Bajani, Andrea (2025). O Aniversário. Lisboa: Alfaguara.
N.º de páginas: 144
Início da leitura: 16/07/2025
Fim da leitura: 16/07/2025
**SINOPSE**
"Será um filho capaz de abandonar impiedosamente os pais? Virar costas, fechar a porta e não voltar? O que resta dos estilhaços de uma memória familiar? «Faz dez anos que, nesse dia, vi os meus pais pela última vez. Desde então, mudei de número de telefone, de casa, de continente, construí um muro inexpugnável, coloquei um oceano entre nós. Foram os melhores dez anos da minha vida.»
Algumas famílias sobrevivem — miseravelmente — a um quotidiano de violência, à tensão sempre latente, aos gestos de anulação do outro, à ausência de laços de amor. Outras famílias desfazem-se para sempre. O aniversário conta a história de um filho que, para viver a sua própria vida, renuncia à casa dos pais, condena-os ao isolamento e arranca pela raiz quaisquer possibilidades de reencontro ou comunicação. O filho procura na fuga uma hipótese de felicidade: escapa de um pai autoritário e irascível, distancia-se de uma mãe que de tudo abdicou em favor do marido. Este corte profundo deixa um lastro de recordações, falhas e solidão, mas desperta uma sede vital de redescoberta interior.
Andrea Bajani, um dos grandes romancistas europeus da atualidade, constrói uma narrativa inquietante: desoladora na sua aridez, sublime na minúcia com que analisa as feridas que não se curam."
Gostei muito deste livro! O Aniversário é daqueles romances raros em que a aparente simplicidade da história encobre uma densidade emocional e psicológica avassaladoras. O enredo parece, à primeira vista, despojado de grandes eventos: um filho que escolhe cortar completamente os laços com os pais e, durante dez anos, reconstrói uma vida à margem do passado. Mas essa decisão radical, que poderia ser apenas um gesto de revolta ou egoísmo, é, neste livro, o centro de um processo interior quase insuportável — de memória, perda, culpa e sobrevivência. Bajani não oferece ao leitor o consolo da reconciliação nem a catarse fácil do perdão. O que há é a nudez de uma experiência íntima levada ao limite, narrada com uma contenção estilística que só amplifica a dor que nela habita.
O que impressiona na escrita de Bajani é a sua precisão quase cirúrgica: ele escreve com o mínimo, mas cada palavra parece colocada com um peso específico, como se carregasse dentro dela a memória de uma ausência ou de uma ferida. A economia da linguagem não resulta em frieza, pelo contrário — há uma pulsação viva em cada frase, como se o texto todo fosse o corpo do narrador, ferido e em constante tensão. A ausência de grandes cenas dramáticas é compensada por um fluxo emocional subterrâneo que vai crescendo, imperceptivelmente, até atingir o leitor em cheio. O autor confia na inteligência e na sensibilidade de quem lê, e isso é cada vez mais raro.
Recomendo vivamente!
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