Uma Terra Prometida, Afonso Cruz et caetera

Cruz, Afonso; Carvalho, Ana Margarida; Ferraz, Carlos Vale-, Carvalho, Cristina; Beja, Filomena Marona; Fanha, José; Real, Miguel; Camarneiro, Nuno; Carvalho, Sérgio Luís de (2016). Uma Terra Prometida. Lisboa: Zero a Oito.

Nº de páginas: 192

Início da leitura: 30/04/2021

Fim da leitura: 01/05/2021

Este é um livro que resulta de um desafio lançado a José Fanha para escrever sobre um determinado tema atual e motivador, escolhendo para tal vários escritores e foi assim que nasceu esta obra, que integrou o Plano Nacional de Leitura do 3º Ciclo do Ensino Básico.

Gostei muito dos contos, sendo que o que menos me cativou foi o do Carlos Vale Ferraz.

Destaco, de entre todos, igualmente bons, os que mais me cativaram, falando um pouco sobre eles.

Déjeneur sur l’Herbe com Alguém a Afogar-se” é um conto de Afonso Cruz, que nos fala de uma família que vai fazer um piquenique no campo. Enquanto comem, veem alguém no rio a afogar-se. Não percebem se se trata de um homem, uma mulher ou até de uma mulher com um filho nos braços. Ainda assim, continuam a comer calmamente. Quando fazem uma caminhada, voltam a ver a imagem do outro lado do rio e percebem que está aflito. Parece-lhes que está a acenar. A mãe acena de volta, mas ignora, uma vez que “não conhecia aquela gente de lado nenhum”, podiam ser “pessoas desinteressantes ou aborrecidas ou até delinquentes…”. Pode, ainda, ser “um pobre”. A filha atira um brigadeiro que nem chega lá e o filho continua a ler e a comover-se com a sua leitura, no regresso para casa. Um conto pequeno mas tão completo! A forma de escrita de Afonso Cruz é absolutamente extraordinária. Consegue, com algum humor (negro) e muita ironia colocar num conto tudo quanto sofrem os refugiados, esta indiferença de que são alvo, por parte de pessoas que se comovem com ficção, mas que se mantêm no seu mundinho, impávidas e serenas perante o sofrimento alheio. Muito bom.

No conto “O meu Prédio” de Cristina Carvalho saliento a mensagem e a forma como está escrito. O narrador é um jovem de 11 anos, cuja família, apesar de pobre, manteve-se sempre unida e nunca lhes faltou comida na mesa, até a guerra lhes levar tudo. No dia em que a mãe resolve fazer um bolo, rebenta uma bomba nos prédios ao lado, que deixará na memória deste jovem, quando sente o cheiro de bolos, uma náusea e uma sensação de “tristeza infinita”. E passo a citar algumas passagens de entre tantas que me comoveram: “A guerra estava ali a estalar na avenida, a lamber os prédios, a galgar passeios e rotinas, a dizimar as vidas de tanta gente”. “Eu sei o que é ter fome, isso sei! É uma sensação escarlate, esta sensação de fome. Começo por ter dores de estômago, que vão descendo e passam a ser cólicas na barriga. Depois vem um formigueiro intenso na ponta dos meus dedos, quero levar as mãos à cabeça, levantar os braços e não consigo. Não tenho forças”. Conseguem partir para as ilhas Féroe, na Dinamarca, mas nem todos conseguem lá chegar e é este narrador, de onze anos que refere: “Se me lembro dos meus pais e dos meus irmãos? Lembro-me, sim. Vejo-os a boiar, inchados, já muito perto da praia. Eu tive sorte.”

Em “Europa! Europa!”, de Miguel Real, é-nos contada a viagem de barco de Muhammad, Mirian e a sua bebé. A criança, fruto da violação de Mirian em Missnana, não é aceite pelo marido, que considera que a deviam ter abandonado na mesquita, pois constituía só mais um fardo. Agora, ali, enfrentando a apinhada embarcação uma forte ondulação, Mirian confessa que ouvira dizer que os passadores lançavam pessoas ao mar, caso a ondulação piorasse. Muhammad tenta convencer Mirian de que a bebé só causará problemas, está doente, cheia de febre e eles não terão dinheiro para as despesas dos médicos. Acaba por sugerir-lhe que a lance ao mar. Mas, Mirian não larga a filha. Até que lhes parece avistar a Europa. Será?

Aconselho a leitura deste livro!

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