Homens de Pó, António Tavares

Tavares, António (2019). Homens de Pó. Lisboa: Dom Quixote.

Nº de páginas: 224

Início da leitura: 02/04

Fim da leitura: 02/04

Homens de Pó é um livro escrito por António Tavares, que venceu o Prémio Leya com O Coro dos Defuntos, em 2015.

Tudo começa em Angola, onde, no meu entender, decorre a mais realista parte desta história. Pela descrição dos tiros, das metralhas, dos mortos, dos cheiros, das cores e dos sons, somos conduzidos para lá e convidados a presenciar todas as atrocidades vividas. O narrador, um jovem está no meio deste mundo de morte e refere “Fugir é levar o medo às costas”. É este o sentimento que o acompanha, quando foge da guerra. É apanhado por uma bala que lhe entra pela perna e lhe perfura um braço. O hospital, onde a mãe o leva, está um caos e um enfermeiro sentencia-lhe “Tem de se cortar o braço”. A mãe volta a colocar-lhe a ligadura e leva-o dali para fora. E fogem para o cais, dispostos a embarcar para Portugal. Viajam os retornados (os portugueses) e os recuados (os africanos): os homens de pó.

Apesar de todos os problemas, desgraças, mortes, perpassa em todo este livro uma ironia que, mesmo em momentos mais dramáticos, nos faz esboçar um sorriso.

Homens de Pó conta-nos a história de um grupo de homens vindos de África – os recuados – para Portugal caótico do pós 25 de Abril. Trabalham na construção civil, no norte do país e vivem no estaleiro em contentores, completamente desterrados e sem quaisquer outras referências que não as poucas memórias que guardam dos tempos de África. À noite contam histórias uns aos outros, por necessidade e cumplicidade, dado que nada mais lhes resta do passado. De dia, constroem as estradas por onde passarão os carros dos ricos; um trabalho muito duro e num constante ambiente de pó que se lhes cola ao corpo e onde nem conseguem quase respirar.

O único aspeto que vai atenuar um pouco este pessimismo em que vive o narrador é Júlia, uma jovem pobre, que vive da pesca. Júlia começa por ser uma boa amiga, a quem ele confidencia o que lhe vai na alma, e passo a citar: “Falávamos da vida. Contei-lhe como eram os meus dias; ela parecia não acreditar que alguém pudesse viver num sítio fora do mundo. Um não-lugar. (…) nós, os recuados, tínhamos um problema com tudo o que não fosse o presente. O passado estava perdido, e sem este não se tem esperança nem crença; por isso nunca projectávamos os dias que haveriam de chegar, e só fazíamos pequenos planos.”

E, apesar de nos incomodarem determinados acontecimentos, de nos angustiarmos com a frustração que, na maior parte das vezes, assola as personagens, cuja vida se faz de pó e em pó terminará, fica sempre uma luz, uma esperança ao fundo deste túnel de pó. No meu entender, Júlia é a candeia que lhe permite ver essa réstia de luz.

Não foi dos melhores livros que li sobre a temática. Tendo vivido, ainda que muito nova, esta realidade, torno-me mais exigente na forma como é abordada. Ainda assim, vale a pena ler e está muito bem escrito.

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