Quando as Girafas Baixam o Pescoço


Toda a história da obra Quando as Girafas Baixam o Pescoço, de Sandro William Junqueira, decorre no lote 19, onde vivem muitas pessoas, cada uma com as suas especificidades: a Mulher Gorda, quer comprar jacintos e a filha, a Rapariga Magra, que aceita tudo menos ficar igual à mãe. O Velho, que sabe que não pode deixar que a morte o apanhe a dormir, enquanto o Homem Desempregado não sabe como saciar a fome a não ser com a memória de refeições passadas. E, entre estes e outros, a vida passa: para uns, traz vinganças e ligações de amor e ódio; para outros, a apatia do que se deixou de sentir. Ao lado, o lote 17, é um buraco à espera de construção - buraco como o das vidas que o observam ao passar.
A história nasce de uma multiplicidade de fragmentos, de pequenos momentos das vidas das várias personagens, como que vistos pelo olhar de alguma entidade distante.
Todos estes momentos estão escritos com a brevidade sintética de quem se cinge ao estritamente essencial. Narram-se os factos, expressam-se os pensamentos e os sentimentos como eles são, sem grandes elaborações nem divagações extensas.
Ao acompanhar tantas personagens num livro tão breve, o autor realça precisamente aquilo que as torna únicas - e, ao mesmo tempo, o que nelas mais desperta interesse, empatia e solidariedade. No fundo, todas estas personagens têm algo de estranho - mas do tipo de estranheza que existe nos recantos mais cruéis da realidade. E, sendo certo que a vida não acaba no fim de uma história, também a história destas personagens não acaba: ficam coisas por dizer, futuros possíveis, bons ou maus. E este ponto de equilíbrio onde tudo termina - pondo fim a algumas coisas, mas deixando tantas outras por dizer - faz um estranho sentido nesta história em que todas as vidas são, por natureza, incompletas.



0 Comentarios