Alice do Lado Errado do Espelho, Pedro Rodrigues

Rodrigues, Pedro (2020). Alice do Lado Errado do Espelho. Lisboa: Cultura Editora.

N.º de páginas: 128
Início da leitura: 16/11/2025
Fim da leitura: 19/11/2025

**SINOPSE**
"E se um dia acordássemos do outro lado do espelho? E se a maçã vermelha de Eva fosse a mesma que a Branca de Neve trincou? Será que a Rapunzel cortou o cabelo para evitar o contacto social? E o Lobo: porque é que é sempre ele o mau da fita? Estaria a profecia da Bela Adormecida certa? E a Cinderela: precisaria, ela, de ir ao baile para ser feliz? De uma coisa devemos estar certos: o mundo pode ruir como um póquer de ases - mas voltará a erguer-se como um castelo de cartas.

A Capuchinho-Vermelho encomendou a comida para a avó pela Uber Eats mal sabia ela que o entregador era o Lobo Mau."
Em Alice do Lado Errado do Espelho, Pedro Rodrigues propõe um exercício literário que parte de um gesto simples: revisitar figuras clássicas do imaginário infantil e transportá-las para o quotidiano contemporâneo, marcado pelo contexto pandémico. O livro, composto por sete contos breves, funciona como um espelho estilhaçado onde cada fragmento devolve uma imagem familiar mas subtilmente distorcida, obrigando o leitor a rever aquilo que julgava conhecer.
A escolha das protagonistas, Alice, Bela, Capuchinho Vermelho, Cinderela, Rapunzel, Branca de Neve e Bela Adormecida, não é casual. Representam arquétipos profundamente enraizados na cultura popular, facilmente reconhecíveis, mas que aqui surgem reconstruídos num registo sóbrio e atual. O diálogo com os contos de fadas originais existe, mas serve sobretudo para expor fragilidades humanas contemporâneas, medos atuais e distorção de conceitos morais, marcados pela pandemia.
A presença da pandemia, recorrente em todos os contos, não é tratada de forma sensacionalista. Surge como pano de fundo e, por vezes, como força determinante na narrativa, alterando rotinas, expondo solidões e acelerando processos de transformação interna. Esta atualização não desvirtua os contos originais, antes lhes acrescenta camadas de leitura que os tornam mais próximos do leitor adulto.
A escrita de Pedro Rodrigues é contida e direta, apostando na limpidez em vez do ornamento. Isso confere aos textos uma tonalidade sóbria que contrasta, de forma interessante, com o caráter fantástico das personagens. A brevidade dos contos, contudo, deixou-me uma sensação de que certas ideias mereciam maior desenvolvimento; há universos que se abrem rapidamente e se fecham com igual rapidez, deixando ecos que, embora sugestivos, poderiam ter sido explorados com mais profundidade.
Ainda assim, Alice do Lado Errado do Espelho cumpre o propósito de um livro de contos contemporâneo: surpreende, questiona e reinterpreta. 

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