Um Muro e Uma Cerca, Elisabete Martins de Oliveira

Oliveira, Elisabete Martins de (2023). Um Muro e Uma Cerca. Lisboa: Cultura Editora.


Nº de páginas: 264

Início da leitura: 23/06/2023

Fim da leitura: 24/06/2023


**SINOPSE**

"Pequenos gestos podem mudar o rumo de uma vida.
Elias vive sozinho numa casa demasiado grande, já sem os três filhos, que emigraram, e sem a mulher, que morreu. Quando uma família se muda para a moradia ao lado — entre as muitas que de repente chegaram à Margem Sul do Tejo, desafiando-lhe o sossego —, desenvolve antipatia e desconfiança para com os vizinhos.

Do outro lado, contudo, um rapaz negligenciado pelos pais e pela avidez da vida moderna vai-se aproximando, curioso, apesar das barreiras erguidas por Elias. Com Santiago a começar de forma turbulenta o quinto ano na escola nova, o menino procura consolo e atenção junto do vizinho.

A sintonia entre Elias e Santiago cresce, mas uma notícia perturbadora vem ameaçar-lhes a amizade e trazer ao de cima as vidas difíceis que levam, e os segredos que escondem um do outro."
Excelente estreia da escritora! Um livro doce, repleto de suspense, numa linguagem muito agradável e, de tal forma fluída, que o li de uma "penada", mas que aborda acontecimentos muito sérios, como a suposta "falta de tempo dos pais para os filhos", não os chegando a conhecer verdadeiramente, não se preocupando quando se queixam de violência sofrida por pares, na escola. Cada um levando solitariamente a sua vida, vivendo-a a seu bel-prazer, como se o filho fosse um erro de percurso, um fardo a suportar, uma peça da casa. Será que, quando "abrem os olhos", estes pais negligentes, continuarão  pensar e a agir da mesma forma? Às vezes, é preciso que aconteça uma tragédia, para perceberem o quão negligentes foram e se arrependerem de não ter "estado lá" quando o filho mais precisou.
Destaco, também, para além da criança, o Santiago, o seu vizinho Elias, de mais de 70 anos. Entre eles nascerá uma amizade improvável, afetos criados pelas carências e solidão de cada um.
Recomendo muito este livro de uma escritora ainda muito jovem, mas que me parece muito promissora. Gostei muito!

Deixo excertos de uma passagem reveladora da personalidade e atitude destes pais:

"Tiram-me da sanita e não me deixam ir embora. Ajoelham-me à força e agarram-me a cabeça. O Miguel tem mais força, empurra-ma para baixo, enquanto o Cláudio me faz pressão nas costas, para que eu não fuja. Faço força para não mergulhar a cabeça na água, mas eles encostam a minha cara à porcelana da sanita, que cheira a produtos químicos e a chichi, e puxam o autoclismo outra vez. Uma enxurrada de água entra-me pela boca e pelo nariz. (...) Quando chego a casa, tomo um banho (...) Forço um sorriso para mostrar aos meus pais. (...)
- Já tomaste banho? (...)
Contenho a vontade de chorar. (...) Acho que preciso de ajuda.
- Mãe?
- Diz. - Ela continua a olhar para o telemóvel.
- Há uns miúdos na escola que...estão sempre atrás de mim e gozam comigo.
- Isso são brincadeiras de miúdos, Santiago - É o meu pai que responde, a sorrir. - Não ligues.
- Eles molharam-me com água da sanita...
- Tens de lhes dizer para pararem, então - diz a mãe.
- Mas...
- Santiago - diz a mãe, e levanta a mão num aviso para eu me calar - , eu estou cansada. A última coisa de que preciso agora é de queixinhas."

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