Ventos do Apocalipse, Paulina Chiziane

Chiziane, Paulina (2003). Ventos do Apocalipse. Lisboa: Editorial Caminho.


Nº de páginas:296

Início da leitura:14/02/2022

Fim da leitura: 16/02/2022

**SINOPSE**

Guerra. Destruição. Miséria. Sofrimento. Humilhação. Ódio. Superstição. Morte. 
Este é o cenário dantesco, boscheano, que encontramos nas páginas de Ventos do Apocalipse. As palavras fortes, cruas, incisivas, dilacerantes e delirantes da autora levam-nos a questionar-nos quanto de ficção existirá no realismo das descrições deste palco apocalíptico em que a guerra mais aberrante será talvez a de dois povos, os mananga e os macuácua, colocados entre dois fogos e não sabendo quem os defende e quem os ataca.

 Paulina Chiziane é uma contadora nata de estórias. Consegue levar-nos ao âmago do mais baixo dos mais baixos degraus de degradação do ser humano. Com ela percorremos as vinte e uma noites de pesadelo e tormentos que foi o êxodo dos sobreviventes de uma aldeia. Através dela aprendemos a respeitar Sixpence, tornado o herói simbólico, emblemático, e líder venerado desses fugitivos.

**OPINIÃO**

Chiziane, vencedora do Prémio Camões 2021, é uma excelente contadora de “estórias”. Nesta obra, a autora recria um cenário ficcional do resultado que as longas e sucessivas guerras de Moçambique terão tido nos povos Mananga e Macuácua, vitimados pela violência, a fome e a morte. E é de forma dura que retrata a seca, a fome, a guerra, o fogo, o desespero, a loucura, a morte, a perda de valores – o apocalipse. Conta-nos sobre o momento em que, tendo a natureza deixado de ser feliz, também os homens se tornaram infelizes: “A terra abre violentas fendas ávidas de água. Será necessário desabar o céu inteiro para dar de beber à terra e aos homens com ela.” (pág. 24). Mesmo perante a “decadência do mundo, o desnudar da terra” (pág. 55), ou quando “a morte das árvores vaticina a morte dos homens” (pág. 66) e “o silêncio de sepultura” toma conta dos caminhos de areia enegrecidos, dos “campos calcinados” (pág. 95), estes homens carregam dentro de si a esperança, demonstrada através dos cânticos que erguem aos céus, onde estão os seus queridos defuntos, porque “dentro de cada homem há soldados nobres que combatem” a dor (pág. 117). Esta força, não a vão buscar aos livros nem às bibliotecas, que não têm, vem de uma herança dos seus antepassados, pois “os seus segredos residem na massa cinzenta dos antigos, cada cabeça é um capítulo, um livro, uma enciclopédia, uma biblioteca” (pág.120). Mas conseguirá o povo, perante a barbárie de todas as catástrofes, manter-se fiel às suas crenças, tradições e defuntos, mesmo perante a morte iminente? Que mudanças lhes reservarão os ventos?

Adorei este livro, a forma como Chiziane escreve. Consegue falar de acontecimentos terríveis de forma direta e crua, mas, ao mesmo tempo, tão poética, tão comovente! E sempre em contante diálogo com o leitor, numa linguagem repleta de marcas de oralidade, que nos faz sentir ali, a observar todos os acontecimentos que nos são narrados. Absolutamente imperdível!

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