Um
leitor, no verdadeiro sentido da palavra, é o leitor que compreende, interpreta
e intervém, que é consciente e livre. E é a leitura que lhe permite desenvolver
o domínio da linguagem (...).
A
originalidade do escritor não nasce consigo, ainda que possa existir uma
aptidão pela escrita. Um escritor tem de ser crítico, ao ser o primeiro leitor
do seu próprio texto (...), ousar pôr em causa o que se decide a escrever;
pesquisar, para confirmar e ser o mais fidedigno possível; questionar o que diz
e por que diz; observar com perspicácia, para poder relatar, ainda que possa
recriar; ser convicto de que consegue ultrapassar obstáculos e alcançar o
objetivo a que se propôs; ser obstinado, para não desistir, para não se deixar
levar pela inércia e pela derrota de um livro inacabado e, por último,
trabalhar incansavelmente no seu projeto (...).
O
escritor é aquele que escreve com prazer e que se distingue do autor, o
profissional que dá a conhecer a sua obra e se vai esquecendo de que foi, antes
de ser um autor, um escritor (...).
Para
chegar ao leitor, o escritor precisa de ser criativo, crítico e ativo, sem
deixar de escrever com autenticidade, havendo, para tal, também a necessidade
de uma boa seleção de fontes. Até porque o escritor precisa de ter em
consideração a existência de diversos tipos de leitor – aquele que lê poucas
páginas, porque de cada vez que lê, a sua mente vagueia, acabando por
afastar-se do livro; aquele que lê atentamente, detendo-se nos mais ínfimos
pormenores, considerando-os todos preciosos, e relê para encontrar ideias
escondidas nas entrelinhas; aquele que relê os livros, encarando esta releitura
como a primeira vez, pois continua a deslindar emoções e acontecimentos novos e
que, ao reler consegue aumentar a distanciação crítica; o leitor que considera
que cada livro que lê faz parte do grande livro único que constitui o conjunto
das suas leituras; o leitor que entende que o livro único é o que existe para
além do tempo, procurando em cada leitura o livro da sua infância, que não é
fácil de encontrar; o leitor que se detém sempre antes no título, na capa, no
início do livro, para o qual mais importante que a leitura é a promessa da
leitura; aquele para o qual o mais importante é o que está para lá do final do
livro e que ele procura desvendar. São tantos os tipos de leitor, que nem
sempre é fácil escrever para um em específico. Às vezes, o próprio escritor
fica surpreendido com os tipos de leitor que consegue captar para a leitura do
seu livro. Por isso, o escritor tem sempre a aprender com o próprio leitor, que
lhe vai dando indicações do que gosta, como gosta e porque gosta (...).
Em
suma, não basta querer ser-se escritor, é preciso ser-se empenhado, crítico,
ter em conta o leitor a quem se pretende chegar (sem contar aquele a que pode
chegar sem que tenha sido previsto), sem desistir do seu sonho de escrever, mas
investindo nesse sonho com paixão, dedicação e persistência.
In O
Sonho no Texto Poético de Expressão Portuguesa, Célia Gil
3 Comentarios
Um ótimo texto e dele podemos tirar belos ensinamentos e recados. Gostei! Valeu! bjs, tudo de bom,chica
ResponderEliminarSe fosse fácil ... eu até escrevo corretamente, mas ... falta o golpe de asa.
ResponderEliminarBeijinhos
Oi Célia,
ResponderEliminarUma ótima reflexão. Devo ser uma boa leitora, pois sou bastante reflexiva.
Bjs