O Retorno, Maria Dulce Cardoso

Cardoso, Dulce Maria (2012). O Retorno. Lisboa: Tinta-da-China.

Ler O Retorno de Maria Dulce Cardoso é fazer uma viagem de retorno à infância, às minhas memórias, sendo eu própria uma retornada, que voltou de Angola com apenas 5 anos, em 1975. Estive em casa com a leitura deste livro, com os hábitos, a linguagem, a cultura do país que me viu nascer. Estive com os dramas, a angústia e o medo das personagens nas quais me reconheci, ainda que mais nova. Revi-me nesta realidade de passar de uma vida tranquila, sem necessidades, para uma vida incerta, onde o Bullying assumia uma outra forma, mas era da mesma violência. Também eu voltei sem o meu pai. Voltaria? Não voltaria? Tantas incertezas, tantas dificuldades, tantos sonhos…
Este é realmente um grande livro, só o pode ser, quando nos revemos nas personagens, nas situações, deixando-nos envolver e confundir com a própria história.

Mal chegam a Portugal, Rui e a família e milhares de refugiados vêem-se obrigados a habitar por tempo indeterminado num hotel de cinco estrelas no Estoril, disponibilizado pelo Governo para receber os “retornados”. A mãe, que tinha problemas psicológicos, vê agravar-se o seu estado de saúde, ao regressar sem o marido (quem a ia mantendo mais ou menos estável) e ao deparar-se com a falta total de apoio dos parentes que residem em Portugal.

As condições de vida no hotel rapidamente se degradam devido à sobrelotação. Os hóspedes “especiais” sentem-se a viver numa colmeia ou num formigueiro. Surgem os conflitos com a direção do hotel, que emite normas cada vez mais apertadas. As chamadas de atenção tornam-se constantes. O Rui, com apenas quinze anos de idade opta por exibir uma atitude bastante hostil em relação ao meio social lisboeta.
Conseguiriam estas personagens ultrapassar os seus dramas e refazer as suas vidas? Não foi o que todos tiveram de fazer? Não baixar os braços e partir para uma luta de adaptação, inserção social, procura de trabalho e luta, luta constante para esquecer os fantasmas passados.

“No IARN as secretárias eram velhas e sujas e as cadeiras onde os retornados se sentavam quando chegava a sua vez estavam desconjuntadas, tenho a certeza que nem aguentariam um corpo pesado como o do pai. Estavam lá retornados de todos os cantos do império, o império estava ali, naquela sala, um império cansado, a precisar de casa e de comida, um império derrotado e humilhado, um império de que ninguém queria saber.” (pág. 86)


                                                                                   Célia Gil

0 Comentarios