Gonzaga, Manuela (2009). Maria Adelaide Coelho da Cunha: Doida Não e
Não!. Lisboa: Bertrand Editora.
De um grande
rigor histórico, documentado de forma precisa, este romance aborda a
história de Maria Adelaide Coelho da Cunha, filha e herdeira de Eduardo Coelho, fundador
do Diário de Notícias. Casada com o
administrador deste jornal, Alfredo da Cunha, ela e o marido ocupavam um lugar
de prestígio na sociedade da época, organizando grandes festas, onde Maria
Adelaide, uma mulher de uma elegância exemplar, representava e declamava textos
do marido. Nestas festas recebiam nomes notáveis da cultura do seu tempo, de
entre os quais Oliveira Martins, Ramalho Ortigão, Eça de Queirós, Teófilo Braga
e Antero de Quental.
Viajavam juntos, com
alguma frequência, para o estrangeiro e, mesmo, por Portugal, onde conheceu um
pouco de todo o país, como Tomar, Coimbra, Penacova, Abrantes, Lousã, Pedras Salgadas,
Oliveira de Azeméis, Entre-os-Rios, Viseu e Fundão.
Apesar desta vida
de azáfama e boémia, Maria Adelaide não era feliz e ressentia-se com as
atitudes pouco delicadas do marido, homem seco e arrogante.
Maria Adelaide
acaba por se apaixonar pelo seu motorista, Manuel Cardoso Claro, que a admirava
pela sua bondade, sempre cuidadosa e vigilante com o bem-estar dos seus
serviçais, acabando, em 1919, por prescindir de toda a sua riqueza, palácio
lisboeta, fortuna e vida social para fugir com ele para Santa Comba Dão, passando
a ter uma vida modesta e simples, muito diferente da que tivera até então.
Porém, o seu
romance idílico não durou muito, pois Alfredo da Cunha cedo descobriu onde ela
se encontrava e a mandou ir buscar, com o filho e um agente da polícia de
investigação.
Onze dias depois
da fuga, Maria Adelaide era internada pelo marido no Hospital Conde de Ferreira, no Porto. Era mais fácil dá-la como louca para justificar as suas
atitudes perante a sociedade, do que aceitar as suas decisões, que constituíam um
escândalo para a época.
Maria Adelaide
consegue, ainda, numa determinada ocasião, fugir do manicómio e recolher-se numa
aldeia do concelho de Castro Daire, com Manuel Claro, onde foi muito bem tratada pela família deste. Mas também aí o marido a descobriu.
Foi, então, no
regresso ao Conde de Ferreira, que se viu encarcerada num quarto minúsculo, sem
poder fazer rigorosamente nada e onde desejou, muitas vezes, a morte, que seria
menos cruel do que a vida que arrastava naquele quarto, onde ficaria presa
durante muito tempo. Quanto a Manuel Claro, foi preso por rapto.
Alfredo da Cunha,
o marido, facultou toda a documentação necessária para constar de um livro sem autoria, Infelizmente Louca, que contou com
atestados dos médicos Júlio de Matos, Egas Moniz e Sobral Cid, bem como com vários
depoimentos (alguns deles falsos) que instigariam no público uma onda de
solidariedade para com o marido abandonado.
Mas Maria Adelaide
é uma mulher forte, que de doida tem muito pouco. São as suas convicções que
não a deixam desistir.
Terá ela
conseguido libertar-se do cárcere a que foi sujeita pelo seu “crime de amor”?
Até que ponto, na época, os manicómios não serviam para “calar” todos os que
ousassem seguir padrões de comportamento considerados reprováveis nas famílias
influentes da época?
Uma história com
história, fascinante e envolvente, que documenta a desigualdade de género, a
coragem de uma mulher que segue as suas paixões e convicções, um exemplo de
coragem, que não aceita o destino que lhe foi traçado pelo marido e que ergue
a sua voz para dizer Não, "Doida Não e Não!”.
Célia Gil
Manuela Gonzaga tem uma marca muito forte no campo das biografias – de
que esta é uma referência exemplar. A autora, presença igualmente reconhecida
na literatura juvenil, no romance, nos contos e até no ensaio, é natural do
Porto. Tem diversas obras publicadas que vão desde o romance histórico (Jardins
Secretos de Lisboa) à primeira e única biografia de António Variações,
referenciada em Estudos Portugueses em várias universidades. A sua obra está
traduzida e editada em francês pela Poisson
Volant. Historiadora com o grau de mestre em História pela Universidade
Nova de Lisboa, Manuela Gonzaga tem quatro filhos e três netos. Paralelamente,
tem erguido a sua voz pela causa animal e pela causa ambiental, dedicando-se
igualmente a atividades no campo dos direitos humanos.
1 Comentarios
Que linda história,Célia...Que tenhamos essa força disso dizer !! beijos, feliz Páscoa! chica
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