Inventário da Solidão, de João Tordo

Tordo, João (2025). Inventário da Solidão. Lisboa: Companhia das Letras.

N.º de páginas: 368
Início da leitura: 11/11/2025
Fim da leitura: 13/11/2025

**SINOPSE**
"Ao fim de quase quarenta anos de silêncios e ausências, um antigo grupo de colegas da faculdade reúne-se na Irlanda para um último adeus a Rebecca Connelly, cuja morte, súbita e inesperada, traz ao de cima fantasmas há muito enterrados.
De todos a mais intrépida, mas também a mais inconstante, ninguém poderia imaginar o rumo que a vida de Becca levaria, nem a devastação que traria na sua esteira. Ninguém, excepto o rapaz que a amou durante os tempos de faculdade - o narrador, agora sexagenário, que tenta ainda fazer sentido de todos os caminhos que trilharam o seu destino.
Será que na revisitação desse passado de segredos encontrará resposta para a solidão que o consome? Conseguirá ele, com a morte do seu primeiro amor, apaziguar-se com o rapaz que foi e o homem que se tornou?
Mais do que um romance sobre o vazio que os grandes amores deixam em nós quando terminam, Inventário da solidão é um livro poderoso sobre as doenças invisíveis que corroem o espírito, as matérias perigosas de que todos somos feitos."
Inventário da Solidão, de João Tordo, é um romance que se lê como uma viagem ao âmago de um ser marcado pelo peso do passado e pela impossibilidade de o ultrapassar. O ponto de partida é o reencontro de um grupo de antigos colegas universitários, quase quatro décadas depois, na Irlanda, para o funeral de uma mulher que os marcou a todos, mas sobretudo o narrador, e que desencadeia um fluxo de memórias, feridas e desejos não resolvidos. Tordo constrói aqui uma narrativa que, embora assente num acontecimento concreto, rapidamente se expande para questões universais: a paixão, a insegurança que propicia, a obsessão amorosa, a saúde mental, o medo de falhar, e a solidão que se alastra quando o amor não cumpre a promessa de salvar aquele que ama.
O narrador é uma figura que vive num permanente estado de suspensão: refez a vida, mas nunca a reconstruiu verdadeiramente; avançou, mas não deixou de olhar para trás. A solidão que o acompanha não é a solidão da ausência física de outros, mas antes a solidão íntima, aquela que nasce do sentimento profundo de não ter sido capaz de corresponder às suas expectativas nem às dos que o rodearam. Quando o pathos se instala como condição de existência, como Tordo tão bem demonstra, a vida passa a desenrolar-se à sombra de um eco contínuo: o do silêncio interior que denuncia a frustração, o falhanço, a desilusão. E é nesta espiral que o romance coloca uma questão fundamental: até que ponto somos vítimas da vida ou cúmplices dos destinos que dizemos lamentar?
A escrita de João Tordo, aqui em plena maturidade, convoca referências que ampliam a espessura do livro, como a mitologia grega, aa filosofia, a música e a contextualização socio-política da época. Todas estas camadas surgem de forma orgânica, como se o autor quisesse lembrar-nos de que nenhuma história existe isolada do mundo, e que toda a experiência humana, mesmo a mais íntima, dialoga com uma herança cultural mais vasta. O tom oscila entre a euforia e uma melancolia pungente, num registo que parece estar sempre à procura da verdade emocional das personagens. Há, nos momentos de maior honestidade, uma crueza desarmante; noutros, uma delicadeza que confere dignidade ao sofrimento.
O romance é, afinal, um exercício de inventário da solidão,  das marcas que o tempo deixa, das escolhas que não se fizeram, das palavras que não se disseram. Tordo escreve como quem abre gavetas interiores, com o cuidado de quem sabe que certos objetos cortam ao toque. E talvez seja isso que torna este um livro especial: a capacidade de transformar o íntimo numa reflexão que ultrapassa a personagem e ecoa no leitor. Ao fechar o livro, permanece a sensação de ter sido conduzido por uma voz que não se limita a contar uma história, mas que, ao fazê-lo, nos confronta com a nossa própria cartografia de perdas, silêncios e nostalgias.

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