Yeti,
Ann (2018). Um Fio de Sangue. Almada: Emporium Editora.
Foi
com curiosidade que comecei a ler Um Fio de Sangue.
Confesso
que, quando pego num livro, o viro e reviro. Gosto de me apaixonar pelos livros
antes mesmo de os ler. Ver e deter-me nos pormenores da capa, da contracapa,
das badanas… E este livro chama a atenção. Há algo que prende logo na capa. O
laranja aponta para alegria, vitalidade, prosperidade, entusiasmo, comunicação,
criatividade e sucesso. A disposição do título também me chamou, desde logo a
atenção, palavra por palavra, dando mais ênfase a cada uma delas. Está escrito
a amarelo, um amarelo suave, que traz luminosidade, como um sol a brilhar no
laranja. Destaca-se, porém, a palavra “Fio”, escrita a vermelho, a sugerir amor,
paixão, mas também o perigo. Curiosa ou propositadamente, esta palavra é a
palavra chave desta história feita de “fios”, fios que unem (laços de amor),
fios que se atam (aproximações), fios que se desamarram (afastamentos), fios
que nos tornam marionetas numa sociedade de amores e desamores demasiado fugazes.
O subtítulo “As curvas mais perigosas são as curvas da vida”, que, ao mesmo
tempo que aponta para a sensualidade que as curvas podem representar nas
personagens e nas suas relações, podem sugerir vias de comunicação ou
precisamente a perda de orientação nos meandros da vida. Por fim, e não menos
importante, a imagem, a sombra feminina. Somos sombras, quando vivemos na
sombra do passado; somos sombras, quando vivemos na penumbra da vida e, mesmo
que o sol (laranja e amarelo) brilhe em redor de nós, podemos não nos libertar totalmente
das sombras que nos ensombram a existência. Apesar de uma simples sombra, é uma
sombra com sentimentos, pois a lágrima de sangue (mais um fio) mostra que esta
mulher tem sentimentos, ainda que possam ser dolorosos. Logo pela capa, é um
livro que apetece ler!
A
história vai ao encontro da mensagem que a capa me conseguiu passar, bem como
do prazer que transmite ao ser lida. Lê-se num ápice, porque tem um ritmo
rápido, sem momentos mortos. Uma temática que poderia ficar pelo romance
lamechas entre duas pessoas que se sentem imediatamente e mutuamente atraídas,
teria tudo para ser um romance sem conteúdo. Mas é aqui que Yeti nos
surpreende, nada neste romance é muito normal. Joana cativa Tomás precisamente
por isso, pelo facto de não ser o que ele encontra habitualmente nas outras mulheres.
O facto de ela nada lhe exigir, de saber sair quando considera que não quer dar
a Tomás a ideia de que está a invadir a sua vida ou de que está
irremediavelmente interessada nele, a torna única. E é essa maneira de ser, esse
aparente desprendimento, essa relação sem compromissos, que vão cativando
Tomás. Ele que tinha tido um passado difícil, que não queria voltar a
envolver-se, viu-se preso neste fio que o amor teceu e com o qual lhe lançou a
teia. Quando passam os melhores dias das suas vidas juntos numa aldeia do
Xisto, na Serra, Joana assume que as barreiras que erguera para se resguardar, tinham
definitivamente quebrado e passo a citar “o estrago era extenso pois a enxurrada
de amor tinha sido violenta” (pág. 95). Também Tomás se sentiu dominado por uma
euforia. Porém, o passado e o medo fizeram-no passar da euforia à depressão. E
porque os fios são assim, unem, mas são frágeis, nem sempre se entrelaçam num “e
foram felizes para sempre”.
E
quantas vidas, por mal-entendidos, por recalcamentos, por amor e desamor não
estão presas por um fio?
Gosto
da forma como Yeti escreve, da linguagem fluída, mas ponderada, da moderação
com que aborda determinadas passagens (que poderiam, de outra forma, tornar-se facilmente
vulgares).
A
única sugestão que faria a Yeti era o facto de poder ter dado mais corpo à
narrativa, ter desenvolvido mais alguns momentos. Poderia ter intercalado a
narrativa do presente com a narrativa do passado destas personagens, com
riquíssimas analepses que nos permitiriam conhecer ainda melhor estas personagens.
Porém,
a minha crítica é, no geral, muito positiva e aconselho vivamente a leitura de Um Fio de Sangue.
Deixo
os meus parabéns a Ann Yeti e votos de muitos sucessos literários. Agradeço a oportunidade que me deu de conhecer o seu livro. Fico a
aguardar a próxima obra, um romance que também, sem dúvida, nos surpreenderá.
Célia Gil
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