Sem Fim à Vista, Raquel Ochoa


Ochoa, Raquel (2012). Sem Fim À Vista. Ponta Delgada: Letras Lavadas Edições.


Sem Fim à Vista é um romance de Viagens de Raquel Ochoa. Não é, porém, um simples livro de viagens. O protagonista é uma pessoa doente e as viagens dividem-se de acordo com os seus órgãos doentes: na Veia Cava Superior, a ação inicia-se em Singapura, passa pela Malásia, Indonésia e termina na Austrália. Já na Aorta, temos várias localidades da Nova Zelândia. No ventrículo Direito, Hong Kong; no Ventrículo Esquerdo, Sri Lanka e Japão e no Tronco Pulmonar, regresso aos Açores, São Miguel, terra do protagonista.
É um livro que não se quer parar de ler, porque cada viagem, para além de nos levar a sítios bastante diferentes, é também uma viagem interior, de conhecimento, aprendizagem e crescimento. A cada viagem, apetece-nos largar tudo e acompanhar a personagem na apreciação dos lugares, das pessoas, dos paladares…
O protagonista, Vítor Vidampla, é um açoriano com um historial clínico complicado. Um empresário de sucesso, responsável por fazer vingar um negócio de família, sujeito ao stresse da sua profissão, que passa os dias a trabalhar, sem viver realmente a vida. Quando se vê obrigado a um transplante de coração, a uma medicação severa e a uma esperança de vida limitada, é quando pondera realmente começar a viver. Decide, contra todas as indicações médicas, viajar sozinho e ir até à Nova Zelândia assistir à final do mundial de rugby. Sempre limitado pela doença, tudo é feito muito devagar, consoante as suas capacidades e condição física debilitada. Mas esse vagar tem as suas vantagens, pois permite-lhe apreciar cada lugar, cada pessoa que conhece e cada momento nesta viagem é uma vitória. À medida que a viagem decorre, Vidampla vai-se esquecendo das dores, vai deixando de precisar da medicação e sente-se finalmente livre de todas as suas angústias. De entre as pessoas que conhece nas suas viagens, destaca-se a alucinada Helana, uma força da natureza, que o incita a prosseguir a viagem para o Japão, onde se encontrará com ela.
Podem nem ser reais estas viagens, pode até Vidampla estar apenas em coma, mas esta viagem cumpre os objetivos a que se propôs, desperta Vidampla para a vida.
A forma como Raquel Ochoa escreve prende-nos à narrativa, pois à ação constante se alia uma poeticidade repleta de frases que ficam. Passo a citar algumas das que mais gostei:

"O vento chega e modifica, não deixa a praia igual. Assim são as viagens."

"Nunca imaginamos o que está por detrás dos olhos de uma pessoa."

"Em todas as grandes viagens chega um momento de ruptura, em que o passado passa a ser o passado e o futuro um mar de promessas. É neste ponto que o viajante sente, de modo abrupto e precipitado, que não voltará a ser o mesmo. Partem-se pratos num chão de mármore que ninguém ouve, ninguém compreende. É subtil. Uma aragem. "

"De vez em quando um desafio é necessário para nos testarmos, cria uma sinergia para as habilidades da mente e alma.”

"Estive drogado com a minha vida."

"O dia mais importante de uma relação não é o dia em que conhecemos a cara-metade, mas o dia em que essa pessoa passa a existir dentro de nós."

"Hoje sou a pessoa mais calma do mundo. Hoje sim, por todas as inúmeras vezes que ao longo da vida já perdera a cabeça. O desgaste vem da consciência de que se perdeu a razão, é um dos mais debilitantes estados, porque os nervos impedem a aparição de quaisquer argumentos. Como se os houvesse. No fundo, todos os que são muito competentes têm dificuldade em aceitar erros crassos e comportamentos preguiçosos."

"As montanhas foram a maior criação de Deus, não foi a mulher, muito menos o homem. No dia em que as criou estava inspirado. Deus pôs todo o seu esforço nas montanhas e depois o Homem foi só para criar alguém que as pudesse apreciar. Deus só criou os homens para contemplarem as montanhas. E o mar? O mar é outra história. O mar serve para separar e ligar. O mar é veículo. As montanhas são imóveis, intransponíveis. Um monumento. Tal como o mar, são inclementes, mas o mar limpa o homem, as montanhas levantam-no."

Célia Gil

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