Sándor Márai, um
escritor húngaro, da primeira metade do século XX, surpreende-nos com a sua
forma elegante, límpida e fluida de escrever. Os longos diálogos são tão
extensos e intensos como se estivéssemos a ouvir contar uma história.
À medida que a narrativa flui, sente-se a necessidade de ler
os próprios gestos, as atitudes, as meias palavras das personagens, que nunca
revelam tudo.
Tal como no romance As
Velas Ardem até ao Fim, também neste A
Herança de Eszter, há um regresso há muito aguardado, neste caso de vinte
anos, momento em que as personagens já se sentem velhas e têm a noção de que
tudo é já apenas passado, pouco esperando do futuro.
Eszter é solteira e o seu único amor partiu com a sua irmã
Vilma, com quem se casou. Interesseiro, materialista e sem escrúpulos, Lajos
roubou tudo o que possuíam, deixando-lhes apenas a casa onde vivem e o jardim
com que subsistem.
Eszter vive com Nunu, a “omnisciente” Nunu, que constituíra
sempre a lanterna na vida de Eszter, que lhe terá guiado os dias de solidão. Endre é
amigo e notário da família, conhece Lajos há vinte e cinco anos e nunca
acreditou na sua seriedade, nem se deixou enfeitiçar pelas suas palavras falsas
mas eloquentes, irresistíveis e afáveis.
Passados tantos anos, Lajos regressa, viúvo, trazendo a
filha, o namorado desta e a mãe do futuro genro. E este regresso vem desencadear
sentimentos e recordações que se julgavam esquecidos. Eszter descobre cartas
que Lajos lhe escrevera há vinte anos a pedir que fosse ter com ele, mas que a
irmã lhe escondera.
Numa conversa com Eszter, Lajos confessa não ser um homem de
paixões, nem de caráter. Ela era o caráter dele, o caráter que lhe faltava. No
entanto, esta conversa escondia as verdadeiras intenções de Lajos. Estaria ou
quereria Eszter entender essas razões e recuperar uma vida que não vivera ao
lado de Lajos?
Como todo o discurso de Lajos, também o final deste romance
pode não ser o que estamos realmente à espera.
Célia Gil
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