Couto, Mia (2009). Jesusalém. Alfragide: Editorial Caminho.
Nº de páginas: 296
Início da leitura:
23/03/2022
Fim da leitura:
27/03/2022
**SINOPSE**
Jesusalém é
seguramente a mais madura e mais conseguida obra de um escritor em plena posse
das suas capacidades criativas. Aliando uma narrativa a um tempo complexa e
aliciante ao seu estilo poético tão pessoal, Mia Couto confirma o lugar cimeiro
de que goza nas literaturas de língua portuguesa. A vida é demasiado preciosa
para ser esbanjada num mundo desencantado, diz um dos protagonistas deste
romance. A prosa mágica do escritor moçambicano ajuda, certamente, a reencantar
este nosso mundo.
António-Pedro Vasconcelos
É
através de uma linguagem poética, muito pessoal, muito sua, que Mia Couto nos
conduz a esta ficção encantadora.
Silvestre
Vitalício, após a morte da esposa, resolve ir para o mato com os seus dois
filhos, Ntunzi e Mwanito. Poderia ser uma procura por si mesmo, mas é mais uma
morte para o mundo. A este seu novo mundo, que escolheu para se esconder da
vida, dá o nome de Jesusalém, um lugar esquecido, fora do mundo.
“E
assim, vagamente, meu pai derivava sobre a extinção do cosmos.”
Conduzidos
pela voz de Mwanito, o jovem narrador, entramos na vida destas personagens para
tentar perceber o que motiva um pai a sacrificar os filhos, a impedi-los de ter
uma vida como as outras crianças, os segredos que esconde e que o tornaram num
ser tão duro. Mwanito é uma criança adorável, inocente, inteligente e com muita
vontade de aprender e conhecer o outro lado, apesar de não gostar de
desobedecer às ordens do pai. Aprende a ler praticamente sozinho, com a ajuda do
irmão, sempre às escondidas, sabendo de antemão que, se o pai soubesse, o
castigaria. O irmão, Ntunzi, vive contrariado, conheceu o outro lado, pois era
mais velho quando foram para Jesusalém. Sabe de coisas que, raramente, conta ao
irmão e também sonha sair dali para sempre.
“Não
chegamos realmente a viver durante a maior parte da nossa vida. Desperdiçamo-nos
numa espraiada letargia a que, para nosso próprio engano e consolo, chamamos
existência. No resto, vamos vagalumeando…”
Mas,
por vezes, a vida vê-se virada do avesso. Foi o que aconteceu quando os irmãos
encontraram “na casa grande” uma mulher. Mwanito nunca vira uma mulher e sentia
muito a falta de uma mãe, Dordalma, de quem não se lembrava, mantendo-se atento
a todos os comentários que surgissem sobre ela.
Esta
mulher, Marta, teria vindo para África à procura do marido, que viajara para
lá, segundo ele, para se encontrar a ele próprio.
Mwanito,
sempre que ela sai, aproveita para remexer nos seus pertences, curioso com umas
cartas que encontra, a troca de correspondência de Marta com o marido e vai
conhecendo a sua vida, os seus segredos (“Ela escrevia lembranças, eu afinava
silêncios”). Se ele sentia uma cumplicidade em relação a esta mulher, quase uma
mãe ou a melhor referência que tinha para uma mãe, o irmão fica
irremediavelmente atraído por ela, o que leva Mwanito a dizer-lhe “Essa moça
subiu-lhe para a ponta dos olhos”. Quando o pai sabe da existência desta
mulher, decide que o melhor é expulsá-la. Mas mais não conto, pois não quero
retirar o prazer de lerem este livro maravilhoso!
0 Comentarios