancora, mesmo quando o tempo e o espaço da narrativa se tornam mais complexos. Essas cartas, por vezes poéticas, por vezes desesperadas, criam uma intimidade pungente que aproxima o leitor de um homem dividido entre o rigor da ciência e a fragilidade da condição humana.

A alternância entre tempos narrativos — infância, juventude, exílio, últimos anos — obriga-nos a uma leitura atenta e contínua. Não é um livro para se ler aos bocados: o risco de nos perdermos na teia cuidadosamente construída é real. Mas é também esse o seu encanto. Há um prazer quase cinemático em ver as peças encaixarem, à medida que os diferentes planos temporais se refletem e comentam mutuamente.

Isabel Rio Novo escreve com um apurado estilo, que nunca se sobrepõe à emoção. O vocabulário é preciso, a linguagem depurada, mas cheia de subtileza — há silêncios e entrelinhas que dizem tanto como as palavras. Esta contenção é, aliás, uma das grandes forças do livro.

Nesta obra, não há heróis fáceis nem finais redentores. O que encontramos é a tentativa de um homem — e de uma autora — de olhar o passado com verdade, sem o romantizar. O resultado é um romance comovente e exigente, que merece ser lido com a atenção que pede. Um livro que, tal como as estrelas, continua a brilhar muito depois de o fecharmos.

Aconselho, a quem gosta do género.

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