Revolta-te, Maria!


(imagem do Google)

 “Ó Maria, faz-me caldinho,
quente, bem quentinho.
Ou então um chazinho,
Que me sinto muito quente!
Maria, põe-me panos de água fria,
para fazer descer a febre,
e traz-me o comprimido,
pra que a febre não medre!
Maria, dá-me o medicamento,
Que eu sou cabeça de vento,
e esqueço-me de o tomar a horas.
Maria, faz-me bolinhos,
que ando muito carente,
traz-me leite com mel,
para calmar este fel.
Dá-me um cálice de aguardente
pra acalmar a dor do dente.
Maria, faz-me uma canja,
que me dói a barriga.
Maria, faz-me uma massagem,
que me doem as costas.
Maria, onde estás Maria,
que não me ouves chamar?
Estou quase a morrer
e não me vens ajudar!
Maria, abre-me a cama
que tenho de me deitar.
Dá-me o comprimido para dormir,
que preciso descansar!
Onde te meteste Maria,
Que tardas tanto,
sempre na conversa com a vizinha,
e eu quase em pranto.
Há muito que te chamei,
estou farto de te chamar,
não me ouves quando preciso,
já estou a desanimar.
Já passaste a minha camisa?
Hoje tenho uma reunião,
quero-a sem vincos,
passa-a com atenção!
Já fizeste o almoço?
Porque não está já na mesa?
Sabes que estou com pressa
e tu a engonhar!
Porque não te arranjaste,
gosto de te ver bonita,
não fizeste nada o dia todo,
podias ao menos ter-te posto catita!
Porque não foste à cabeleireira
arranjar esse cabelo?
Maria, foste à escola
saber dos miúdos?
Se me trazem notas más,
a culpa é tua, Maria!”

Marias de todo o mundo,
chegou a hora!
De deixarem de ser robôs,
de serem tratadas com dignidade,
de não se menosprezarem
de acreditarem na vossa capacidade.
Mães, irmãs, mulheres de verdade,
mães extremosas, mulheres pacientes,
chegou a hora!
A hora de dizer não
à ordem, à obrigação!
A hora de utilizarem outros verbos
para além do verbo obedecer,
os verbos, pensar, decidir, escolher,
merecer, receber...
Enfim, chegou a hora de viver!
                                     Célia Gil

(Inspirada em "Todos os homens são maricas quando estão com gripe", António Lobo Antunes)

2 Comentarios

  1. Em singelas palavras se depreende uma alma libertina, carregando a cruz da escravidão que assola a tradição matrimonial...

    A cada um(a) o seu grito de liberdade... mas é sempre bom contemplar o eterno condão feminino de transformar a dor em Beleza...

    Saudações Albicastrenses

    ResponderEliminar
  2. Infelizmente há muitas mulheres que ainda nada fizeram para conseguir a sua carta de alforria. Obrigada.
    Célia Gil

    ResponderEliminar