Pai sem chão nem céu





Sentia-se exausto. Mais uma vez, naquela postura cansada, sentado num banco, com o tronco a abalar-se nos joelhos, vergado pelo sentimento de derrota, pela frustração de quem falha na educação da filha, sabendo-se sozinho, sozinho há demasiados dias a fio, sentiu-se dominado por uma tempestade de lágrimas que o deixou encharcado, por um tufão de suspiros que lhe sorveu as poucas energias que lhe restavam, numa vida que deixara de ter chão e céu.
Pai e mãe, sem ninguém que lhe dissesse o caminho mais certo, as palavras ideais (se as há), aquelas palavras que aquecem, que mudam o rumo dos acontecimentos e criam uma bolha de ar em volta de qualquer tufão de emoções e onde apenas fica o que conforta, o que abraça, Júlio sentiu-se à beira do abismo, dele separado apenas pela sensação de dever, dele separado apenas por uma ínfima sensação de dependência (se é que esta existia para além do que é o estritamente material).
Porventura, fora muito duro, exigindo que fosse sempre boa estudante, que lutasse pelo seu futuro, que fizesse por si.
À procura dos seus erros, na memória dos últimos acontecimentos, Júlio só conseguia ouvir as palavras da filha a ferirem-lhe os ouvidos, deixando um rasto de dor em direção ao coração. “Eu faço o que quero. Quem és tu para me impores isto ou aquilo? Para me dares conselhos? Não vales nada. Não quero saber do que dizes. Não és pai, não és nada. Para ti, sou um empecilho. Eu é que sei da minha vida. Eu é que decido. E, se possível, o contrário daquilo que me dizes, que nada vale.” E tantas outras palavras que os ouvidos de um pai varrem da memória. Isto, entre gritos insolentes, palavras que ferem menos do que o olhar que as acompanha, um olhar de desprezo roçando o nojo, mais que uma chapada, um escarro na cara.
Nessas alturas, cai por terra tudo o que foi, os sacrifícios, o amor incondicional que sempre deu à filha, o quanto trabalhou para que nada lhe faltasse, as horas a passar a sua roupa, a limpar,  sem lhe pedir nada, para que ela não perdesse tempo e estudasse pelo seu futuro. Só nunca tivera consciência de que nesse futuro, ela não o incluía.
Afastados, meses sem se falarem, numa troca de olhares circunstanciais sem sentimento…
Sentado naquele banco, sozinho, agora abraçado aos joelhos, encharcava-se na sua tempestade de emoções. Sentia-se tão inútil, tão vazio… Errara na educação, errara na vida…Errara!

                                                                                                                   Célia Gil

0 Comentarios