Rulfo, Juan. Pedro Páramo. Lisboa: Cavalo de Ferro, 2017.
Tradução: Rui Lagartinho e Sofia Castro RodriguesN.º de páginas: 147
Início da leitura: 05/11/2025
Fim da leitura: 07/11/2025
**SINOPSE**
"«Álvaro Mutis subiu, a passos largos, os sete pisos da minha casa com um pacote de livros, separou do monte o mais pequeno e curto e disse-me, morto de riso:
— Leia isto, carago, para que aprenda!
Era Pedro Páramo.
Nessa noite não consegui adormecer enquanto não terminei a segunda leitura. Nunca, desde a noite tremenda em que li A Metamorfose, de Kafka, numa lúgubre pensão para estudantes em Bogotá — quase dez anos antes —, eu sofrera semelhante comoção (…).
Não são muito mais de 300 páginas, mas são quase tantas, e creio que tão perduráveis, como aquelas que conhecemos de Sófocles.»
Do texto introdutório de Gabriel García Márquez, Prémio Nobel de Literatura
A obra de Juan Rulfo influenciou de forma decisiva autores distinguidos com o Prémio Nobel de Literatura, como Gabriel García Márquez e Octávio Paz."
Ler Pedro Páramo é entrar num labirinto de ecos, vozes e sombras. A breve, mas densa, narrativa de Juan Rulfo transporta-nos para Comala, uma aldeia mexicana fustigada pelo calor e pela memória, onde a fronteira entre os vivos e os mortos se dissolve num murmúrio constante. É nesse espaço espectral que acompanhamos Juan Preciado, um jovem que parte à procura do pai que nunca conheceu, o temido e enigmático Pedro Páramo. Contudo, o que parecia ser uma viagem de reconciliação, transforma-se num mergulho no irreal, num mundo em que o tempo se fragmenta e as almas se confundem.
Rulfo constrói Comala como um lugar suspenso, onde a morte não significa esquecimento, mas antes uma persistência da culpa e do desejo. À medida que Juan percorre as suas ruas, apercebemo-nos de que os habitantes não são verdadeiramente vivos: são vozes presas num ciclo de arrependimento e lembrança. A revelação de que todos estão condenados a permanecer em Comala, não apenas por conhecerem Pedro Páramo, mas por serem cúmplices, vítimas ou reflexos da sua tirania, confere à narrativa uma dimensão quase bíblica, em que o castigo e a redenção se confundem.
O elemento que une estas personagens é, de facto, o mais fascinante da obra: a condenação à repetição e à solidão eternas. Rulfo não oferece saídas nem consolações; o leitor, tal como Juan Preciado, afunda-se na atmosfera sufocante de Comala, sentindo o peso de um passado que nunca se extingue. A ausência de linearidade reforça essa sensação de desorientação. Os acontecimentos sobrepõem-se, as vozes misturam-se, e o tempo torna-se circular, como se estivéssemos presos na própria respiração da terra.
Essa estrutura fragmentada pode, à primeira leitura, causar estranheza, mas é precisamente ela que dá à obra a sua força poética. A linguagem de Rulfo é seca e fulgurante, marcada por um lirismo contido que traduz a aridez do cenário e das emoções. A simplicidade do estilo contrasta com a complexidade simbólica da narrativa, fazendo de Pedro Páramo uma das obras fundadoras do realismo mágico latino-americano, anterior até à consagração do género por Gabriel García Márquez.
No fim, a viagem de Juan Preciado é também a do leitor: uma travessia para um território onde a memória se confunde com o sonho, e onde a morte não é um fim, mas um estado de permanência. Pedro Páramo não é apenas um romance sobre um homem e o seu poder, é um retrato de um país, de uma cultura e de uma humanidade presa aos fantasmas do passado.
Seja lido como alegoria, mito ou lamento, o livro de Rulfo é uma experiência literária inesquecível: uma viagem sem volta ao coração do México e da própria condição humana. Não é um livro indicado para quem prefere leituras mais "leves".
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