O Ladrão de Cadernos, de Gianni Solla

Solla, Gianni (2025). O Ladrão de Cadernos. Lisboa: Publicações Dom Quixote.
Tradução: Ana Maria Pereirinha
Nº de páginas: 288
Início da leitura: 31/01/2025
Fim da leitura: 02/02/2025

**SINOPSE**
«Ainda não sabíamos para que coisa nos dirigíamos, não sabíamos do que estávamos a fugir, tínhamos apenas a certeza dos nossos corpos jovens… A minha vida começou com aquele salto.»

Em Tora e Piccilli foi tudo sempre igual, o mundo começa e acaba ali. Davide é guardador de porcos, entende melhor os animais do que os homens, mas rouba cadernos no mercado da aldeia. Teresa, pelo contrário, anda na escola, tem o desejo de fugir e a audácia de quem sabe o que quer. Mas um dia chegam de Nápoles trinta e seis judeus, enviados pelo regime fascista para ali ficarem confinados. O Duce disse que deviam ser postos à parte, mas Davide vai à procura deles. Especialmente de Nicolas, que observa a lua através do telescópio e a nomeia «profundo peito do oceano». É a guerra que os faz encontrarem-se, depois separa-os. Até que os seus destinos são trocados.

Tora e Piccilli (a norte de Caserta), setembro de 1942. Davide passa os dias, por vezes até a noite, com os porcos que guarda: conhece-os tão bem que os chama pelo nome. Nasceu coxo e, por isso, é gozado pelos outros rapazes e maltratado pelo pai. Só Teresa, que passa as tardes a trabalhar na cordoaria da família e aproveita todo o tempo livre para ler, tem a coragem de o defender. Davide não consegue imaginar outra vida que não seja a de Tora. Teresa, pelo contrário, repete constantemente que um dia irá para longe, e Davide sabe que ela está a falar a sério. A chegada de trinta e seis judeus de Nápoles, enviados para a aldeia pelas autoridades fascistas, vai mudar as suas vidas para sempre. Nicolas, um rapaz judeu de uma beleza irrequieta, traz consigo um mundo desconhecido e perturba os seus dias. Davide começa a frequentar secretamente as aulas do pai de Nicolas, que criou uma escola clandestina.

E, assim, o filho analfabeto de um fascista aprende a ler e a escrever graças a um judeu. Juntos, Davide, Teresa e Nicolas exploram a paisagem em redor da aldeia, até às Ciampate del Diavolo (onde, segundo a crença popular, as pegadas do diabo estão impressas na encosta do vulcão extinto), mas também o mundo não expresso dos seus sentimentos. O fantasma de Nicolas acompanhará Davide nos anos seguintes, em Nápoles, depois da guerra. Quando trabalhar arduamente numa fábrica, quando começar acidentalmente a frequentar uma companhia de teatro, quando - já um homem, outro homem - pisar o palco como um ator aclamado.

Será o próprio Nicolas, vivo e, no entanto, tão parecido com um fantasma, que o levará de volta a Tora, onde tudo começou."

O Ladrão de Cadernos é uma obra que mistura mistério, reflexão e questões sociais de maneira simples e envolvente. Conta-nos a história de um menino guardador de porcos e que, quando vai ao mercado, rouba cadernos. Afinal que importância teriam estes cadernos na vida de uma criança que nem sequer sabia ler e que passava os seus dias isolado entre os porcos? O que leva este jovem humilde a querer aprender a ler e a escrever? E onde vai ele buscar toda a determinação quando o faz com um judeu (dos recém-chegados à aldeia),  mal visto pelo pai (adepto dos valores da ditadura alemã, que levava para casa os folhetos fascistas) e desobedecendo à sua proibição de frequentar a casa dos judeus?
A escrita de Gianni Solla é acessível, clara e fluida, mas que instiga à reflexão. Através das experiências do protagonista, o autor consegue abordar questões universais, como o valor das coisas e o que nos define enquanto pessoas, de maneira cativante. O protagonista é, com efeito, cativante, com as suas dúvidas, inseguranças e o forte desejo de entender o mundo em seu redor. É isso que o torna uma personagem realista e tão humana.

A obra também revela um exímio equilíbrio entre momentos de ação e introspeção, criando um ritmo envolvente. A escrita aparentemente leve, esconde uma carga emocional subtil, o que é capaz de tocar as emoções do leitor, sem ser de forma excessivamente dramática. É um livro que, sem dúvida, pode motivar o público a interessar-se por temas profundos e a considerar o impacto de seus próprios valores e escolhas no mundo. Recomendo muito!

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