Coelho, João Pinto (2020). Um Tempo a Fingir. Alfragide: Dom Quixote
Nº de páginas: 400Início
da leitura: 17/03/2021
Fim
da leitura: 21/03/2021
Um
Tempo a Fingir é o
último romance de João Pinto Coelho e, como Os Loucos da Rua Mazur, um
livro extraordinário.
É
difícil falar de um livro quando este nos dá tanto, tanto enredo, tantas
personagens carismáticas, tudo com uma maneira de escrever intensa, em que não temos
vontade de parar a leitura até nos sentirmos sem fôlego. É um daqueles romances
que nos deixa, sem dúvida, com a famosa “ressaca literária”. Queria deixar
passar uns dias para falar sobre ele, mas, ao mesmo tempo, não consigo deixar
de falar já dele.
João
Pinto Coelho escreve como poucos e alia uma história ficcional cheia de
criatividade a um momento histórico que lhe dá credibilidade, numa época em que
se prevê a chegada dos nazis. É mesmo esse aspeto que torna a história tão
verosímil e as personagens tão especiais. Escreve de forma tão natural,
parecendo que as palavras lhe caem da boca ao contar uma história e, ao mesmo
tempo, com uma sobriedade, um rigor, uma entrega e uma paixão tão grandes, que é
impossível não agarrar o leitor às primeiras páginas.
A técnica narrativa que, por vezes, intercala os narradores Annina e o irmão, Ulisse é muito interessante, com uma nota de humor conseguido quando o irmão simplesmente discorda do que disse Annina, acrescenta alguma informação que ela quis ocultar ou corrige imprecisões.
A
ação decorre em Pitigliano, um burgo situado em Toscana, Itália, em 1937. É uma
terra pequena, onde parece difícil esconder segredos. Ou não? Será que os
segredos ficam resguardados como os túneis e catacumbas em que Pitigliano tem
os seus alicerces?
Annina
Bemporad é uma adolescente judia bonita e rebelde, que sabe a influência que
exerce sobre os rapazes. No dia em que o pai se mata com um tiro, fica a viver
com a mãe e o irmão. Frequenta a escola e, nos tempos livres, faz trabalhos de
costura na loja onde a mãe trabalha. Não tem muitos amigos, mas são de
salientar Peppino, um rapaz que recolhe lixo com a sua bicicleta para montar
espetáculos teatrais; Alessia, uma rapariga excêntrica, que mostra um afeto e
interesse muito grandes por Annina e Cosimo, o grande amor de Annina.
De
entre as costuras que faz, passa-lhe pelas mãos um vestido vermelho, que,
depois de pronto, passa a contemplar na montra e com o qual sonha, sabendo de
antemão que nunca teria dinheiro para ele.
Quando
num espetáculo montado por Peppino, ela veste o vestido vermelho, deixa de ser
invisível e passa a ser desejada por muitos. Então, Annina aproveita esses
momentos de glória para, aos domingos, se sentar na esplanada a comer gelados
que lhe vão oferecendo, rodeada de rapazes. Conversa com todos, mas não os
deixa aproximarem-se excessivamente. Gosta de ser alvo de desejo, mantendo-se
esquiva. Até ao dia em que tudo muda. Porque uma paixão recalcada em quem se
julga o “dono do mundo”, pode gerar as maiores atrocidades.
Com
efeito, tudo muda. Mas não vou alongar-me mais, para que não percam o
entusiasmo pela leitura deste grande livro. Aconselho sem quaisquer reservas.
Ah, só acrescentar que o final é totalmente imprevisível!
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