Ecologia, Joana Bértholo

Bértholo, Joana (2018). Ecologia. Alfragide: Editorial Caminho.

 

Nº de páginas:504

Início da leitura: 17/02/2022

Fim da leitura: 24/02/2022

 

**SINOPSE**

Numa sociedade que se fundiu com o mercado - tudo se compra, tudo se vende - começamos a pagar pelas palavras.

A estranheza inicial dá lugar ao entusiasmo.

Afinal, como é que falar podia permanecer gratuito? Há seis mil idiomas no mundo.

Seis mil formas diferentes de dizer ecologia, e tão pouca ecologia.

Seis mil formas diferentes de dizer paz, e tão pouca

paz. Seis mil formas diferentes de dizer juntos, e cada um por si.

 

**OPINIÃO**

Começo por alertar para o facto de este não ser um romance muito vulgar, não só pela temática e forma como é abordada, mas pela própria estrutura e pela escrita da autora. Depois, quem quiser fruir desta leitura, não o pode fazer de forma rápida, pois, necessariamente, sentimos necessidade de nos determos em algumas passagens para refletirmos ou para, simplesmente, complementar a informação que nos é dada com o que se esconde por detrás dos códigos QR, que nos vão surgindo ao longo do texto, ou mesmo em algumas imagens.

No meu entender, há toda uma lógica na forma como está escrito, nas longas listas de palavras, nos jogos de palavras, porque tudo contribui para realçar a mensagem que se pretende transmitir.

Lucía trabalha para uma empresária de sucesso, há muito que existe entre ela e o marido um grande distanciamento e nem sempre tem paciência para a filha questionadora, que coleciona palavras num caderninho e que, quando não percebe, questiona, ainda que algumas questões nos arranquem sorrisos ou até gargalhadas, pelo facto de nunca nos ter passado tal ideia pela cabeça. Candela é uma criança deliciosa, que satura os adultos, mas a quem eu acho muita piada. Dou aqui alguns exemplos. Quando a mãe fala nos “dias que correm”, Candela questiona “Por que é que correm? Qual é a pressa? Correm para onde?” ou quando a mãe diz que "o tempo está embrulhado", questiona "quem, como se "embrulha"?, é um presente, e é uma oferta para quem?".

Trabalha para Darla Walsh, uma diretora-executiva de uma multinacional sediada em Dublin. Carolina é a Mulher – Eco de Darla, tendo por única função repetir o que Darla diz.

Num mundo onde tudo se paga, tudo se taxa, determina-se que as palavras ditas terão de se começar a pagar. E é Darla que subsidia um centro de estudo da linguagem, um “laboratório de Línguas”, numa perpetiva unicamente economicista.

A narradora vai sendo bastante irónica, quando critica o facto de o ser humano tudo aceitar, arranjar formas de achar normal o impensável (ex: “Uma mulher paga a outra mulher para que lhe limpe a casa enquanto ela vai a um ginásio correr numa plataforma estática.” (…) “uma jovem paga a uma mulher mais velha para que lhe coloque pestanas mais longas sobre as suas pestanas originais. Comentam:

- Ninguém diria que são falsas!”

“Um jovem crente paga à sua Igreja para que o seu Deus zele por ele”. E muitos, muitos exemplos desta sociedade em que vivemos. De tal forma se paga por tudo e se encontram explicações para os benefícios que esse pagamento nos trouxe, que o resultado é uma evolução tecnológica desenfreada.

Este romance distópico, é um manifesto de intervenção, um grito de revolta, uma mão na consciência.

A privatização da linguagem vai decorrer em três grandes vagas e, aos poucos, à medida que as vagas avançam, o ser humano está completamente controlado pelo progresso tecnológico, que permite vigiá-lo constantemente, e fazê-lo pagar avultadas somas em multas, que levam a uma necessária contenção, um fechar de bocas, como se, progressivamente as pessoas se fossem esvaziando do que ainda lhes restava, como que automatizadas. Esta é uma situação que angustia, nos deixa de coração apertado. O que nos vale é Candela, a criança que continua a colecionar palavras, a querer compreendê-las, aprender novas palavras, perceber por que podem ter mais de um significado. Onde nos poderá conduzir a tragédia da incomunicabilidade?

Se a autora tivesse reduzido determinadas listas de palavras, não se teria perdido o conteúdo e a mensagem da obra. Porém, é um grande livro, um bom livro, de que aconselho a leitura. Para quem tem paciência em termos de leitura!

 

0 Comentarios