Princípio de Karenina, Afonso Cruz


Cruz, Afonso (2018). Princípio de Karenina. Lisboa: Companhia das Letras.

O Livro Princípio de Karenina, de Afonso Cruz, foi um livro que adorei. Parte do princípio de Anna Karenina (romance de Tolstoi sobre a felicidade/infelicidade, e de uma derivação anterior de Aristóteles, sobre a bondade e a maldade),  construindo-se uma história que contraria, de alguma maneira, este princípio. Nem todas as famílias felizes se parecem, nem todas as infelizes são infelizes à sua maneira, porque, e passo a citar “…a felicidade não obedece a essas regras. Estar no lugar errado pode ser fonte de felicidade (…) Disposições imperfeitas, cada uma à sua maneira, mas felizes, cada uma à sua maneira (…) As famílias felizes terão de ser imperfeitas (ou seja, diferentes umas das outras), é impossível ser feliz sem dor (…) Sem desequilíbrio, nada se move”.
A história que nos permite chegar a estas conclusões é a do narrador, que fala para a sua filha, que não conhece e a quem conta a história da sua vida. Conta-lhe sobre si, desde criança, uma criança disforme;sobre os seus pais, como o pai fechava a sua vida dentro das janelas de casa e não gostava que o filho saísse, erguendo sempre muros de silêncio à sua volta, muito recatado, tradicional, afinal, porque, segundo o filho, tinha medo de tudo, tinha medo do que não conhecia, tinha medo do mundo. O pai ter-lhe-á incutido estes princípios e o medo de sair da aldeia. A mãe revela-lhe as costuras do Mundo, ela que sempre gostou da sua deformidade, mimando-a com suavidade. A mãe gostava de cantar, dizia que não cantava sozinha, pois considerava que cantava com diversas pessoas, através da rádio, numa espécie de comunhão, especialmente mulheres que, nas suas lides domésticas cantavam para engolir o choro. Conta sobre o seu amigo Dois Metros, que se chamava assim porque, na infância, parecia que atingiria uma altura excecional. Mas, afinal, ficou com pouco mais de 1,65 m, continuando, no entanto, sempre com a mesma alcunha. Conta das suas aventuras, das desavenças constantes.
A Fernanda da Farmácia foi, desde cedo, a sua grande paixão; mas, na altura, a sua noção de amor era uma noção de propriedade, algo que se constrói, devendo a escolha ser racional e não passional. Mas entre os dois havia a sombra de um rapaz perfeito, o Arnaldo da Herdade Nova. Desde que este lhe sussurrara ao ouvido que ela não prestava, que esta ideia o fez perder o interesse que tinha anteriormente por ela e será determinante para a indiferença com que a tratará mais tarde, quando se casa com ela. Quem começa a trabalhar em casa deles é a que será a mãe da sua filha, que lhe terá aberto as janelas, uma mulher oriental, de uma “beleza incomodativa”. Quando ela engravidou, mentalizou-se de que ia deixar a mulher e ficar com a mãe da sua filha. Mas foi adiando. E quando ela se foi embora, prometeu ir ter com ela, mas foi novamente adiando…. Terá ele ido ter com a mãe da sua filha? Como terá corrido este reencontro?
Um livro fabuloso, no qual é impossível não assinalar passagens de uma grande beleza. Uma história muito bem concebida e que vale a pena ler com atenção.
O Princípio de Karenina de Afonso Cruz é a minha sugestão de leitura desta semana, eu que sou a Célia Gil.

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