Americanah, Chimamanda Ngozi Adichie

Adichie, Chimamanda Ngozi (2013). Americanah. Alfragide: Publicações Dom Quixote.

Tradução: Ana Saldanha

Nº de páginas:720

Início da leitura: 01/03/2022

Fim da leitura: 05/03/2022

**SINOPSE**

Ainda adolescentes, Ifemelu e Obinze apaixonam-se. A Nigéria vive dias sombrios sob o jugo de uma ditadura militar e quem pode abandonar o país fá-lo rapidamente.

Ifemelu, bela e ousada, vai estudar para os Estados Unidos. Para trás, deixa o país, a família e Obinze, a quem chama Teto, um nome que testemunha uma intimidade absoluta e irrepetível.

Obinze, introvertido e meigo, planeava juntar-se-lhe, mas a América do pós-11 de setembro fecha-lhe as portas. Sem nada a perder, ele arrisca uma vida como imigrante ilegal em Londres.

Anos mais tarde, na recém-formada democracia nigeriana, Obinze é um homem rico e poderoso. Nos Estados Unidos, Ifemelu também vingou: é autora de um blogue de culto. Mas há algo que nem a América nem o tempo conseguem apagar. E quando decide regressar à Nigéria, Ifemelu terá de reinventar uma linguagem comum com Obinze e encontrar o seu lugar num país muito diferente do que guardou na memória.

Nome maior da literatura contemporânea, Chimamanda Ngozi Adichie disseca conceitos fundamentais tais como identidade, nacionalidade, raça, diferença, solidão e amor. Americanah parte de uma história de amor para construir um romance de ideias tão universal quanto implacável. Uma incontestada obra-prima.

**OPINIÃO**

Gostei muito deste livro, vencedor do National Book Critics Circle Award. Magistralmente conduzidos por Adichie, entramos de rompante num romance que, desde logo, nos cativa. A protagonista Ifemelu vive um primeiro amor com Obinze, ambos nigerianos. Mas este idílico amor vê-se interrompido, a partir do momento em que Ifemelu emigra para os Estados Unidos à procura de alternativas às Universidades locais e Obinze parte para o Reino Unido, enfrentando uma série de problemas para se legalizar naquele país. A partir daqui, percebemos que Americanah é muito mais do que um livro sobre uma relação amorosa.

Ao mesmo tempo em que Ifemelu vai revelando sucesso nos estudos, novas adversidades surgem, uma vez que vê ali postos em causa os seus sonhos e agravadas as dificuldades de ser mulher e de ser negra. Dominada pela frustração, decide, então, escrever um blog, cujas temáticas são preponderantemente a imigração ilegal, questões raciais, desigualdades de género, imperialismo, penteados, entre outros aspetos que Ifemelu observa no seu dia-a-dia.

No meu entender, o que faz de Ifemelu uma personagem cativante é o facto de, indo para os EUA, não se ter deixado americanizar. Também apreciei compreender os diferentes conceitos de racismo, visto pelos americanos e pelos nigerianos. Racismo, que é uma palavra quase proibida na América, e que, no entanto, não deixa de estar sempre presente, por mais que o tempo passe e que, para os nigerianos é uma palavra que existe e continuará a existir, sem que, na Nigéria, sintam o peso dessa palavra.

Quando, 13 anos depois, já com uma vida razoavelmente feita, regressa à Nigéria – Lagos, à procura se si mesma, da sua real identidade. Conseguirá Ifemelu reencontrar-se? Recuperará uma história de amor interrompida há 13 anos?

Nem tudo é cor-de-rosa, pois estas são personagens bastante verosímeis, com virtudes, sim, mas também tecidas de defeitos, que toda a gente os tem, não é verdade? E é mesmo esse facto que dá ainda mais credibilidade à história. Recomendo vivamente.

Deixo uma passagem:

“Compreender a América para o Negro Não Americano:

Tribalismo Americano

Na América, o tribalismo está vivo e de saúde. Há quatro tipos – de classe, de ideologia, de região e de raça. Em primeiro lugar, o de classe. É bastante fácil. Gente rica e gente pobre.

Em segundo lugar, o de ideologia. Liberais e conservadores. Não discordam meramente em questões políticas, cada um dos lados acredita que o outro é malévolo. O casamento entre tribos é desencorajado e nas raras ocasiões em que acontece é considerado digno de nota. Em terceiro lugar, a região. O Norte e o Sul. Os dois lados combateram numa guerra civil e persistem nódoas difíceis dessa guerra. O Norte despreza o Sul, enquanto o Sul sente ressentimento pelo Norte. Finalmente, a raça. Há uma escala de hierarquia racial na América. A raça branca está sempre no topo, especificamente os Brancos Anglo-Saxões Protestantes, também conhecidos pela sigla WASP, os Negros Americanos estão sempre no fundo da escala e o que fica entre os dois extremos depende do tempo e do lugar. (Ou, como dizem aqueles versos maravilhosos: If you’re white, you’re all right; if you’re brown, stick around; if you’re black, get back!) Os Americanos partem do princípio de que toda a gente compreende o seu tribalismo. Mas demora algum tempo a apreender tudo. Por isso, na faculdade tivemos a visita de um palestrante, e uma colega da turma segredou a outra: «Oh, meu Deus, ele parece tão judeu!» com um estremecimento, um estremecimento de facto. Como se ser judeu fosse uma coisa má. Não percebi. Tanto quanto eu via, o homem era branco, não muito diferente da própria colega da turma. Judeu, para mim, era algo vago, algo bíblico. Mas aprendi rapidamente. Sabem, na escala de raças da América, judeu é branco, mas também alguns degraus abaixo de branco. Um pouco confuso, porque eu conhecia uma rapariga com cabelo da cor da palha e sardas que dizia que era judia. Como é que os Americanos conseguem distinguir quem é judeu? Como é que a minha colega de turma soube que aquele tipo era judeu? Li algures que as universidades americanas costumavam perguntar aos candidatos o apelido da mãe, para se certificarem de que eles não eram judeus, porque não admitiam estudantes judeus. Então, talvez seja assim que se sabe? Com base no nome das pessoas? Quanto mais tempo se está cá, tanto mais se começa a compreender.

Se és branco, está tudo bem; se és castanho, fica por cá; se és negro, volta para a tua terra!”

 

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